Uma decisão alienígena

Samuel Nunes
Publicada em 05/02/2024 às 19:25
Ministro tomou decisão dias depois de ter sido criticado pela Transparência Internacional Foto: Fellipe Sampaio /STF

Em mais uma decisão juridicamente duvidosa, factualmente imprecisa e logicamente confusa, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu investir contra a ONG Transparência Internacional (TI), dias depois de ter sido criticado pela entidade.

Toffoli usou um caso antigo, que estava há até pouco tempo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria do ministro Humberto Martins.

Trata-se de pedido de investigação feito em fevereiro de 2021 pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Na notícia-crime encaminhada ao STJ, ele critica a participação da TI nas negociações do acordo de leniência da J&F.

Foi o próprio parlamentar quem pediu a Martins que o caso fosse repassado ao STF. Entendia que o assunto teria relação com a reclamação do presidente Lula, na qual Toffoli determinou a suspensão dos acordos não só do grupo dos irmãos Batista, mas também da Odebrecht. A reclamação chegou à Suprema Corte em dezembro de 2023.

Na última semana, ao divulgar o Índice de Percepção da Corrupção, a entidade citou duas decisões de Toffoli como motivos para a piora do Brasil em seu ranking: a suspensão da multa de 10,3 bilhões de reais da J&F e a anulação das provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht. As críticas se repetiram quando Toffoli suspendeu o pagamento das multas da Odebrecht.

Em seu despacho, Toffoli aludiu a "fatos gravíssimos" nas tratativas do acordo de leniência do Ministério Público Federal e a J&F. Segundo os termos firmados entre a Transparência Internacional e o Ministério Público Federal, a entidade seria responsável por ajudar a definir projetos para investir 2,3 bilhões de reais da multa em ações de educação e combate à corrupção. A J&F deu calote no acordo de leniência e nenhuma ação foi sequer planejada.

Na decisão, Toffoli praticamente não apresenta argumentos jurídicos para reconhecer a competência do STF no caso. Diz apenas, de forma genérica, que os casos possuiriam relação entre si. Não é bem assim. A reclamação de Lula fala apenas da Odebrecht e é relacionada à operação Lava Jato, enquanto o acordo da J&F não é citado pela defesa de Lula e foi firmado na operação Greenfield.

Toffoli também não aponta quais possíveis crimes poderiam ter sido cometidos e motivariam alguma investigação.

As suspeitas de irregularidades no acordo de leniência foram investigadas pela Corregedoria do Ministério Público Federal a pedido do então procurador-Geral Augusto Aras, que citou fatos comprovadamente falsos ao cobrar uma investigação acerca da relação da entidade com as gestões anteriores da PGR.

O resultado da apuração nunca veio à tona. O Bastidor questionou a PGR sobre o andamento da investigação, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem. Embora não tenha surgido nenhuma evidência que corroborasse qualquer suspeita de irregularidades, e tenham surgido documentos que demonstram o contrário, o caso do chamado "conluio" entre a Lava Jato e a Transparência Internacional nunca sumiu da máquina de propaganda petista.

Na decisão, Toffoli determinou que todos os documentos obtidos até o momento, assim como os futuros, sejam encaminhados também ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, para que os órgãos avaliem se alguma medida deve ser tomada contra os membros do MPF que firmaram o acordo com a J&F. Procurada, a CGU disse que ainda não foi notificada sobre o caso. O TCU não respondeu até a última atualização desta reportagem.

Em nota, a Transparência Internacional refutou as acusações. A entidade afirma que as acusações são baseadas em notícias falsas e que jamais recebeu ou gerenciou qualquer recurso advindo da multa da J&F. (Leia a íntegra no fim do texto)

Presunção e suspeição

A decisão de Toffoli é eivada de prévio juízo de valor sobre a parceria. "Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim", escreveu o ministro, em letras maiúsculas, ao se referir à TI.

A prática de se tomar juízo de valor prévio nas decisões tem sido tônica comum no Judiciário, ignorando-se o princípio da presunção de inocência. Contudo, no caso da decisão de Toffoli, isso ganha ainda mais atenção, já que ele é casado com a advogada Roberta Rangel, que defende a J&F na disputa da empresa com a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Papel e Celulose.

Mesmo com essa proximidade, o ministro não declarou a suspeição para julgar os processos da J&F. Isso porque ele está amparado em uma decisão do próprio STF, a qual, em agosto de 2023, permitiu aos membros dos tribunais superiores a participação em julgamentos nos quais as partes sejam atendidas por escritórios que pertençam a membros de suas famílias.

Outro ponto que expõe a agenda do ministro é o fato de que, mesmo sendo uma decisão preliminar, ele fez questão de torná-la pública, enquanto resolveu manter o sigilo dos autos que já possui até o momento e daqueles que venha a receber nas próximas fases da investigação.

A atuação aparenta ter sido feita para constranger a entidade, já que não há espaço para que ela possa se manifestar publicamente acerca de algum documento que conste no processo até aqui - ou que alguma outra instituição independente ou a imprensa possam analisar se as acusações procedem ou não.

Leia abaixo as íntegras da decisão de Toffoli e do pedido de Rui Falcão e a nota da Transparência Internacional:

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