O saldão da Laginha

Redação
Publicada em 28/10/2024 às 20:47
Decisão atinge também uma decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do STF Foto: Gabriela Biló/Folhapress

O juiz Helestron Silva da Costa, da comissão de magistrados responsáveis pelo processo de falência da usina Laginha, parece determinado a promover uma liquidação dos ativos da usina, apesar do parecer contrário do Ministério Público e de frentes judiciais que recomendam cautela. A comissão negou o pedido do MP, e manteve a assembléia-geral de credores, marcada para quarta-feira (30).

Entre os objetivos da assembleia está aprovar o plano de venda de ativos proposto pela nova administradora judicial e analisar propostas de credores. Entre essas propostas, destaca-se uma que repassa 45% do valor dos precatórios relacionados à fixação de preços no setor sucroalcooleiro em nome da massa falida aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) Pearl e PCGBrasil Multicarteira. O valor dos precatórios é estimado em 3,8 bilhões de reais.

À primeira vista, essa liquidação dos ativos da Laginha não deveria ocorrer. Em junho, o ministro Kassio Nunes Marques, em uma decisão inédita, determinou a concentração dos recursos relativos à falência no Supremo Tribunal Federal, com o argumento de que, como mais da metade dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas já se declararam suspeitos ou impedidos de julgar os processos da massa falida ao longo dos anos, o tribunal estadual não seria o foro competente para esses julgamentos.

Assim, os desembargadores do TJ de Alagoas ficaram impedidos de decidir sobre a falência, cabendo essa responsabilidade ao STF. Kassio, porém, limitou-se a conceder uma liminar, sem resolução definitiva, e deliberações sobre o que fazer no processamento da falência têm se acumulado em seu gabinete.

Ao invés de aguardar uma decisão final do Supremo, a nova comissão acelerou o processo: revogou a decisão que suspendia a cessão de crédito aos fundos por suspeita de simulação do TJAL, propôs um novo plano para venda de ativos e marcou a assembleia-geral de credores. Conforme noticiou o Bastidor, o administrador judicial articulou para que uma empresa de sua propriedade fosse beneficiada com a venda de ativos.

Com o TJAL impedido de atuar por Kassio, a comissão age livremente, o que pode ser interessante aos fundos. Prova disso é que eles apresentaram um "novo termo" de cessão de créditos, no qual se comprometem em abrir mão das ações contra a Laginha em caso de recebimento dos 45% dos precatórios bilionários. O FIDC Pearl também repassaria para Massa Falida - ou diretamente para o fisco - cerca de 131,8 milhões de reais, referente a dívidas ativas inscritas da Laginha, conforme acordo firmado com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em 2022. Esse acordo foi contestado pelo ex-administrador Judicial da Laginha Igor Telino, pois não teve a participação da Massa Falida. Telino foi afastado pela junta de juízes em junho.

A nova comissão de magistrados ignora não apenas o trâmite no STF, mas também as discussões em andamento no Superior Tribunal de Justiça envolvendo a Laginha. Em um recurso sob relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, o FIDC Pearl, representado pelo escritório Bermudes, pede a liberação dos valores dos precatórios, suspensa pelo TJAL em razão da suspeita de simulação. Também quer que recursos de precatórios já enviados a Alagoas voltem à Justiça Federal de Brasília, onde tramitam os processos desses créditos. Insiste para que o caso seja deslocado de Alagoas para São Paulo, local em que o termo de cessão foi fechado. Ainda não há qualquer decisão no STJ sobre o caso.

Em meio ao tumulto processual, a massa falida ainda detém uma liminar que lhe garante o direito de receber integralmente os valores dos precatórios bilionários e segue lutando no STJ para manter esse benefício. Apesar disso, os novos juízes da comissão, desconsiderando a cautela recomendada pelo MP, seguem atuando sem levar esses fatos em conta.

Apuração e reportagem de Alisson Matos e Karen Couto.

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