Vaza toga

Karen Couto
Publicada em 14/08/2024 às 00:38
Investigador, acusador e julgador Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Mensagens entre assessores de Alexandre de Moraes mostram que o ministro do Supremo Tribunal Federal usou o órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral para criar relatórios que embasaram decisões contra bolsonaristas nos inquéritos das Fake News. As conversas ocorreram entre agosto de 2022 e maio de 2023, período em que Moraes presidia a Corte Eleitoral.

As mensagens, divulgadas hoje (13) pela Folha de São Paulo, foram obtidas por fontes que acessaram dados de um telefone, sem envolvimento de hackers ou interceptações ilegais. Os diálogos, via WhatsApp, envolvem Moraes, seus auxiliares e outros membros da equipe, como o juiz e assessor Airton Vieira e o perito criminal Eduardo Tagliaferro, que atuava no TSE até ser preso por violência doméstica.

Os registros indicam que o gabinete de Moraes pediu a produção de relatórios pelo menos 20 vezes. Segundo o jornal, esses documentos foram oficialmente solicitados por um juiz auxiliar do TSE ou motivados por denúncias anônimas. Parte desses relatórios serviu para embasar ações contra bolsonaristas, como cancelamento de passaportes, bloqueio de redes sociais e intimações para depoimento à Polícia Federal.

Os relatórios viravam, formalmente, ofícios da controversa Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, criado por Moraes. Essa Assessoria é uma especie de órgão interno do TSE, ao menos oficialmente. Na prática, como o Bastidor noticiou à época, já nasceu com características de um gabinete informal de Moraes, que pudesse minimizar as críticas sobre o modelo de atuação judicial do então presidente do TSE, notadamente quanto ao “combate a Fake News”. As mensagens oferecem fortes indícios de que essa Assessoria Especial apenas simulava uma distância inexistente entre o ministro e um órgão supostamente técnico do TSE. Ao agir, Moraes se dizia provocado pela Assessoria Especial do TSE. Assim, tentava transmitir que não agia de ofício, sozinho - uma crítica consistente e antiga ao modo de trabalhar do ministro desde o inquérito das Fake News, de 2019.

Dois desses relatórios miraram o jornalista Rodrigo Constantino e o ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo, ambos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL). Em uma mensagem de 28 de dezembro de 2022, Airton Vieira comenta com Tagliaferro que o próprio Moraes havia solicitado um laudo, demonstrando interesse direto no caso. Ele sugere a inclusão de novas postagens para "satisfazer sua excelência".

Em 1º de janeiro de 2023, Airton enviou a Tagliaferro duas cópias de decisões de Moraes relacionadas ao inquérito das Fake News, resultando em quebra de sigilo bancário, cancelamento de passaporte e bloqueio de redes sociais de Constantino e Figueiredo. Em 22 de novembro de 2022, Moraes já havia pedido análise de uma publicação de Constantino. Airton solicitou bloqueio e multa pelo STF e orientou Tagliaferro a "caprichar" no relatório, enquanto o documento oficial alegava que as informações vieram de um sistema de alertas do Tribunal. Depois, a equipe expressou preocupação com a condução das denúncias.

O gabinete de Moraes afirmou em nota que "todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República".

O Bastidor tem acompanhado a atuação de Moraes no TSE, especialmente na condução dos inquéritos que parecem intermináveis. Um dos mais controversos é o das Fake News, em andamento desde 2019, no qual Moraes tem tomado decisões de ofício, sem a participação do Ministério Público ou da Polícia Federal.

Outro inquérito polêmico é o das Milícias Digitais, frequentemente usado para criticar a atuação de Moraes. Aberto desde 2021, ainda não resultou em ações práticas contra os investigados. Nos bastidores do STF, é chamado de “inqueritão” por sua capacidade de expandir o escopo e incluir mais investigados. O caso mais recente foi o do bilionário Elon Musk, que usou a rede X para atacar pessoalmente Moraes.

A gestão de Moraes no TSE também foi marcada por polêmicas. Em uma tentativa de frear a desinformação e proteger a integridade do sistema eleitoral, Moraes transformou a Corte Eleitoral no “tribunal da verdade”. Sob sua liderança, o TSE ganhou poderes para determinar a exclusão de conteúdo, a suspensão temporária de contas, perfis e canais que divulgassem "desinformação", e até bloquear o acesso de brasileiros a plataformas como Facebook, Twitter e YouTube.

Leia a nota do gabineta do ministro Alexandre de Moraes

“O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições. Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.”

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