Decisão de Moraes divide comunidade jurídica

Brenno Grillo
Publicada em 28/01/2022 às 18:22
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A decisão de Alexandre de Moraes que obrigou Jair Bolsonaro a depor pessoalmente à PF em Brasília, hoje (28), às 14h, causou confusão na política e na Justiça. Como esperado, o presidente não compareceu e o recurso da AGU contra o entendimento do ministro nem sequer foi analisado.

O entendimento de Moraes divide a comunidade jurídica. A corte tem jurisprudência de 2018 que proíbe a condução coercitiva para interrogatório. Mas o Supremo também tem decisões conflitantes sobre a obrigação ou não da presença do investigado em depoimentos.

Muitos desses entendimentos sobre a obrigatoriedade foram proferidos durante a CPI da Pandemia. Teve decisão obrigando a ida do investigado à sessão do colegiado de senadores, garantindo o direito ao silêncio e ao auxílio de um advogado, enquanto outras determinaram não ser obrigatória a participação de alvo de investigação em interrogatório.

Para entender essa barafunda jurídica, o Bastidor consultou especialistas. Eles colocaram o direito ao silêncio no meio dessa discussão.

Os defensores da ida obrigatória afirmam que, mesmo calado, o investigado deve se submeter às vontades da Justiça. Os críticos dizem que é justamente por não poder ser obrigado a falar que o alvo de investigação tem o direito de não ir a sessões de questionamentos por autoridades.

A decisão e os precedentes

O constitucionalista Guilherme Amorim diz que a "decisão está no limite da legalidade, da constitucionalidade e da harmonia entre os Poderes". Mas ressalta que, agora, os olhos devem estar voltados ao plenário do STF, que pode analisar o tema.

Isso porque há precedentes na corte não exigindo a presença de investigados em depoimentos, por conta do direito ao silêncio, e outros limitando as opções de condução coercitiva.

Nos casos julgados pelo STF em 2018, a corte entendeu (por maioria) que há "incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

Roberto Livianu, procurador de Justiça de São Paulo, também não vê "abusividade ou ilegalidade na decisão", porque "a prestação de informações pelas pessoas em investigação é fundamental e o princípio da instrução processual é a busca da verdade".

O professor Lenio Streck, que concorda com a decisão de Moraes, afirmou não haver como comparar o caso de Bolsonaro com os precedentes de 2018, pois o ministro não determinou condução coercitiva. "As ADPFs só valem para quem se recusa a ir depor, mesmo depois de intimado", afirma.

Já Daniella Meggiolaro, especialista em Direito Penal, diz que Bolsonaro não precisa depor. Porém, ela afirma que Moraes não é obrigado a seguir precedentes do Supremo, porque a lei garante ao juiz liberdade para decidir com base nas informações apresentadas no processo.

"Institucionalmente, essa divergência é ruim. Mas o ministro está sendo coerente com o entendimento adotado anteriormente por ele", afirma. Ao citar os argumentos usados no passado pelo ministro, a advogada se refere justamente às decisões do STF em 2018.

Na ocasião, Moraes ficou vencido, juntamente com Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. E votaram a favor da limitação às conduções coercitivas: Gilmar Mendes (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Celso de Mello e Marco Aurélio - os dois últimos se aposentaram da corte e foram substituídos por Kassio Nunes Marques e André Mendonça, respectivamente.

Gustavo Badaró, advogado especializado em Direito processual Penal, também afirma que Bolsonaro não pode ser obrigado a depor. Mas ele ressalta que o precedente das ações julgadas há quatro anos deveria valer nesse caso, porque tratou de situação mais grave - que é a realização de condução coercitiva depois de investigado se recusar a comparecer.

"Não tem sentido obrigar alguém a ir a uma delegacia apenas para ficar calado. O STF defende eficácia e efetividade, mas qual a utilidade disso tudo [na investigação contra Bolsonaro]", afirma.

Direito ao silêncio

O criminalista Marcelo Feller destaca que a contradição da decisão está no fato de a lei garantir o direito ao silêncio, que pode ser estendido para o não comparecimento.

Antônio Carlos de Almeida Castro (o Kakay) também diz "não fazer sentido [o presidente] ser obrigado a comparecer", porque "tem o direito de não ir" por conta do direito ao silêncio. "Logo não caberia a condução coercitiva", opina o criminalista.

Alberto Zacharias Toron, advogado que atua na seara penal, defende que "o presidente não pode ser compelido a ir a um ato ao qual ele não quer comparecer". Ele explica ainda que Bolsonaro "sofre um constrangimento ilegal" com a determinação, cabendo, inclusive, apresentação de habeas corpus.

O advogado Bruno Salles Ribeiro, especializado em Direito Penal, vai na mesma linha. Ele diz que, apesar de a decisão de Moraes estar "bem fundamentada" e "dentro de uma interpretação válida", são inúmeros os casos em que juízes desmarcam depoimentos por conta do direito ao silêncio.

Leandro Raca, advogado que atua na área criminal, defende ser "necessário justificar a imprescindibilidade da presença do investigado ou réu ao interrogatório para obrigar o comparecimento". Também lembra que essa discussão já foi travada em algumas CPIs por causa de decisões contraditórias.

"Entendimentos conflitantes foram adotados em casos relacionados às comissões parlamentares de inquérito do BNDES, de Brumadinho e da Pandemia. É uma questão jurídica relevante para garantia dos direitos individuais, que deve ser decidida pelo STF, independente do nome na capa dos autos", afirma.

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