O "jeitinho" Bolsonaro

Karen Couto
Publicada em 15/07/2024 às 20:54
Alexandre Ramagem chefiou a Abin no governo Bolsonaro Foto: Reprodução

Graças a uma gravação feita clandestinamente pelo então diretor da Abin e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem, a Polícia Federal obteve uma evidência de que Jair Bolsonaro usou a estrutura do governo para tentar sabotar uma investigação sobre um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro.

A gravação consta da investigação sobre o uso da Abin para uso privado de Bolsonaro. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, levantou o sigilo do áudio nesta segunda-feira (15). Segundo relatório da Polícia Federal, o esquema, que durou de 2019 a 2022, monitorou adversários e municiou perfis nas redes sociais para atacar políticos, ministros do Supremo, ativistas e jornalistas.

No dia 25 de agosto de 2020, Bolsonaro reuniu as advogadas de Flávio, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e Ramagem, então diretor da Abin, subordinado a Heleno.

Sem que ninguém soubesse, Ramagem, delegado da Polícia Federal, gravava o encontro que discutiu a possibilidade de utilizar o Gabinete de Segurança Institucional para obter provas que anulassem a operação "Furna da Onça", que investiga a prática de rachadinhas no gabinete de Flávio quando era deputado estadual no Rio.

As advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach defenderam no encontro que a melhor estratégia para o caso de Flávio era provar que a investigação que produziu o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) era irregular. Para isso, era necessário obter uma prova.

As duas foram persuasivas. Disseram a Bolsonaro que havia um complô da Receita e do Ministério Público, aparelhados pelo PT, para pegar Flávio. Queriam que a Abin obtivesse dados dos sistemas da Receita para dizer que os auditores teriam obtido os dados sem autorização. “Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá", disse Luciana Pires. A ideia era buscar algo que pudesse anular as investigações.

Por estar gravando a conversa, Alexandre Ramagem tentou dissuadir a dupla da ideia. Como uma espécie de consultor jurídico, explicou que não seria possível obter os dados e alertou para os riscos.

Jair Bolsonaro disse ser o caso de falar diretamente com o secretário da Receita à época, José Tostes, e com o chefe do Serpro (estatal de processamento de dados do governo), Gustavo Canuto. Ao final, o presidente assumiu a responsabilidade de ele mesmo fazer isso.

Em seguida, o General Heleno demonstrou preocupação com o possível vazamento do plano. "Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar gente de confiança dele [Canuto]. Se vazar [inaudível]".

Bolsonaro concorda. "Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém", disse o ex-presidente.

Ministro Witzel

Na conversa, Bolsonaro afirmou que o ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, prometeu resolver a investigação sobre a rachadinha em troca de uma vaga no STF. "No ano passado, no meio do ano, encontrei com o [Wilson] Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. 'Me dá uma vaga no Supremo'", disse o ex-presidente, que complementou: "então, você sabe o que que vale você ter um ministro irmão teu no Supremo".

Antes de Bolsonaro seguir para outra agenda, fez uma recomendação: "[inaudível] Nenhuma pessoa aqui fez qualquer conversa pra vamo dar um jeitinho. Nada, nada, nada". Heleno concordou, "não tem essa conversa". A advogada Luciana Pires finalizou: "o diabo sabe o que a gente faz".

Leia a transcrição do áudio e a decisão que levantou o sigilo

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