Opinião: Moraes, Bolsonaro e a fumaça do bom combate

Diego Escosteguy
Publicada em 28/01/2022 às 17:43
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro curtem uma briga. O primeiro pratica seu pugilato inquisitório com luvas da Suprema Corte; o segundo, com a chave inglesa da Presidência da República. Seria escaramuça, não apanhasse junto o Estado Democrático de Direito.

A mais recente refrega entre ambos é exemplo perfeito. Contenda inútil, explica-se pela política, não pelo Direito. Os egos parecem duelar pela atenção da plateia, indiferentes às leis e às normas de civilidade republicana.

Bolsonaro aceitara depor num dos inquéritos tocados por Moraes - no caso, aquele que apura a responsabilidade do presidente na divulgação alegadamente ilegal de investigação da PF acerca de ataques hacker no TSE. A gênese desse inquérito é problemática. Trata-se de uma investigação simples, com alto viés político. Visa a enquadrar o presidente.

O presidente pediu mais prazo, e o ministro aceitou. Na quarta, Bolsonaro, sempre por meio da AGU, disse que mudara de posição: não aceitaria mais depor. Ancorava sua decisão em precedentes do Supremo e na sua interpretação da Constituição. (A participação da AGU na defesa do presidente em crimes comuns é questionável, embora seja questão pouco debatida.)

Tudo pode ser discutido no Direito, especialmente no Brasil de 2022. Mas é difícil ignorar a força da ADPF 395 e de seu acórdão, redigido pelo ministro Gilmar Mendes. Nela, em 2018, o Supremo decidiu que conduções coercitivas para fins de interrogatório são inconstitucionais. Era uma reação à Lava Jato.

Para chegar a esse entendimento, Gilmar e a maioria deram peso ao direito à não autoincriminação - a de não se poder constranger alguém a produzir provas contra si. A etapa lógica posterior era a proteção ao direito ao silêncio. Em seguida, vinha o direito consequente à ausência. Ou seja, o direito do investigado de não participar de um interrogatório, "tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato", como registra o acórdão.

Pode-se argumentar que esse caso restringia-se a conduções coercitivas, mas é preciso ignorar a construção jurídica e lógica que levou o Supremo a considerar inconstitucional o trecho em questão do Código de Processo Penal. É preciso deixar de lado, ainda, o acúmulo de casos no tribunal que privilegiaram o direito à não autoincriminação. A ADPF decorre desse acúmulo. Que prossegue, apesar de divergências ocasionais.

Moraes foi um dos votos vencidos nesse julgamento. E, ontem (quinta), ao analisar o pedido de Bolsonaro para não depor, citou tangencialmente a ADPF 395. Mencionou apenas que se veda a condução coercitiva nos casos "de recusa injustificada de comparecimento por parte do investigado". É leitura bem particular, quiçá seletiva, do acórdão.

Em mais uma decisão controversa, o ministro determinou, ainda ontem, que Bolsonaro deveria depor presencialmente hoje (sexta) à PF, no começo da tarde. Nas nove páginas de sua decisão, não apontou os fundamentos legais de sua determinação. Discorreu sobre o direito à não autoincriminação. Mas não enfrentou os argumentos da AGU e os precedentes do Supremo.

Moraes caíra - mais uma vez - na provocação de Bolsonaro. Do ponto de vista prático e mesmo jurídico, o depoimento presencial não faria diferença. O presidente poderia permanecer em silêncio. Era um movimento político e estratégico. Interessa a Bolsonaro o atrito constante com o Supremo, especialmente com Moraes. Mobiliza a base dele.

Bolsonaro fez o que queria: dar uma pancada em Moraes - desmoralizá-lo. Decidiu não comparecer ao depoimento. Descumpriu uma ordem judicial da Suprema Corte. Pode, em tese, ser enquadrado em crime de responsabilidade. É passível de impeachment, portanto. Algo que, todos sabem, não acontecerá. Arthur Lira é aliado dele - e nenhuma força política relevante quer o impeachment de Bolsonaro. (Vale lembrar que Bolsonaro, por sua vez, chegou a pedir no ano passado o impeachment de Moraes; Pacheco engavetou o pedido.)

Não haverá consequências em termos criminais; o procurador-Geral da República, Augusto Aras, não oferecerá denúncia contra o presidente nesse caso, nem por crime de desobediência. Sem a denúncia, não há como Moraes tornar, sozinho, um inquérito numa ação penal. Isso, aliás, dependeria também da Câmara dos Deputados.

Bolsonaro deu perdido no depoimento e, ato contínuo, Moraes negou um recurso (agravo) da AGU - nem tomou conhecimento dele. Ao menos até o fim da tarde de hoje, sexta, não havia outro desdobramento à vista; a maioria dos ministros não queria que o caso fosse levado a plenário, o que dependeria de outro recurso da AGU.

Bolsonaro e Moraes brigam porque há ringue - porque prevalece uma degradação institucional grave em Brasília, embora muitos na capital tentem manter as aparências. A cada combate, sobram feridas que, por ora, não cicatrizam no Estado Democrático de Direito. São difíceis de enxergar. Mas, como ensina a História, ignorá-las pode revelar-se fatal a um regime democrático.

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