Reunião contra a jogatina
Uma reunião de rotina no final da tarde de hoje entre diretores do Banco Central e executivos dos maiores bancos do país deve abordar o assunto que, finalmente, ganhou a atenção de Brasília: o problema das bets.
A crise da jogatina digital não está na agenda da reunião, mas, dada a gravidade, relevância e urgência do tema, provavelmente será debatida, segundo partícipes do encontro.
Estarão reunidos o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao lado de diretores do órgão. Os CEOs Marcelo Noronha (Bradesco), Milton Maluhy (Itaú), Mario Leão (Santander) e André Esteves (BTG) participarão, assim como os presidentes da Febraban, Isaac Sidney, e da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Rodrigo Maia.
BC, bancões e as entidades do setor estão de acordo quanto à gravidade do problema da jogatina. Alguns chamam de “pandemia”; outros de “crise”. Chame-se como quiser: a jogatina digital, por meio da mistura tóxica entre publicidade irresponsável, apostas esportivas e cassinos online, invadiu o bolso de dezenas de milhões de brasileiros, notadamente os mais pobres.
Como o BC expôs, 5 milhões do 54 milhões de beneficiários do Bolsa-Família deram dinheiro às bets em agosto. O estudo do BC jogou luz num problema de difícil exame. Ao contrário do que dizem o lobby da jogatina, a turma do centrão e até funcionários do governo, não há como saber com exatidão quantos brasileiros caíram na jogatina e qual o impacto desse hábito na renda deles.
O presidente Lula já manifestou a interlocutores próximos sua preocupação com a jogatina. Deu ordem para que ministros ajudem numa solução. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sentiu o senso de urgência - a Secretaria de Prêmios e Apostas, área do governo que cuida das casas digitais de azar, fica sob responsabilidade dele.
Para haver uma solução, contudo, é necessário ter uma compreensão clara do problema. E, mesmo entre as autoridades que começaram a perceber o tamanho da encrenca, falta um entendimento mais profundo sobre o mercado da jogatina digital.
De ministros do Supremo a ministros do governo, passando pelo BC e os maiores bancos, ainda prevalece a ilusão de que é possível regulamentar as bets. Como o Bastidor mostrou, trata-se disso - de uma ilusão, vendida por anos pela indústria da jogatina, influenciadores, artistas, jogadores de futebol e políticos com interesses diretos no sucesso das bets. O slogan “jogo responsável” é um oxímoro.
Jogatina digital não se regulamenta. Combate-se. O problema, evidentemente, é que o Congresso aprovou uma lei que autorizou a baderna. E, após a inação do governo de Jair Bolsonaro, que favoreceu o crescimento desordenado das bets, o governo Lula regulamentou o setor, também em termos ainda favoráveis à jogatina.
Há um limite para o que pode ser feito por meio de portarias da Fazenda. O governo federal tomará nos próximos dias medidas para endurecer a fiscalização e a concessão de licenças. Serão ações necessárias, mas insuficientes, caso o objetivo seja atacar a raiz do problema.
Hoje, os brasileiros têm, na palma da mão, uma máquina de extração do dinheiro que eles têm - e do dinheiro que eles não têm.
A extração começa pela publicidade de influenciadores, podcasters, jogadores e artistas nos aplicativos das redes sociais. Há também a publicidade em veículos tradicionais e nos esportes. A publicidade empurra milhões para as plataformas das bets, onde o cliente é depenado.
Se Brasília vier a compreender a natureza e a extensão do problema, a solução adequada ficará mais nítida. De regulamentação a combate: é necessário proibir a jogatina digital, talvez por meio de medida liminar na ação no Supremo que questiona a constitucionalidade da lei da jogatina. O Congresso atual jamais agirá contra os interesses das casas de azar. Ao contrário: parlamentares, em sua maioria, querem acelerar e ampliar a jogatina.
Ainda que o Supremo proíba apenas cassinos e roletas como tigrinhos, aviãozinhos e congêneres, será uma vitória.
É um jogo contra o tempo. E o tempo corre velozmente em favor das casas de azar.
Leia também:
Bets: Anatel discute o que fazer
Governador é condenado por abuso de poder político na eleição municipal e pode ficar inelegível
Leia MaisPaulo Dantas prestigia livro de Humberto Martins, cujo genro decidirá o destino do governador
Leia MaisO contragolpe é seu
Campanha da Febraban busca conscientizar cidadãos para prevenir golpes financeiros.
Leia MaisAneel acumula 30 pedidos de vista até o começo de novembro, sem detalhar situação de cada um
Leia MaisAnatel e Fazenda firmam pacto para bloquear bets irregulares, mas não apontam ações práticas
Leia MaisPF prende Marcos Moura, rei do lixo na Bahia e amigo de ACM Neto, por desvios em emendas
Leia MaisCirurgia vai impulsionar discussões de cenários em que Lula não será candidato à reeleição
Leia MaisObras, voos atrasados e incidentes tornam o aeroporto de Congonhas um incômodo no fim do ano
Leia MaisGol lança plano de reestruturação em que pretende lançar novas ações no mercado para reduzir dívida.
Leia MaisPela segunda vez, Caixa escolhe empresa de acusado de manipular mercado para gerenciar microcrédito
Leia MaisAo rejeitar pedido da AGU, ministro mantém impasse entre governo e Congresso por emendas
Leia MaisPaulo Gonet contesta decisão de Dias Toffoli que arquivou ação de improbidade contra vice
Leia MaisDesembargador suspende licença para massa falida da Tinto recorrer à Justiça dos EUA contra JBS
Leia MaisPrograma do CNJ para ampliar a diversidade na magistratura beneficia servidores com salários altos
Leia MaisMovimentos públicos do banco contra dois de seus executivos têm lacunas que causam ruído no mercado
Leia MaisDepois de demitir diretor de marketing, banco acusa ex-CFO de desvios e gera crise com Santander
Leia Mais