Especial: por dentro do caso Covaxin
Graças aos abundantes indícios de irregularidades e até mesmo de ilegalidades, o caso Covaxin tornou-se a principal linha de investigação da CPI da Pandemia. O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União também investigam o contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos, representante no Brasil da indiana Bharat Biotech, fabricante da vacina.
Para compreender o caso, é importante atentar-se ao contexto em que o governo fechou o contrato. Era fevereiro. Naquele momento, o país começava a vacinar sua população por meio da Coronavac e, em menor parte, com o imunizante da AstraZeneca.
Havia pressão política e social para que o Ministério da Saúde comprasse mais vacinas. Em especial, e modos distintos, três delas: Pfizer, Sputnik e Covaxin. A Pfizer, por já ter sido oferecida ao governo, por ser uma vacina de excelente qualidade e por ter aprovação da Anvisa, era a preferida de parte do público e dos técnicos da Saúde.
O caso da Sputnik e da Covaxin era bem diferente. As duas vacinas não tinham - não têm - atestado de boas agências sanitárias. Eram - são - representadas no Brasil por operadores e lobistas.
A russa Sputnik é produzida pelo Instituto Gamaleya. O governo russo firmou acordo com a empresa União Química, por meio de operação coordenada pelo lobista Rogério Rosso, com apoio do governador petista Rui Costa, entre outras lideranças políticas. A Bharat Biotech, da Covaxin, fechara, no Brasil, com a Precisa Medicamentos, uma empresa que nada produz, do lobista Francisco Emerson Maximiano, o Max.
Entre dezembro e janeiro, tanto os operadores da União Química (Sputnik) quanto da Precisa (Covaxin) montaram uma estratégia para fechar negócio com o Ministério da Saúde - a qualquer custo. Contrataram advogados e lobistas para atuar junto ao Planalto, ao Congresso, ao Ministério da Saúde e à Anvisa.
Pressionaram, sem sucesso, a agência para liberar os imunizantes. No centrão, encontraram uma força política poderosa para aprovar medidas legislativas que facilitassem a compra das vacinas, afrouxando o necessário rigor até então em vigor. Contaram com apoio de parte da base de Bolsonaro e da oposição para levar a cabo alterações legais que diminuíram o poder decisório da Anvisa.
Entre janeiro e fevereiro, quando deram-se as principais tratativas para os contratos da Sputnik e da Covaxin, havia pressão legítima para que o governo comprasse mais vacinas. Em parte da opinião pública, havia pouca ou nenhuma resistência à Sputnik e à Covaxin. Prevalecia a mentalidade de que era preciso ter mais vacinas - e ponto.
Os estrategistas da Sputnik e da Covaxin fomentaram e se aproveitaram desse ambiente político. O lobby deles, legítimo ou não, grassou em conversas acríticas sobre a verdadeira segurança e eficácia das vacinas. Também deu-se pouco ou nenhum peso aos vendedores e seus intermediários: eles conseguiriam entregar o que prometiam? Quem eram essas pessoas e essas empresas?
Já se sabia que Rosso vendia a Sputnik e Max vendia a Covaxin. Aos menos parte da articulação do centrão era de conhecimento público. Entre janeiro e fevereiro, o Bastidor revelou algumas dessas movimentações nas sombras.
Nesse contexto, a pressa para comprar vacinas era algo bom - algo cobrado por todos. O bom desempenho inicial da Coronavac, uma vitória política de Joao Doria, pressionou ainda mais Jair Bolsonaro e seus aliados. Queriam dar uma resposta e tomar a frente da vacinação, após meses apostando apenas na AstraZeneca - e ignorando, sem que haja até hoje uma explicação convincente, as ofertas da Pfizer.
Mas a Pfizer não tinha um Max ou um Rosso. Em fevereiro, as articulações pela Covaxin e pela Sputnik mobilizavam Brasília, dentro e fora do Congresso. É nesse momento crucial que a blitzkrieg dos dois lobistas dá certo: o Ministério da Saúde fecha contrato, ao mesmo tempo, com a União Química e a Precisa. Ambas sem qualquer perspectiva de aprovação da Anvisa. Ambas com preço unitário alto - no caso da Covaxin, um escárnio.
Assomam, portanto, as primeiras dúvidas essenciais acerca da lisura desses processos: o que aconteceu naquelas semanas de janeiro e fevereiro, que permitiram a assinatura dos dois contratos? Houve apenas pressão e pressa legítimas? Ou outros motivos explicam os negócios? Quem persuadiu congressistas e altos funcionários públicos a receber "representantes" das empresas e a fechar os contratos nos termos acertados?
O caso da Covaxin contém um agravante. A Precisa, diferentemente da União Química, que fabrica medicamentos, é uma mera intermediária. O lobista Max, dono da Precisa, tem uma longa trajetória de desfalques aos cofres públicos - algo que o Bastidor informou em seguidas oportunidades antes da assinatura do contrato. Trata-se de uma operador investigado formalmente perante o Supremo por corrupção e lavagem de dinheiro, que desviou recursos dos Correios, do Postalis e da Petrobras, entre outros órgãos públicos.
Também já se sabia que Max ganhara R$ 20 milhões, mas não entregara medicamentos de alto custo ao próprio Ministério da Saúde, em 2018. Ademais, a Precisa caíra na operação Falso Positivo, que descortinou, ano passado, esquema em contratos emergenciais da pandemia no governo de Brasília.
Os gestores do Ministério da Saúde não tinham conhecimento disso? Como entregar um contrato de US$ 300 milhões a uma figura com essas credenciais? E, novamente, nos termos ajustados?
Como era previsível já em fevereiro, a Covaxin tomou toco da Anvisa em março. (A Sputnik também, por sinal.) Recentemente, a agência, em face da mudança de legislação promovida pelos lobistas e pelo centrão no começo do ano, viu-se obrigada a liberar a importação limitada, com severas restrições, dos dois imunizantes.
Diante do que se sabia em fevereiro e em março, o relato do servidor Luis Ricardo Miranda torna-se fundamental - assim como o depoimento de todos os funcionários envolvidos na execução do contrato da Covaxin. A pressão que ele diz ter sofrido para pagar US$ 45 milhões antecipados é compatível com o modo de agir do lobista Max e de seus associados. Naquele momento, no final de março, é altamente provável que Max e sua turma já soubessem que não conseguiriam cumprir o contrato. Foi nesse exato momento que a piora da pandemia na Índia levou o governo daquele país a suspender exportações de vacinas.
Se o pagamento tivesse sido feito, o Brasil, caso Max fizesse como fez em todos os contratos públicos nos últimos dez anos, provavelmente não receberia uma dose de Covaxin - e jamais recuperaria os US$ 45 milhões.
Como o Bastidor revelou, a conta indicada para receber o dinheiro fica em Cingapura, um paraíso fiscal, no DBS Bank. O titular da conta é uma offshore de fachada (Madison Biotech), controlada por uma empresa indiana de vacina para gado. Seus diretores são executivos da Bharat Biotech - empresa que, até agora, não explicou por que se associou a Max nem por que usaria uma offshore em Cingapura sem relação legal com sua matriz.
Os depoimentos dos irmãos Miranda são fundamentais para esclarecer parte do caso Covaxin: caso os relatos procedam, quem pressionou o servidor - e por quê? Qual a origem dessa pressão? Ou seja, quais pessoas pressionaram quem fez a pressão, e assim por diante?
O alerta dos irmãos ao presidente Jair Bolsonaro, se for comprovado, compõe esse quadro. Embora o deputado afirme se tratar de corrupção, o relato deles não permite concluir isso - permite inferir que a suspeita de corrupção é crível. A pressão por um pagamento para lá de heterodoxo não é corrupção, embora possa ser crime.
Caso tenha havido uma promessa de vantagem indevida (propina) para que o pagamento saísse, aí, sim, estaríamos falando de corrupção. Para descobrir se houve, de fato, corrupção, será preciso avançar na investigação sobre a pressão para pagar os US$ 45 milhões.
O comportamento do presidente não colabora. Apenas pedir explicações a Pazuello é uma atitude insuficiente. Talvez configure o crime de prevaricação, especialmente considerando a reação do governo diante das acusações dos irmãos Miranda. Em vez pedir investigação à Polícia Federal sobre o contrato, o Planalto pede investigação sobre os denunciantes. E afirma haver fraude onde não há: a fatura é real.
Embora o governo não tenha pago um centavo à Precisa, como a base bolsonarista gosta de frisar, o fato de o contrato entre o Ministério da Saúde permanecer em vigor, apesar da recomendação contrária de técnicos da pasta, é outro fator que depõe contra Bolsonaro. A rescisão do contrato é elementar.
Felizmente, o caso Covaxin é apurável. Tanto a CPI da Pandemia quanto, em especial, o Ministério Público Federal têm condições técnicas e legais de obter provas e desvendar se houve crimes na negociação e execução do contrato de US$ 300 milhões.
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