Google manipulou seu buscador para impor monopólio de mercado publicitário, acusam procuradores
Nos últimos doze anos, o Google abusou do poder de seu serviço de busca e de sua posição única no mercado para estabelecer um monopólio ilegal no negócio bilionário de anúncios digitais, acusam procuradores de Justiça de 16 Estados americanos num processo que corre em Nova York.
Todos os apontamentos, aos quais o Bastidor teve acesso com exclusividade no Brasil, são feitos a partir de documentos internos da empresa.
Em 2009, quando o Google entrou no mercado de anúncios online, o setor era mais diversificado, com atores disputando de forma menos desigual. Mas tudo mudou, segundo as autoridades dos Estados Unidos, desde que a empresa da Alphabet comprou a DoubleClick e passou atuar em três frentes existentes nesse mercado: vendedores, compradores e leilões.
O Google fornece ferramentas para "ajudar" sites que oferecem seus espaços publicitários, com base em informações coletadas de usuários que os acessam, junto aos anunciantes - que, por sua vez, também são "auxiliados" pela empresa para encontrar esses espaços. A empresa, além de cobrar taxas das duas pontas dessa relação, também exige que essas companhias usem suas plataformas de leilão de publicidade para dar seus lances.
A partir desse circuito fechado, afirmam os procuradores, que a Big Tech obliterou a concorrência e tornou-se o gigante atual. Primeiro, passou a se negar a direcionar os lances dados em suas plataformas por anunciantes para leilões que não organizados por ela.
Essa mudança é importante porque, no mercado de espaços publicitários online, esses compradores preferem apostar em diversos leilões para alcançar o maior número de pessoas possível ao mesmo tempo em que buscam o melhor preço. Com esse controle, mostram documentos internos do Google, a empresa passou a usar seus mais potentes servidores de anúncio para evitar que sites mudassem para a concorrência em busca de melhores condições.
"[O Google] bloqueou a competição em leilões que não o pertenciam sobre uma falsa premissa e impediu sites de acessarem e compartilharem informações sobre seus bancos de dados com plataformas de compra e venda fora de seu circuito", afirmam os procuradores.
A falsa premissa citada pelas autoridades foi a privacidade de todos os envolvidos nessas transações. "Mas o Google não liga para a privacidade dos usuários", afirmam as autoridades no processo - o Bastidor mostrou que a empresa tem acesso irrestrito (sem avisar os usuários) a conversas via WhastApp por conta dos backups feitos no Google Drive das informações trocadas no aplicativo e que a companhia conversou com seus adversários para impedir medidas de privacidade infantil.
Como solução para o entrave que ele mesmo criou, o Google passou a oferecer ao mercado um recurso chamado Alocação Dinâmica -um algoritmo que interliga compradores e vendedores conforme a conveniência de ambos. Pelo menos era assim que e a empresa informava seus clientes, além de lhes prometer altos lucros, para manter uma ligação que apenas o favorecia - o Bastidor também já noticiou que mudanças temporárias nas políticas anticoncorrenciais do Google aumentaram de 30% a 100% os valores recebidos por sites.
Com o passar do tempo, a empresa passou a sofrer pressão do mercado e das autoridades dos EUA - e o movimento antitruste espalhou-se pelo mundo, principalmente na Europa e no Japão. Até que, em 2016, a empresa retomou os redirecionamentos para leilões realizados fora de suas plataformas.
Mas o fez de maneira "controlada", "com o objetivo expresso de continuar excluindo e suprimindo a competição", afirmam as autoridades. Esse controle era feito limitando o fluxo de dados para outros servidores enquanto as máquinas da empresas usavam essas informações em seus leilões.
Esse modelo - que segundo os procuradores terminava "num cara ou coroa com vencedor previamente conhecido" - foi criado pelo Google à revelia das informações prestadas pela própria empresas à Federal Trade Comission e ao Congresso norte-americano. Em resumo, a companhia disse a esses órgãos que a compra da DoubleClick não afetaria o mercado.
Se não bastasse a confusão algorítmica para manter o mercado, o Google começou a controlar os preços usando "informação privilegiada", segundo as autoridades, e impedindo o registro de diferentes preços mínimos nos lances definidos pelos sites que oferecem espaços para anúncio.
A empresa afirmou aos sites que a medida iria beneficiá-los; apesar de, em mensagens internas, seus funcionários admitirem que a política era "extremamente egoísta" por beneficiar apenas o Google. Nessa mesma frente, o Google usava de desinformação para aumentar suas margens ao induzir as empresas a colocarem "preços cheios" nos leilões - seja na compra, seja na venda.
A atitude da companhia incomodou seus funcionários a tal ponto que um deles chegou a questionar, conforme mostram documentos apresentados no processo, se os “compradores não sabem que tomamos 15% de taxa". "Nunca tinha percebido isso", complementou essa pessoa que não foi identificada na ação. Outro trabalhador foi mais direto e disse que a política da empresa "não era transparente".
Ainda de acordo com os procuradores de Justiça, o apetite da empresa era tamanho que ela "manipulava os lances dados [pelos compradores de espaço publicitário] para maximizar seus lucros".
Essa manipulação ocorria por meio de mudanças no algoritmo do seu mecanismo de busca - repita-se: o maior do mercado - para punir sites que definiam os maiores preços mínimos nos leilões publicitários. "Isso fez com que o tráfego de pesquisa de alguns sites despencasse, com um deles perdendo metade do seu fluxo de usuários em um único dia", afirmam os procuradores de Justiça.
O Google sempre negou adotar tal prática, embora os documentos internos da empresa corroborem a argumentação dos procuradores.
Em nota ao Bastidor, o Google disse que o processo do qual é alvo é mentiroso: "O fato de o procurador-geral do Texas dizer uma coisa não torna esta alegação necessariamente verdadeira. Entendemos que o processo está repleto de imprecisões."
A empresa disse também que "há uma forte competição no mercado de publicidade online" e que suas "ferramentas de publicidade ajudam sites e aplicativos a financiar seus conteúdos e permitem que pequenos negócios alcancem seus clientes ao redor do mundo".
"Também temos sido claros sobre nosso apoio a regras de privacidade de forma consistente, em todo o mundo. Há anos, por exemplo, pedimos ao Congresso dos Estados Unidos que aprove uma legislação federal de privacidade de dados", finalizou o Google.
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