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Dupla remuneração em xeque

Alisson Matos
Publicada em 26/06/2025 às 11:50
Os professores Roger Chammas, Jose Otavio Costa Auler Junior e Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho estão entre os citados na investigação Foto: Divulgação

Um processo sigiloso que corre na Receita Federal desde 2024 coloca a Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a USP, no centro de um esquema que viabilizou pagamentos ilegais a dirigentes e ex-dirigentes da entidade. O Bastidor teve acesso com exclusividade às denúncias.

Como punição, a Receita diz que a FFM, como é conhecida a fundação, perdeu o direito à imunidade tributária concedida a esse tipo de entidade. A FFM não tem fins lucrativos e atua em apoio às atividades da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital das Clínicas, maior complexo hospitalar da América Latina. É certificada pelo Ministério da Saúde como Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) e qualificada como Organização Social de Saúde do Estado de São Paulo.

Somente em 2020, a FFM recebeu 1,25 bilhão de reais em recursos governamentais. Com a imunidade tributária, deixou de pagar 311 milhões de reais em impostos. Para o fisco, a entidade não cumpriu os requisitos legais para manutenção desse benefício.

No processo, são citados cinco diretores ou ex-diretores da FFM: José Otavio Costa Auler Junior, que foi vice-diretor de janeiro de 2019 a setembro de 2023; Flávio Fava de Moraes, ex-diretor-geral; Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho, hoje vice-diretor-presidente; Roger Chammas, que foi vice-diretor; e Eloisa Silva Dutra de Oliveira Bonfá, do Hospital das Clínicas. Todos são professores no curso de Medicina da USP.

De acordo com a Receita, empresas que pertencem a eles faturaram 1,7 milhão de reais em 2020. O documento ainda cita a professora .

Em junho de 2023, a Receita Federal instaurou procedimento para verificar se a FFM atendia aos requisitos para manter a imunidade tributária. Auditores solicitaram documentos sobre a estrutura da fundação, listagem de administradores e membros de órgãos internos, demonstrativos financeiros de 2020, além de informações sobre reorganizações societárias e certificados de entidade beneficente.

Os fiscais identificaram um padrão nas contratações da FFM: os cinco professores que ocupavam cargos de direção na fundação ou em entidades vinculadas possuíam empresas que prestavam serviços à própria FFM.

A Receita considerou que esses serviços tinham caráter "personalíssimo" e se confundiam com as atribuições dos cargos que os professores já exerciam, caracterizando "remuneração indireta" disfarçada. O padrão de funcionamento se repetiu entre 2019 e 2020.

Para a Receita, a FFM descumpriu os requisitos para manter a imunidade tributária ao distribuir patrimônio a dirigentes a partir de contratos simulados. A fiscalização aplicou multa qualificada de 150% sobre os valores devidos, alegando fraude contábil e conluio dos dirigentes para "omitir atos comissivos de fraude relacionados à remuneração paga a pessoa física em conta de pessoa jurídica".

Na prática, de acordo com a acusação, os contratos foram uma forma "oblíqua e dissimulada" de pagar os dirigentes, numa prática vedada por lei para entidades beneficentes.

O professor José Otavio Costa Auler Junior, por meio da empresa J.O. Auler, recebeu por "assessoria em inovação e tecnologia em saúde". O professor Flávio Fava de Moraes, a partir da Flama Consultoria, levou 874 mil reais por ter feito “assessoria acadêmica à FMUSP”.

Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filhos, com a TBarros, faturou 532 mil em "consultoria em educação permanente". Roger Chammas, via RCHammas, recebeu 349 mil por coordenação de MBA em gestão de saúde. Eloisa Silva Dutra de Oliveira Bonfá prestou consultoria em gestão administrativa. A empresa ligada a ela é a Med-Esdob Ltda.

“Sob pretexto de contratação de pessoa jurídica prestadora de serviços, a FFM distribuiu patrimônio social da entidade em benefício das pessoas físicas titulares de órgãos de administração”, diz o relatório fiscal.

No documento, o fisco afirma também que as contratações foram feitas por "notória especialização", sem processo licitatório. Para a Receita, isso viola princípios de impessoalidade e moralidade administrativa, mesmo a FFM sendo uma entidade privada. "O fato de os membros da cúpula diretiva decidirem sobre contratos com suas próprias empresas sem procedimento competitivo já viola a moralidade, probidade, impessoalidade, em nítido conflito de interesses", diz.

Em suma, segundo a Receita, a fundação violou o seu estatuto e as regras legais para manutenção do CEBAS, condição que garante isenção de contribuições sociais.

A FFM foi criada em 1986 para apoiar as atividades da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital das Clínicas. Ela gerencia recursos que financiam desde pesquisas médicas até o funcionamento de UTIs e a compra de equipamentos hospitalares.

Se perder a imunidade, a FFM terá que pagar não apenas os impostos futuros – algo em torno de 311 milhões de reais por ano - mas também os de 2020, acrescidos de multa de 150% e juros. O valor total da cobrança não foi divulgado.

O caso ainda está na 1ª instância. A FFM já apresentou impugnação. Argumentou que os serviços foram efetivamente prestados e eram legais conforme legislação específica sobre prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas.

Em sua defesa, a FFM diz que os serviços foram efetivamente prestados e eram diferentes das funções administrativas dos dirigentes. Alega ainda que a contratação de pessoas jurídicas para serviços personalíssimos é legal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. Acrescenta que todos os contratos foram transparentes e são conhecidos por órgãos de controle e que a Receita não seguiu o procedimento correto para questionar a imunidade.

"A presente autuação fiscal lograria como resultado apenas o desmonte do financiamento do maior hospital público da América Latina", afirma a defesa, assinada pelo tributarista Heleno Torres. Ele pede que os autos sejam completamente anulados por vícios procedimentais.

A fase seguinte do processo ocorrerá no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf.

O Bastidor procurou os citados. Em nota, a FFM disse que “a discussão sequer saiu da primeira instância de julgamento da Receita Federal e causa espécie que tenha sido acessada por terceiros. A Fundação já provou, ponto a ponto, a legalidade e regularidade de todos os procedimentos questionados e aguarda o pronunciamento das autoridades julgadoras, dentro do devido processo administrativo fiscal”.

O advogado Heleno Torres não retornou. A reportagem também buscou os professores. Só não conseguiu contato com Flavio Fava de Moraes. Nenhum deles respondeu aos questionamentos enviados. O único retorno, via assessoria, foi o de que "não haverá manifestação fora dos autos".

A Receita Federal, por meio de sua assessoria, afirmou que, em razão do sigilo fiscal, “não se manifesta sobre casos concretos”.

Atualização às 12h do dia 27 de junho: Após a publicação do texto, foi encaminhada ao Bastidor a nota abaixo. Os valores informados pela Receita foram atualizados no texto.

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