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Mubadala? Que Mubadala?

Alisson Matos
Publicada em 16/08/2024 às 06:00
Occhi assessora empresa que tenta virar parceira da Caixa para cuidar de negócio milionário Foto: Alan Marques/ Folhapress

Uma negociação entre a Caixa Econômica Federal e uma empresa que tenta conquistar uma operação de microcrédito do banco estimada em meio bilhão de reais envolveu indevidamente o nome do Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi. A empresa - a única - que pleiteia o contrato de microcrédito chama-se Cactvs. O fundador dela, Fernando Passos, já foi acusado de manipulação de mercado e respondeu por suspeita de burlar documentos do Banco do Brasil. Procuradores nos Estados Unidos o denunciaram por fraudes de valores mobiliários.

Nas últimas cinco semanas, dois executivos da cúpula da Caixa que participam das tratativas com a Cactvs disseram, reservadamente e em ocasiões distintas ao Bastidor, que o Mubadala entrou na operação com a empresa associada a Fernando Passos. O fundo de Abu Dhabi, um dos mais ricos do planeta, seria sócio e uma espécie de fiador da Cactvs. A presença do Mubadala anularia preocupações evidentes com o nome da Cactvs e de Fernando Passos.

Ao Bastidor, contudo, o fundo foi categórico: afirmou oficialmente que “não tem nenhuma relação com essa empresa, a Cactvs, ou com a negociação em questão”. Em mais de uma oportunidade, negou qualquer tipo de associação.

Gilberto Occhi, ex-presidente da Caixa aliado ao PP, trabalha junto ao banco para que a Cactvs leve o contrato. Ele é o principal responsável pelas negociações, de acordo com funcionários do banco que tocam o projeto. Questionado pela reportagem sobre o uso do nome do Mubadala, disse apenas que não poderia falar, em razão de sigilo contratual. Pediu para que a Cactvs se manifestasse.

A Cactvs, por sua vez, limitou-se a dizer que não tem “a necessidade de apoio de investidores”. Não quis dar detalhes da participação de Occhi. Afirmou que as tratativas são feitas "pelas equipes técnicas exclusivamente pelo portal de Licitações da Caixa".

As negociações entre a Caixa e a Cactvs seguem em andamento.

Uma prioridade de Lula

A expansão da oferta de microcrédito é uma das apostas do governo Lula para a economia. Envolve diferentes ministérios. Por isso, o esforço para que a Caixa entre forte no setor. No ano passado, ainda sob o comando de Rita Serrano, o banco apresentou uma estratégia de Microcrédito Produtivo Orientado.

A modalidade consiste em disponibilizar empréstimos de valor mínimo de 100 mil reais, com prazo de pagamento de 48 meses e taxa de juros a partir de 0,69% ao mês. Além da liberação dos recursos, a categoria oferece acompanhamento e orientação para os beneficiários gerirem os seus negócios.

A Caixa se inspirou no modelo adotado no Banco do Nordeste, o BNB. O modelo é voltado para empreendedores individuais ou reunidos em grupos solidários, que atuam tanto no setor informal quanto no formal. Somente em 2023 foram aplicados 10,6 bilhões de reais pelo BNB em créditos. São mais de dois milhões de clientes.

Uma auditoria da CGU, porém, encontrou irregularidades. O órgão de fiscalização constatou que o programa beneficiou indevidamente servidores públicos e privilegiou alguns municípios em detrimento a outros na liberação de microcrédito.

Apesar das ressalvas da CGU, em março deste ano a Caixa publicou uma consulta pública. O edital dizia que as empresas interessadas em participar precisavam ter experiência nas operações em uma ou mais regiões do país. Apenas a Cactvs apresentou proposta. Com ela, veio Occhi e, em seguida, a promessa de que o Mubadala estaria no negócio.

O nome do fundo de Abu Dhabi passou a ter um peso extraordinário nas tratativas. Se numa operação tradicional já seria um nome para encerrar qualquer negociação, no caso da Cactvs tornou-se uma salvação. Afinal, o histórico da Cactvs não ajuda.

A empresa, que pertence formalmente à mulher de Fernando Passos, foi escolhida em 2021 pelo Banco do Nordeste justamente para operar uma carteira bilionária de microcrédito. O BNB, como é conhecido, decidiu cancelar o contrato após a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) concluir um processo administrativo em que acusou o fundador da Cactvs de manipulação de mercado quando ele dirigia o IRB Brasil, a maior empresa de resseguros do país.

Antes do IRB, Fernando Passos e sua esposa e sócia, Kelvia Carneiro de Linhares Fernandes Passos, fizeram carreira no BNB, onde mantinham influência. A ligação com o Banco do Nordeste é considerada importante pela experiência com microcrédito.

Após a proposta da Cactvs, a direção da Caixa montou um grupo de trabalho com quadros de várias áreas do banco para avaliar a “conveniência e oportunidade de se seguir em frente com modelo de negócios”.

A pressão por resultados

Uma fonte a par das negociações disse ao Bastidor que o processo tem sofrido atropelos para acelerar o acordo entre o banco público e a Cactvs. Oficialmente, a Caixa nega que haja pressão, mas admite que a avaliação está em andamento e assegura que seguirá os ritos de governança.

Um dos movimentos da direção do banco foi colocar recentemente Luiz Francisco Monteiro de Barros Neto na diretoria-executiva de Produtos de Varejo. Ele é ligado a Occhi. Em 2017, por exemplo, foi designado pelo então presidente da Caixa para o comando do banco Pan, com foco em operações de crédito.

O cargo que Luiz Francisco ocupa tem papel de destaque na viabilização do negócio com a Cactvs. Acima dele está o vice-presidente de Varejo, Adriano Assis Matias, que também participa da avaliação.

Para fechar um contrato com a Cactvs, a Caixa terá que superar dúvidas e desconfianças que ainda não foram esclarecidas. As reuniões do grupo de trabalho para discutir o tema ocorrem com pouca transparência ao ponto do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) pedir que o órgão de controle suspenda a parceria. A notícia foi publicada pela Folha de S.Paulo.

O Bastidor questionou a Caixa sobre o prazo para o fim da avaliação da proposta da Cactvs. Perguntou ainda o que exatamente é analisado pelo banco durante as discussões e qual a previsão de receita para a empresa parceira. A estatal só respondeu que não se manifesta sobre avaliação de operações em andamento.

Histórico negativo

Nos últimos anos, o Bastidor noticiou as acusações contra Fernando Passos e Kelvia Passos. Em um dos casos, eles foram investigados pela Polícia Civil de São Paulo por falsificação de documentos e uso de documento falso. Os policiais dizem que o casal tentou usar uma carta de fiança falsa para firmar um contrato com a operadora de cartões Elo.

O documento era atribuído ao Banco do Brasil e foi assinado por uma gerente que não tinha autorização para tal. O objetivo seria firmar um contrato entre a Cactvs e a Elo para que o banco pudesse usar a bandeira nos cartões de crédito e débito que oferece aos clientes. À polícia, Fernando Passos negou que tenha participado de qualquer fraude. Disse que as negociações entre a Cactvs e a Elo foram realizadas pelo departamento jurídico e que ele apenas assinou o que era necessário. A esposa afirmou que não participa das atividades diárias da instituição.

Fernando também foi alvo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos por uma acusação de fraude. Segundo a denúncia, ele mentiu a investidores ao afirmar que o fundo do bilionário Warren Buffett, o Berkshire Hathaway, havia comprado uma grande quantidade de ações do IRB Brasil Resseguros.

A irregularidade foi inicialmente identificada pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês). A promotoria diz que a fraude começou no final de fevereiro de 2020, quando uma empresa de análise de riscos apontou problemas na gestão da IRB Brasil, o que derrubou a cotação das ações da empresa. 

Segundo a promotoria norte-americana, Passos deliberadamente montou um plano para inventar a compra das ações por Buffett e divulgou as informações falsas na imprensa.

Além das acusações de crimes financeiros, a Cactvs também é alvo de centenas de processos trabalhistas. A empresa foi acusada, por exemplo, de não recolher o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e, em alguns casos, de nem sequer pagar os salários dos funcionários.

Desde 2022, após ser alvo da justiça, Passos tenta emplacar a Cactvs em planos de negócios que envolvem bancos públicos. Talvez seja melhor não contar com o Mubadala.

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