Análise: André Mendonça precisa de um milagre
Três meses após ser indicado ao Supremo por Jair Bolsonaro, André Mendonça precisa terrivelmente de um milagre para chegar ao tribunal. Os ruídos públicos recentes, sejam declarações do presidente, sejam ameaças de Silas Malafaia, refletem uma realidade política que se impôs, como era o plano do centrão há meses: o ex-AGU não tem apoio no Senado.
Quem articula a sucessão de Marco Aurélio fala cada vez mais em novos nomes - e, mesmo entre aqueles que não tinham nada contra o ex-AGU, cada vez menos em como dobrar Alcolumbre e seus aliados a aprovar Mendonça. Está na lua quem (ainda) acredita que o presidente da CCJ age por capricho ou sem apoio de gente grande. (Se Alcolumbre resolver abrir em público quem pediu a ele em privado que segurasse a sabatina de Mendonça, Brasília terá mais uma crise daquelas.)
A planejada humilhação imposta a Mendonça nos últimos meses demonstra a inépcia e a força insuficiente do grupo político que o indicou. O ex-ministro pertence à turma de Tarcísio Freitas, Wagner Rosário e Jorge Oliveira. Tem a simpatia de Michele Bolsonaro e o apoio barulhento de Malafaia. O pastor prega contra ministros do Supremo e a "ditadura da toga" num minuto - e noutro defende a indicação de Mendonça.
Ressalte-se que o presidente prometeu indicar um nome "terrivelmente evangélico" ao Supremo. Não prometeu se empenhar na aprovação desse nome no Senado. Se isso ajuda a explicar por que Bolsonaro contrariou seus filhos e Frederick Wassef ao indicar Mendonça, em nada ajuda a resolver o impasse prometido pelo centrão - força política da qual o presidente precisa cada vez mais.
Na semana passada, o centrão acionou a segunda fase do plano para emplacar o próximo ministro do Supremo - a primeira era demonstrar que Mendonça não passará. Ciro Nogueira, Arthur Lira, outros senadores e advogados levaram o nome de Alexandre Cordeiro, atual presidente do Cade por indicação do chefe da Casa Civil, a ministros do tribunal. Apesar da articulação, o nome de Cordeiro deve enfrentar sérios obstáculos - a afinidade dele com o centrão é maior e mais antiga do que muitos supõem.
Dois possíveis candidatos perderam a vaga pela idade, mas viraram cabos fortes: Humberto Martins e João Otávio de Noronha. Eles e outros ministros do STJ que fazem política têm razoável poder de barganha: o tribunal tem vagas a preencher - e terá ainda mais no próximo anos.
O presidente e seus aliados sabem que não podem desconsiderar o peso do STJ, muito menos perder a chance de emplacar na corte nomes consensuais antes das eleições. Martins e outros ministros com trânsito político já disseram, reservadamente, que segurarão a votação das listas até o fim do mandato de Bolsonaro, caso avaliem ser preciso.
Cada grupo com poder de influenciar quem será o próximo ministro do Supremo tem sua preferência - e tenta impô-la nas conversas reservadas. Os articuladores do Planalto ainda não lograram chegar a um nome que possa receber o apoio necessário; necessário não somente para passar no Senado, mas também para destravar as indicações pendentes e vindouras no STJ.
Esse estado de coisas decorre, em larga medida, do precedente Kassio. Após o centrão emplacar um nome como o dele no Supremo, quebrou-se a liturgia e trincaram-se as normas esperadas de escolha e tramitação de indicados à corte.
A indicação ao Supremo sempre foi um ato político, mas não tão abertamente político - talvez com a exceção da nomeação de Dias Toffoli. Bolsonaro inaugurou um feirão, sobre o qual não tem mais controle.
Mendonça ainda pode ser aprovado no Senado? Em tese, sim, embora seja improvável. Certamente não será sabatinado em razão de vídeos de Malafaia nas redes sociais. Ele e seu grupo precisarão, em síntese, convencer o centrão (e se inclua a família Bolsonaro no centrão) de que podem jogar junto com quem, hoje, detém mais poder em Brasília - e nos três Poderes.
Caso Mendonça seja rifado, há duas possibilidades claras: Augusto Aras ou um nome a ser sugerido pelo centrão, como Cordeiro. Se Aras for escolhido, Lindôra Araújo é a favorita para se tornar PGR. Caso o centrão e a família Bolsonaro consigam trabalhar outro nome, ainda precisam convencer Malafaia e outros evangélicos a abandonar Mendonça - ou, antes, convencer Mendonça a aceitar outro cargo, como uma vaga no TCU.
Quem participa da articulação reconhece que, qualquer que seja o desfecho, será difícil evitar uma crise e a criação de inimigos nos grupos que venham a perder. Reconhece, aliás, a possibilidade que esse desfecho venha apenas em 2022. Será preciso conciliar a vaga no Supremo com os interesses do centrão e, ainda, com o apoio de grupos evangélicos à reeleição de Bolsonaro.
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