Terra da discórdia
Será em 30 de julho o julgamento de uma das ações que impedem a Paper Excellence de assumir a Eldorado Celulose, hoje ainda controlada pela J&F. Trata-se de uma das maiores disputas empresariais do país - repleta de episódios estranhos e surpreendentes, que se trava em múltiplas frentes. A questão que será julgada no fim do mês é uma das mais peculiares. Foi apresentada à Justiça Federal de Chapecó em 2023, sob a justificativa de defesa da soberania nacional.
Em 2017, a Paper comprou a Eldorado da J&F por 15 bilhões de reais. Com a empresa de celulose, vieram plantas industriais que têm propriedades rurais anexas. O autor do pedido, Luciano José Buligon, ex-prefeito de Chapecó e ex-secretário de Santa Catarina, diz à Justiça Federal que a conclusão da operação entregaria a posse de uma grande extensão de terra no estado a estrangeiros.
Buligon argumenta que o controle da Eldorado deve ser avalizado pelo Congresso Nacional devido ao capital estrangeiro da Paper. Mas seu pedido nem sequer foi analisado em primeira instância. Foi considerado inepto. No entanto, o desembargador do TRF4 Rogério Favreto, relator do caso escolhido por sorteio, entendeu que a ação tinha razão de ser.
Liminarmente, Favreto suspendeu todos os atos relacionados ao controle da Paper sobre a Eldorado até que o tribunal decida se o pedido de Buligon deve ou não tramitar. A liminar foi chancelada por três desembargadores - que serão os mesmos a analisarem o mérito do caso no dia 30.
Entrosamento só de um lado
Buligon,Eldorado e J&F andam em sintonia no processo, concordando com os pedidos uns dos outros. Num deles, a empresa de celulose exigiu a suspensão de determinações definidas em arbitragem meses antes da decisão de Favreto. O ex-prefeito e o grupo dos irmãos Batista aplaudiram. Pediram ainda que a liminar impedisse também qualquer ingerência dos indonésios na companhia brasileira.
O político é acusado pela Paper de apresentar a ação popular para beneficiar a J&F, que vendeu a Eldorado aos indonésios com a celulose em baixa, para um ano depois desistir do negócio, quando os preços melhoraram. A relação do Buligon, que deixou a prefeitura de Chapecó em 2020, com a J&F é indireta. Ele é aliado de Gelson Merísio, apoiando-o durante a campanha de 2018 ao governo catarinense.
Merísio foi eleito para o Conselho de Administração da JBS, outra empresa do grupo J&F, pouco tempo depois que a ação foi proposta.
Na outra ponta, o Incra diz num momento que a venda não deve ser concretizada, para depois afirmar que o negócio deve ser totalmente revisto. Na Justiça Federal, a autarquia já disse, e reafirmou, que o capital estrangeiro da Paper na compra da Eldorado atrai a opinião do Congresso sobre a validade da operação.
Porém, num recurso administrativo apresentado pela Paper ao próprio Incra, o órgão afirma ser necessária uma análise específica, devido ao tipo de uso que será feito da área em questão, se rural ou não. O argumento, porém, não é da autarquia. Os técnicos concordaram com manifestação da Paper, que contou com pareceres da ministra aposentada do STF Ellen Gracie e do ex-advogado-geral da União Luis Inácio Adams.
Disputas aos montes
A desistência da venda da Eldorado, pelo grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, criou uma série de disputas que se espalharam pela Justiça. Uma delas começou em 2018, numa arbitragem que contou até com denúncia de espionagem que teria sido praticada contra a J&F por ordem da Paper; 70 mil e-mails foram acessados ilegalmente.
A arbitragem terminou no começo de fevereiro de 2021. Após perder essa disputa, a J&F levou a briga para o Tribunal de Justiça de São Paulo em meados de 2022. Lá, as empresas tentaram travar a discussão desistindo (sem sucesso) de recurso por medo de derrota ou com questões sobre competência para julgamento, nulidade de decisão e honorários exorbitantes.
Em primeira instância, a Paper venceu a J&F, que foi obrigada a pagar 600 milhões de reais aos advogados da empresa indonésia. O montante foi definido a partir do valor da causa atribuído pelo juízo: 6 bilhões de reais. No TJSP, o grupo dos Batista havia perdido todos os julgamentos e dependia de dois recursos, que terminariam de ser analisados em janeiro deste ano.
Quando estava prestes a também sair derrotada, a holding dos Batista acionou o Superior Tribunal de Justiça. O ministro Mauro Campbell socorreu a empresa rapidamente. Suspendeu a retomada do julgamento, que estava 2 x 0 contra a J&F.
Caso o TRF-4 mantenha o entendimento adotado até agora, a decisão de Campbell mantém-se válida, mas perde a força no mundo real. Isso porque a Paper, mesmo já tendo se comprometido a se desfazer das terras, não poderia assumir o controle da Eldorado.
Nesse caso, abriria-se uma nova discussão, sobre penalidades contratuais previstas. A Paper tenta, desde o começo deste ano, receber 3 bilhões de reais em multas contratuais pela desistência da venda da Eldorado pelos irmãos Batista.
Nem se o TRF4 derrubar a liminar de Favreto a Paper poderá assumir o controle da Eldorado. Nesse cenário, fica mantida a decisão monocrática de Mauro Campbell, que suspendeu a análise dos recursos pelo TJSP até que o STJ se manifeste.
A política do Judiciário
Mesmo estando em cortes e estados diferentes, Campbell e Favreto têm em comum nessa disputa o fato de terem sido acionados no caso enquanto estão em campanha. O desembargador do TRF-4 quer ser escolhido para o STJ e o ministro quer emplacar um aliado noutra cadeira vaga na corte superior.
Mais forte após ter sido escolhido o próximo corregedor nacional de Justiça, Campbell tenta convencer seus colegas de STJ que Samy Barbosa, que está atualmente no Ministério Público, é um bom nome para a corte.
Favreto vai a Brasília com bastante frequência, para convencer os ministros do STJ de que deve integrar uma das listas tríplices que a corte enviará para Lula selecionar um nome. O Bastidor já mostrou que o desembargador é um dos preferidos de Lula, que avaliza a forte influência da J&F no seu governo.
A deferência de Lula a Favreto existe porque o desembargador soltou o petista em 8 de julho de 2018, um sábado de plantão judicial. O então ex-presidente havia sido preso em 7 de abril daquele ano, por decisão de Sergio Moro e após autorização do plenário do Supremo. O atual ocupante da Presidência da República tinha sido condenado a pouco mais de 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
À época, Lula, que respondia a outras seis acusações, foi preso por receber 2,2 milhões de reais em propina da OAS para favorecer a empreiteira em contratos da Petrobras. Segundo o Ministério Público Federal, a vantagem foi paga com um apartamento tríplex no Guarujá (SP).
A decisão de Moro foi confirmada por desembargadores do TRF4. Em novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal mudou sua jurisprudência sobre a possibilidade de prisão após decisão de segunda instância. A alteração beneficiou o petista, que foi solto porque tinha recursos pendentes no STF e no Superior Tribunal de Justiça.
Em 8 de março de 2021, o STF entendeu que Sergio Moro não poderia julgar as ações em que condenou o petista, derrubando todas as penas impostas a Lula.
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