A vez da J&F
A J&F, holding dos irmãos Batista, negocia um acordo de leniência com a Controladoria-Geral da União, segundo fontes a par das tratativas. É um novo movimento deles para não pagar os 10,3 bilhões de reais previstos no acordo fechado com o Ministério Público Federal há sete anos.
No acordo de 2017 com o MPF, a J&F se comprometeu a pagar os 10,3 bilhões de reais no decorrer de 25 anos, além de entregar provas de corrupção e lavagem de dinheiro nas investigações das operações Greenfield, Sepsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca. Derrubaram o mercado. E quase derrubaram Michel Temer da Presidência da República.
Desde o começo, os irmãos Batista não queriam pagar os valores acertados. Ainda em 2017, a PGR rescindiu o acordo por considerar que eles omitiram fatos graves na delação. Mas, apesar de reiterados pedidos dos procuradores e da prisão dos irmãos, o ministro Edson Fachin não homologou essa decisão. Em 2021, Augusto Aras reverteu a posição da PGR e "repactuou" sigilosamente os acordos dos irmãos.
Faltava resolver a multa de 10,3 bilhões. Numa saga rumorosa e repleta de controvérsias em processos administrativos na PGR, a J&F quase conseguiu derrubar os valores no final da gestão Aras.
Em dezembro do ano passado, a J&F foi ao Supremo e obteve uma vitória parcial. Francisco Assis, diretor jurídico da holding, obteve junto ao ministro Dias Toffoli a suspensão dos pagamentos da multa. O magistrado concordou com as alegações da J&F, que pedia a suspensão da leniência para que os termos fossem revisados.
A empresa pediu para Toffoli compartilhar as provas da Operação Spoofing, que demonstrou indícios de proximidade entre os procuradores da Operação Lava Jato com o então juiz Sergio Moro. Para a J&F, o acesso às mensagens obtidas por hackers nos celulares de procuradores apontaria vícios que levaram à deflagração de operações contra a companhia de Wesley e Joesley Batista.
O pedido foi feito, e acolhido, apesar de as investigações contra os irmãos Batista correrem em Brasília e nunca terem passado por Curitiba.
Na decisão, Toffoli usou os mesmos argumentos que o fizeram anular as provas obtidas pela Lava Jato nos acordos de delação e leniência da Odebrecht. Para o ministro, há indícios de que o acordo da J&F foi firmado sem observar a voluntariedade da empresa. Ele não apontou quais seriam esses indícios. A advogada Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli, representa os irmãos Batista em outro processo.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, em fevereiro de 2024, recorreu da decisão. Argumentou que não existe relação entre a ação que analisa o acesso às mensagens da Operação Spoofing e a demanda apresentada pela J&F. O PGR afirmou que os casos de corrupção da Lava Jato eram, principalmente, de desvios relacionados à empresas de engenharia ou ligadas ao setor de petróleo e gás. Lembrou que a J&F foi envolvida em outra investigação, da operação Greenfield, de corrupção em fundos de pensão.
Gonet disse ainda que o único objetivo da manobra da J&F é escapar do pagamento da multa bilionária, com a qual os próprios executivos concordaram. Por essas razões, ele defendeu que o caso fosse reavaliado e até mesmo rejeitado - se não por Toffoli, pelo plenário do STF. O movimento da PGR colocou em risco, portanto, a suspensão da multa de 10 bilhões.
No mesmo momento, também em fevereiro, numa linha paralela de ação no Supremo, a J&F até tentou fazer parte do grupo de empresas que renegociaram com a CGU e a AGU (Advocacia-Geral da União) os termos dos acordos de leniência firmados na Lava Jato, num processo relatado pelo ministro André Mendonça. Mas ficou de fora.
O processo relatado por Mendonça decorre de uma ação levada ao Supremo por partidos de esquerda em março de 2023. Um dos advogados que assinam a peça é Walfrido Warde, um dos principais conselheiros jurídicos da J&F. Na petição inicial, a holding é citada para contestar um suposto acordo entre o MPF e a Transparência Internacional sobre a destinação de parte do dinheiro proveniente das multas.
As legendas disseram que os pactos foram celebrados antes do Acordo de Cooperação Técnica (ACT), em 2020, que sistematiza regras para o procedimento. Alegararam ainda que houve ilicitudes, como coação, abuso na identificação da base de cálculo das multas e a inclusão de fatos que posteriormente não foram qualificados como ilícitos. Acrescentaram uma suposta atuação abusiva do MPF, o que teria ocasionado graves distorções na parte pecuniária.
Em fevereiro deste ano, Mendonça convocou uma audiência de conciliação entre empreiteiras, CGU e AGU para debater os termos dos acordos celebrados entre os órgãos federais e empresas. O MPF e o TCU também foram convidados.
A situação dos irmãos Batista, no entanto, não se assemelhava à das construtoras. Além de não ter firmado nenhum acordo com a CGU, a holding não enfrentava nenhuma "baixa na capacidade de pagamento", como alegaram as construtoras, o que a fez não ser convidada para a renegociação pelo órgão.
O objetivo agora é negociar com a CGU valores menores para, na sequência, contestar o tamanho da multa aplicada pelo MPF. Quem está à frente das tratativas é o advogado Igor Tamasauskas. A expectativa é que isso leve alguns meses.
Se a iniciativa prosperar, a J&F pode, em tese, acertar valores mais modestos e condições de pagamento mais vantajosas, com uso de prejuízos fiscais, créditos tributários e outros instrumentos para abater passivos - isso caso venha a pagar o que for acordado. Mesmo que um eventual acordo com a CGU não contemple essas possibilidades, nada impede que os Batista obtenham vitórias judiciais que modifiquem o teor do negócio.
O objetivo estratégico da J&F segue inalterado: não pagar qualquer multa ou ressarcimento pelos fatos descobertos pelo MPF e pela Polícia Federal - fatos reconhecidos pelo grupo e por seus executivos. Em Brasília, ainda mais após o retorno de Lula ao Planalto, não falta boa vontade para atender aos desejos dos irmãos Batista.
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