Cassinos disfarçados
A Lei das Bets liberou o funcionamento de sites de apostas e o próximo passo do lobby do jogo é aprovar no Senado, no ano que vem, um projeto que legaliza o funcionamento de casas de apostas físicas, como cassinos e bingos. Mas o Paraná se adiantou. Um cruzamento entre as duas coisas funciona em dois endereços de Curitiba, com autorizaçção do governo estadual, com base numa interpretação livre da legislação em vigor.
No fim de outubro, a empresa Apostou.com abriu duas casas de apostas na cidade, uma sala no bairro Bacacheri e outra num bar no bairro São Francisco. Ambos os ambientes possuem máquinas que se parecem com caça-níqueis e funcionam como caça-níqueis: o apostador aperta um botão e espera que o mesmo desenho se repita entre quatro quadrados, para ser premiado.
Anúncios do local circulam em redes sociais, mostrando os aparelhos em funcionamento, com uma interface semelhante à do jogo do Tigrinho, que virou uma febre no país e mobiliza o governo, preocupado com os efeitos do avanço desordenado das apostas no país.
A empresa obteve licença no estado do Paraná para operar tanto apostas online, quanto loterias instantâneas, conhecidas como raspadinhas e chamadas localmente de "raspinhas". A partir daí houve uma interpretação livre da lei para unir as duas coisas e abrir locais físicos onde pode-se apostar.
O diretor de operações da Lottopar, Fábio Veiga, afirma que trata-se de locais onde as pessoas apostam nas raspinhas - só que não em papel, mas nas máquinas. Questionado pelo Bastidor sobre o fato de não serem permitidas casas para apostas físicas, Veiga afirma que a Lottopar se baseou em um decreto do governo Temer, que disciplina as loterias instantâneas. Mas o texto nada diz sobre espaços físicos para essas loterias, muito menos feitas em máquinas e na forma de jogos eletrônicos.
"Existe um decreto federal que permite que a loteria instantânea seja operada de forma física ou virtual. Então, eles operam loteria instantânea, via videoloteria. É um sorteio aleatório de números finitos e prêmios predefinidos. É a mesma raspadinha física que o concessionário diz que vai imprimir 1 milhão de rapadinhas e, dessas, 257 mil estarão premiadas. A aleatoriedade está em escolher um bilhete premiado ou não", diz.
Veiga garante que a Apostou.com informa ao governo previamente uma porcentagem de prêmios relacionada ao número de apostas. A legislação local obriga que as empresas devem pagar, no mínimo, 60% da arrecadação aos usuários.
No site da Apostou.com, a empresa explica que as apostas são feitas por pix, sem dinheiro físico envolvido. Os resultados de cada jogo são predefinidos e para usar os equipamentos é preciso fazer um depósito prévio, que poderá ser resgatado se o apostador ganhar alguma coisa.
Limbo jurídico
Além da interpretação para lá de livre de um decreto do governo Temer, a Apostou.com é mais um caso do limbo jurídico criado pela lei das bets e aproveitado pelas loterias estaduais. A empresa é uma das bets autorizadas a funcionar pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda. Sua página tem licença de operação exclusivamente no Paraná, mas pode ser acessada em todo o país.
A Lei das Bets impede que uma empresa com licença em determinado estado possa operar em outros. Para os paranaenses, a página obedece a legislação local, inclusive colocando no endereço de acesso o prefixo "pr.", obrigatório segundo a Lottopar. Mas, como o Bastidor já mostrou, não há forma de bloquear o acesso.
Os apostadores de outros estados podem acessar o site do mesmo jeito. A única diferença na interface gráfica está no pé da página principal: para os paranaenses, consta o registro da empresa junto à Lottopar; aos demais há um aviso de que a empresa é registrada em Curaçao, paraíso fiscal no Caribe – o mesmo de várias bets, inclusive as que estão sob suspeita de irregularidade.
Na lista de empresas autorizadas pela SPA, a BetBR Loterias, nome do grupo que controla a Apostou.com, está liberada para funcionar também com os nomes b1.bet e BRBet. Há inclusive um CNPJ registrado no Brasil, embora os sites indiquem que a empresa esteja sediada em Curaçao.
Veiga diz que, apesar de a legislação federal proibir a liberação das empresas em outros estados, não há nada que o governo paranaense possa fazer para impedir o crescimento da Apostou.com. Segundo ele, essa atribuição deveria ficar a cargo da SPA.
Donos investigados
A Apostou.com possui ao menos dois CNPJs registrados no Brasil: um no Paraná, para cumprir a legislação local, e outro de Campina Grande, na Paraíba. O segundo é o da BetBR, registrada na Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.
As empresas têm entre os sócios Ítalo Tavares de Moura e Djalma Junior dos Santos. Segundo informações da CPI das Bets no Senado, eles são investigados pela Policia Civil de Pernambuco, em um esquema de lavagem de dinheiro que envolve empresas de software, influenciadores digitais e casas de apostas online.
Eles fariam parte do esquema por meio da ST Soft, empresa de softwares que consta como sócia em ambos os CNPJs da Apostou.com. A dupla Moura e Santos foi convocada para prestar esclarecimentos ao Senado, mas seus depoimentos ainda não ocorreram.
A investigação que os atinge é a mesma que, em setembro, levou à prisão uma série de influenciadores, como a advogada Deolane Bezerra, e tinha entre os alvos o cantor Gusttavo Lima, que conseguiu evitar uma temporada na cadeia.
Na BetBR também constam como sócios o advogado João Rachid da Motta, o administrador Ferdinando Marcus Fiche, a advogada Marla Georgia Palma e Rogério Saraiva, dono de uma agência de marketing em Curitiba.
O Bastidor procurou a SPA, por meio do Ministério da Fazenda, para comentar a situação da Apostou.com, mas não houve resposta. A empresa também foi procurada para falar sobre o sistema de apostas em Curitiba e as suspeitas sobre os principais acionistas, mas também não houve retorno.
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