Análise: em crise, Facebook deu resposta a reguladores mundiais ao apagar live de Bolsonaro

Brenno Grillo
Publicada em 25/10/2021 às 20:15
Mark Zuckerberg durante seu depoimento ao Senado dos EUA, em 2018 Foto: Reprodução/YouTube

O Facebook não apagou a live em que Jair Bolsonaro mentiu ao associar a vacinação contra a Covid com infecções pelo vírus da Aids apenas para combater fake news. O contexto em que se deu a decisão - pequena, no metaverso de Mark Zuckerbeg - é essencial para entender o que ela significa.

Desde que a ex-funcionária Frances Haugen decidiu denunciar à imprensa e ao Congresso americano as práticas empresariais do Facebook, o gigante enfrenta a pior crise de sua história. Haugen aliou seu sóbrio e técnico testemunho a milhares de documentos internos inéditos. Desse modo, iluminou com detalhes e dados aquilo que muitos reguladores já sabem: para lucrar, o Facebook manipula seus algoritmos sem considerar as consequências sociais, políticas e culturais de seu imenso poder. 

Os documentos revelados por Haugen confirmam que os algoritmos do Facebook estão otimizados para amplificar conteúdos sensacionalistas e repletos de ódio; é o tipo de conteúdo que mais gera engajamento - e, quanto mais engajamento de seus usuários, maior a chance de rentabilizar a atenção deles. Haugen, assim, expôs um problema existencial do Facebook: a disseminação de informações falsas ou propagandas alicerça o modelo de negócios do grupo. 

A mentira de Jair Bolsonaro apareceu na hora certa para que a companhia dê respostas a autoridades dos Estados Unidos e de outros países - todos atentos a práticas anticoncorrenciais e nos estragos causados por conteúdos que prejudicam pessoas, minorias e até países. pelos mentirosos que correm soltos na internet.

Embora o Facebook ainda tente se vender como uma plataforma neutra, o modo de funcionamento de seus algoritmos demonstra que a empresa escolhe o que impulsionar ou esconder - e, assim, torna-se um publisher, um veículo com preferências e critérios. Não se trata de uma simples utilidade pública, como uma companhia telefônica, no exemplo clássico.

Apesar de seus resultados financeiros continuarem animadores, o Facebook registra quedas constantes no número de usuários. Pessoas com até 29 anos têm ficado menos tempo na rede social, quando não deletam suas contas ou migram para outras plataformas. No caso de jovens até 17 anos a situação é ainda pior, pois muitos vão direto para outras redes sociais, como o TikTok, sem lembrar da existência de Mark Zuckerberg.

A extrema-direita, apesar de nociva, é um público importante para o Facebook. Veja o caso de Donald Trump. Ele foi suspenso da rede social até 2023 após deixar o Salão Oval e tenta agora criar (com chances quase nulas de sucesso) sua própria rede social - vale lembrar que não é só de programação que se faz uma plataforma dessas, mas de costumes inerentes ao ser humano.

No Brasil não é diferente. Com 10 milhões de seguidores, Jair Bolsonaro é, ao mesmo tempo, um problema e um ativo para a plataforma com 130 milhões de usuários no país, segundo levantamento divulgado em julho deste ano por We Are Social e HootSuite. As terras tupiniquins são o terceiro maior mercado da empresa, atrás apenas de Índia (270 milhões de contas ativas) e EUA (210 milhões).

E essa relação é forte. Bolsonaro precisa das redes sociais, principalmente o Facebook, para se comunicar com seus eleitores (que diminuem a cada pesquisa eleitoral) e o resto da população. O presidente tem péssima relação com a imprensa e pouca base política - o Centrão não pode ser contabilizado, pois qualquer candidato com chances reais de vitória pode levar o grupo num piscar de olhos. Ou de cliques.

Bolsonaro percebeu que sua situação está cada vez mais delicada e tem pedido aos seus seguidores que migrem para seu canal no Telegram, onde a fiscalização das mentiras é muito mais difícil. Se dará certo, não sabemos, mas essa é a única saída para Jair.

Há ainda o fator Steve Bannon - expoente de um movimento global que trava uma cruzada contra os direitos fundamentais sob a expressão de "esquerda global". O ex-estrategista de Trump, acusado de fraude nos EUA, vê em Bolsonaro um ativo mais ao sul do globo para sua "causa". 

Mas ele está cada vez mais isolado dentro de seu grupo reacionário. Foi banido do Youtube em janeiro deste ano, pouco antes das sanções das mídias sociais contra Trump. Voltando ao Brasil, a situação de Bolsonaro nas próximas eleições será muito pior do que a de Trump em eventual nova candidatura à Casa Branca, pois ele ainda tem espaço na Fox News e em novas redes de TV.

Já Bolsonaro, além de não ter uma emissora alinhada ideologicamente, enfrenta no STF problemas com suas práticas nas redes sociais. Alexandre de Moraes aperta cada vez mais o cerco enquanto o bolsonarismo pena para encontrar uma saída. Dois exemplos são a ordem de prisão contra Allan dos Santos, que perdeu o Terça-Livre, e a PF monitorando a vinda de Jason Miller - criador da Gettr, rede social que tenta tornar-se abrigo da direita trumpista - ao Brasil, neste ano.

O Facebook de 2022 não será o mesmo que Bolsonaro surfou em 2018. E esse fato pode ser decisivo nas eleições do próximo ano.

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