A ignorância digital persiste
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, demorou, mas cumpriu a decisão de mandar bloquear o acesso ao X (antigo Twitter) em todo o território nacional. A decisão foi tomada depois que o bilionário Elon Musk se recusou a apresentar novos representantes nos inquéritos a que responde no Brasil. A ordem, no entanto, repete a carga de ignorância digital do ministro.
Em 2022, por motivos semelhantes, Moraes determinou o bloqueio do acesso ao aplicativo de mensagens Telegram em todo o país. À época, atuando como ministro do Tribunal Superior Eleitoral, ele determinou que a rede fosse suspensa até que o fundador, Pavel Durov, indicasse um representante e abrisse um escritório da empresa no Brasil.
A decisão desta sexta-feira e a de 2022 guardam algumas semelhanças. A principal delas é que, em ambas as oportunidades, Moraes determinou o pagamento de multa a quem usasse as chamadas redes privadas virtuais (VPN, na sigla em inglês). Esse tipo de aplicação mascara a origem do acesso a páginas na internet e pode facilitar a visualização de conteúdos outrora proibidos. Em 2022, a multa era de 100 mil reais aos infratores e agora é de 50 mil reais.
A questão é que, pela própria natureza, a fiscalização em torno das VPNs é praticamente impossível. Portanto, ordens como a de Moraes são pouco eficazes. Mesmo em regimes ditatoriais, onde o acesso à internet é amplamente controlado, as redes privadas conseguem prover conteúdo proibido aos usuários.
Em um sentido mais estrito, o único jeito de fiscalizar de forma eficaz é analisando aparelho por aparelho – o que não vai acontecer. O resto é como secar gelo.
Para tentar driblar essa dificuldade, a decisão de Moraes foi além do mero bloqueio do X. Ele também mandou intimar o Google e a Apple para que as duas empresas apliquem medidas que dificultem o acesso dos usuários a ferramentas de VPN, inclusive citando algumas das empresas mais populares na área. Isso também é uma bobagem já que, principalmente nos equipamentos Android, é fácil instalar aplicativos que não estão disponíveis nas lojas oficiais do Google.
Histórico de problemas
Embora a decisão de Moraes, para alguns, pareça algo inesperado, ela decorre de um amplo histórico de descumprimento de decisões por parte do X, sobretudo depois que Elon Musk se tornou o principal acionista da plataforma. O bilionário aposta na livre disseminação de conteúdo na rede social, independentemente do tipo de crime que o usuário possa cometer.
A empresa, antes da aquisição por Musk, costumeiramente atendia às ordens judiciais e até participou de iniciativas do Poder Judiciário para o combate às notícias falsas nas últimas eleições. As medidas, em geral, foram mais paliativas do que eficazes, mas ocorreram.
Desde que Musk assumiu o controle, o X reativou contas que tinham sido bloqueadas por ordens judiciais. Em geral, tratavam-se de perfis ligados a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, cujos donos eram suspeitos de atividades criminosas e de participar das articulações da tentativa de golpe, em janeiro de 2023. Uma dessas contas bloqueadas era a do senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Musk considerou as ordens ilegais, por avaliar que as decisões de bloqueio feriam a liberdade de expressão. Ele também se irritou com as multas impostas pela Justiça em virtude do descumprimento das ordens, cujos valores somados passavam de alguns milhões de reais. Moraes também se irritou com as tentativas do X de se isentar de responsabilidade pelos conteúdos publicados na plataforma.
Em abril deste ano, ele iniciou uma série de ataques direcionados ao ministro Alexandre de Moraes, com o apoio de políticos de extrema-direita, muitos dos quais investigados por suposta participação nos atos golpistas. Por causa desses ataques, ele se tornou alvo do inquérito que tramita há cinco anos no STF, que apura a existência de milícias digitais na internet, suspeitas de atentarem contra a democracia, além de um inquérito próprio, pelas ameaças feitas ao ministro e ao próprio STF.
O inquérito das milícias digitais corre sob segredo de justiça desde a instauração e é alvo recorrente de críticas não só pela falta de transparência dos atos, como pela demora em se encerrar a investigação. A maior parte das ordens descumpridas por Musk e pelo X decorrem justamente dessa investigação.
No despacho desta sexta-feira, Moraes relembrou todo esse histórico e alegou que Musk desrespeita a "soberania brasileira e, em especial, ao Poder Judiciário, colocando-se como verdadeiro ente supranacional e imune às legislações de cada País". O ministro também citou outras investigações que ocorrem contra o X, na Austrália e na União Europeia, pela falta de moderação nos conteúdos publicados na plataforma. As críticas são, de fato, amplas e corroboradas até por ex-funcionários.
Moraes também lembrou que outras plataformas cumpriram as ordens judiciais de bloqueio de contas, sem afrontar o Judiciário. "Importante salientar, ainda, que as ordens de bloqueio emitidas para as empresas Google LLC (responsável pela rede social YouTube) e Meta Plataforma Inc (responsável pelas redes sociais Instagram e Facebook), foram devidamente cumpridas, dentro do prazo assinalado na decisão, em fiel observância ao ordenamento jurídico brasileiro", disse o ministro.
"Novamente, Elon Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos", afirmou Moraes.
Desde que foi intimado, Musk afirmou que não cumpriria a ordem de indicar um representante no Brasil e tampouco as demais determinações de Moraes.
Se não dá de um jeito, vai de outro
A decisão de Moraes foi tomada depois que Musk anunciou, no dia 17 de agosto, que fecharia toda a representação do X no Brasil. O bilionário alegou que Moraes havia ameaçado prender e confiscar os bens dos diretores da filial brasileira, caso as ordens judiciais continuassem a ser descumpridas.
Dessa forma, a empresa não teria mais que responder diretamente às leis nacionais, muito menos às ordens judiciais proferidas no país. A manobra foi vista por Moraes como uma tentativa de driblar a lei, mas o ministro acabou encontrando uma forma de punir o bilionário.
Para garantir o pagamento das multas, Moraes decidiu aplicar o conceito do "grupo econômico de fato" e passou a perseguir as contas da Starlink, a empresa de internet via satélite de Musk. O bilionário é dono de 40% das ações da holding, com sede nos Países Baixos, mas o ministro considerou que as duas empresas estão sob a liderança da mesma pessoa e determinou o bloqueio dos ativos nas contas bancárias.
Se nas contas do X o STF encontrou pouco mais de 2 milhões de reais, nas contas da Starlink o bloqueio ultrapassou o valor das multas já somadas. Assim, foi possível garantir que Musk pagasse de alguma forma as dívidas com a Justiça brasileira.
A manobra, ainda que amparada em jurisprudência citada pelo ministro, acabou gerando críticas no meio jurídico. Como Musk não é o dono de 100% das ações da Starlink, a medida acabou prejudicando os demais acionistas da empresa. Seria como se a Ambev tivesse que pagar pelo rombo das Lojas Americanas, por exemplo.
Em retaliação, a Starlink anunciou que continuará fornecendo o serviço de internet no Brasil aos clientes já cadastrados, mas de forma gratuita, até que consiga desbloquear os recursos e receber os pagamentos normalmente. A empresa já recorreu ao STF para tentar reverter a decisão.
Com apoio da PGR
A decisão de Moraes não foi tomada ao acaso. O ministro afirmou no texto que todas as ações e os reiterados descumprimentos por parte do X foram acompanhados de perto pela Procuradoria-Geral da República. O magistrado, inclusive, citou parecer da PGR, em que Paulo Gonet se diz favorável ao bloqueio da rede social.
"Ordem judicial pode ser passível de recurso, mas não de desataviado desprezo. O acatamento de comandos do Judiciário é um requisito essencial de civilidade e condição de possibilidade de um Estado de Direito", afirmou Gonet. No trecho, o PGR ainda reconhece a validade da intimação feita a Musk pelo próprio X, em uma postagem na conta oficial do STF.
A decisão de Moraes ainda é em caráter liminar. O ministro não determinou um prazo para eventual liberação do X. Embora já esteja valendo, ela deverá ser ratificada pelo plenário do STF, que poderá cassá-la ou mantê-la. O julgamento ainda não foi marcado pela corte. Há uma tendência pela manutenção da ordem, já que a corte tem demonstrado apoio às decisões de Moraes e desprezo pelos insultos de Musk.
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