Análise: a gambiarra de Moraes

Diego Escosteguy
Publicada em 25/08/2022 às 17:22
Foto: Pedro Teixeira/Folhapress

Faz mais de 48 horas que o país desconhece as razões que levaram o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes a autorizar uma operação da Polícia Federal contra empresários bolsonaristas. Os nomes dos alvos foram divulgados oficiosa e amplamente; os crimes, e notadamente os fatos que permitiram a imputação desses crimes, não. A decisão de Moraes segue sob sigilo - um sigilo sem explicação razoável.

Diante do pouco que se sabe acerca da operação, do padrão que se estabeleceu em casos semelhantes sob o comando de Moraes e da falta de transparência mínima sobre um caso de tamanho impacto, resta a forçosa conclusão, ainda que provisória, de que se trata de uma gambiarra legal com propósitos políticos. A pretexto de se defender o estado democrático de direito, violam-se princípios que alicerçam o próprio estado democrático de direito.

A julgar pelas poucas informações disponíveis, a decisão do ministro Alexandre de Moraes solapou o devido processo legal e malferiu, mais uma vez, a liberdade de expressão - princípio capturado pelo bolsonarismo como slogan e castigado pelas principais forças políticas e jurídicas do Brasil a ponto de virar suco ideológico de coisa alguma.

A se acreditar em manifestação da Procuradoria-Geral da República enviada a Moraes ontem (quarta), a decisão do ministro fundamentou-se em reportagem do site Metrópoles - e tão somente nos fatos relatados pelo veículo. (A PGR não participou da operação, como determina a lei, e recebeu cópia da decisão do ministro na véspera das buscas.)

Se a PGR não estiver distorcendo os fatos, e as informações repassadas reservadamente pelo Supremo à imprensa estiverem corretas, Moraes, aparentemente, decretou medidas graves contra os empresários sem fundamentos suficientes para isso. 

A liberdade de dizer bobagens

De acordo com a reportagem do Metrópoles, os empresários participavam de um grupo de WhatsApp. Nele, portanto num ambiente privado, falavam de política. Todos os citados são bolsonaristas e alguns deles mostravam-se simpáticos a ideias golpistas. Falavam bem do Exército e mal do Supremo. E só.

Os comentários reproduzidos são reprováveis. Mas não são ilegais. Bolsonaristas ou não, as pessoas têm direito a expressar seus pontos de vista, por mais abjetos que esses pontos de vista possam parecer aos outros. Isso é especialmente importante quando se trata de conversas privadas. Vale para um grupo de WhatsApp, vale para uma mesa de bar.

Ao contrário do que alguns parecem pensar, ser contra a democracia não é ilegal. Tampouco falar mal da democracia. A democracia é um regime superior aos demais precisamente porque permite e encoraja o dissenso. É um regime de adultos lúcidos, não de crianças birrentas. Nele, a liberdade plena de se expressar expressa, ao mesmo tempo, a beleza e a força moral de uma sociedade sem medo. Uma democracia restringe tabus, não discursos. Proibir é exceção; punir por fala, um último recurso - salvo em crimes flagrantes contra a honra.

Reitere-se: não é proibido esposar ideias estúpidas. Estúpido é tentar proibir a circulação de ideias. Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de conformidade a ideias hegemônicas e bonitas. Ou ponham-se os juízes a banir de Platão a Karl Marx, que os dois e a turma entre eles não eram muito chegados numa democracia. Poucas ideias são historicamente tão ruins quanto a ideia de tentar controlar ideias. A conclusão lógica são tribunais da verdade, nos quais a liberdade de expressão resta apenas como slogan a serviço da censura.

A cloroquina jurídica

Nas mensagens trocadas pelos empresários, ao menos nas que são de conhecimento público, não há qualquer menção a atos preparatórios para subverter o regime democrático. Ou seja, atos que visem a um golpe.

Esse tipo de ato seria crime, conforme previsto na nova redação da antiga Lei de Segurança Nacional. É o artigo 359-L: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais".

Como se vê, é um crime de definição um tanto elástica. Ainda assim, não contempla figurinhas de WhatsApp.

Após a controvérsia causada pela decisão de Moraes, fontes ligadas a ele tentaram vender a ideia de que o ministro não se fundamentou apenas na reportagem do Metrópoles e que, ademais, buscava impedir o financiamento de atos antidemocráticos. Dois ministros disseram ao Bastidor, com palavreado semelhante, que a operação teve caráter preventivo. Profilático, no termo mais usado nos últimos dias. Uma espécie de cloroquina jurídica.

Se Moraes pretendia ou pretende interromper o financiamento de atos golpistas, essa razão é legítima e deveria constar da decisão. Seria preciso, por óbvio, expor os indícios de que há uma organização criminosa em funcionamento, com o objetivo de atentar gravemente contra o estado democrático de direito. Não há notícia de que existam esses elementos concretos.

Se porventura existirem indícios de que estão em curso atos preparatórios contra o estado democrático de direito, o público tem o direito de saber - e com urgência. Quais seriam esses atos? Quem são os partícipes? Qual a função de cada um nessa organização criminosa? Em caso de financiamento a atos ilegais, quem são os financiadores? Qual a origem do dinheiro?

Caso haja relação dessa organização criminosa com os empresários investigados na operação deflagrada na terça, essa relação deve ser exposta à luz do sol - e não sugerida, por meio de ilações ligeiras, em conversas reservadas.

Os nomes dos empresários já estão na praça. Sejam ou não, viraram golpistas. Sofreram buscas em suas casas, foram obrigados a depor, tiveram contas em redes sociais bloqueadas e, consta, também houve bloqueio de contas bancárias. Tantas medidas restritivas precisam estar muito bem fundamentadas.

A ausência de provas

Torna-se necessário redobrar a cobrança por evidências em virtude da ausência delas nos últimos anos. Desde a gambiarra inicial, em 2019, com a criação do inquérito das fake news, uma aberração jurídica que ainda assombrará a Suprema Corte nos próximos anos, sobraram adjetivos alarmantes nessas investigações. E faltaram provas.

A gambiarra do inquérito das fake news provocou outra, com a criação do inquérito das milícias digitais. Este está em curso há mais de um ano e nada produziu. A aparente violação ao devido processo legal é múltipla: não se explica por que Moraes é o juiz competente para o inquérito, a não ser se recorrendo à gambiarra anterior; não se explica por que o Supremo teria a prerrogativa de tocar esse inquérito; não se esclarece por que o Ministério Público, titular da ação penal, virou plateia; enfim, não há informações nítidas sobre os fatos apurados, os crimes sob suspeita e os autores desses crimes. Tudo está embaçado sob a névoa de "milícias digitais" e aparentemente justificado pela necessidade de parar golpistas.

A falta de informações concretas - de fatos - sempre é justificada como uma medida para proteger as investigações. É o que acontece agora. Diz o gabinete de Moraes sobre a necessidade de segredo da decisão: "O sigilo somente será levantado quando não houver mais risco de prejuízo à investigação e ao cruzamento de dados".

Parece uma justificativa razoável. Não é. Não seria em face apenas desse caso; faz menos sentido ainda diante do histórico das gambiarras nesses processos. Que prejuízo pode ocorrer à investigação no caso de vir a público a decisão que a fundamentou? Uma vez deflagrada a operação, seus alvos, por definição, tomam conhecimento dela. A capacidade deles de causar embaraço às apurações é severamente reduzida. Possíveis integrantes da mesma organização criminosa, cuja atuação seja desconhecida das autoridades, podem sumir. Qualquer investigador, seja da Polícia Federal, seja do Ministério Público, sabe perfeitamente disso. 

Segredos prolongados

A perda do elemento surpresa, assim como a capacidade de dissuasão da operação, integram o cálculo de quaisquer investigadores. Examinar extratos bancários e dados telemáticos (como informações contidas num celular) em nada afeta a publicidade da decisão judicial que autorizou esse exame. Sobretudo quando a existência da operação e os nomes dos alvos já são de domínio público.

A permanência prolongada de segredos substantivos em casos notórios, nos quais haja medidas ostensivas, como no de terça, sugere uma operação permanente de inteligência, e não uma investigação criminal. Pela evidente violação constitucional que isso representaria, certamente não é o caso das investigações tocadas por Alexandre de Moraes.

Numa operação permanente de inteligência, o objetivo não é desbaratar quadrilhas, investigar crimes e processar penalmente os responsáveis. É obter informações e, em alguns casos, usar essas informações para operações de influência, que modifiquem o comportamento de determinados alvos de acordo com os objetivos estabelecidos por quem manda.

Havendo crimes, uma investigação penal tende a torná-los públicos em algum momento, mediante denúncia oferecida pelo Ministério Público e decisões públicas de um juiz imparcial. Uma operação de inteligência tende a permanecer em segredo. Gambiarras penais, também.

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