Exclusivo

Pela metade

Alisson Matos
Publicada em 03/05/2024 às 06:00
Desde o início do governo Lula, empreiteiras do cartel descoberto na operação Lava Jato resolveram deixar de pagar suas multas Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Advogados das empreiteiras que negociam com o governo termos mais vantajosos para os acordos de leniência firmados na Lava Jato acreditam que conseguirão derrubar pela metade os valores devidos. A redução expressiva das multas, segundo os líderes das tratativas, advém da "reclassificação" dos fatos narrados pelas empresas nos acordos. Em vez de apontarem crimes contra a administração pública, como corrupção, os atos serão "reinterpretados" como ilícitos eleitorais, se tanto.

Desde o início do governo Lula, empreiteiras do cartel descoberto na operação Lava Jato resolveram deixar de pagar suas multas e passaram a pleitear a "revisão" das condições de pagamento. As dívidas ultrapassam os 7 bilhões de reais.

Ao todo, segundo dados obtidos pelo Bastidor em novembro de 2023, seis construtoras têm parcelas em atraso nos acordos de leniência: OAS, Nova Participações (ex-Engevix), Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Novonor (ex-Odebrecht) e UTC.

Na superfície, a nova interpretação permite justificar a queda das multas sem comprometer a validade dos acordos. Como o Supremo, nos últimos anos, transformou propina (corrupção) prometida ou paga durante as eleições em caixa 2 (ilícito eleitoral), remetendo boa parte das investigações criminais à Justiça Eleitoral, a Controladoria-Geral da União estaria apenas se adequando a um entendimento já consolidado nos tribunais. Ilícitos eleitorais são mais brandos do que atos de corrupção, de modo que as multas também são menores.

A tese facilita a vida de todas as partes. O governo Lula, por meio da CGU, não precisa enfrentar o fato de que os acordos de leniência não foram eficazes - de que não produziram resultados nas investigações que ajudariam a instruir, o que deveria acarretar a rescisão deles e a retomada dos processos. O ganho das empreiteiras é evidente: receberam há anos todos os benefícios de acordos processualmente estéreis, não pagaram o que deviam e, agora, conseguirão reduzir substancialmente valores que serão quitados, se muito, e sabe-se lá quando, com prejuízos fiscais.

A falta de efetividade dos acordos de leniência não é sequer objeto de discussão. Debate-se somente as multas, como se fossem meras dívidas de empresas com a União. Obedecendo a essa lógica, recentemente o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido da AGU (Advocacia-Geral da União) e deu mais 60 dias para que os órgãos de controle cheguem a um consenso com as companhias em relação às multas impostas a elas.

"Se o governo quer receber, ele vai ter que renegociar", diz um dos principais advogados que participam das tratativas. O otimismo é tamanho que os advogados que não veem necessidade de o STF conceder um prazo maior para a construção de um entendimento.

Nas reuniões entre os advogados e representantes da AGU, CGU, MPF (Ministério Público Federal) e TCU (Tribunal de Contas da União), as partes discutem agora o “reperfilamento da dívida”.

Entenda-se “reperfilamento da dívida” como maior prazo para pagar e diminuição do valor das multas. O governo já acatou o argumento das empresas de que hoje elas não têm mais condição de arcar com as dívidas.

A "reclassificação dos delitos", de acordo com envolvidos, está sendo feita. A decisão estratégica já está tomada. Agora resta a execução operacional dos acertos. De acordo com um advogado, o atraso e a necessidade de mais tempo para renegociar se devem ao número baixo de técnicos da CGU envolvidos na operação.

A revelação de que o escritório do ministro Vinicius Carvalho, da CGU, tem como cliente a Novonor também contribuiu para o cenário. Formalmente, a CGU e a AGU diziam que as renegociações com as empreiteiras não envolveriam qualquer redução de valores devidos. Desde o começo, as tratativas são conduzidas em sigilo e com extrema discrição. Nenhuma das partes quer esse assunto na luz da opinião pública.

Em nota, a CGU negou que "haverá redução das multas administrativas previstas no acordo de leniência" e que "negocia a reclassificação dos fatos narrados pelas empresas nos acordos". Leia o posicionamento na íntegra:

A Controladoria-Geral da União (CGU) informa que as negociações para conciliação com as empresas que se habilitaram na ADPF 1051 estão sendo conduzidas conforme as seguintes premissas: 

a) Existência de previsão normativa para repactuação de acordos de leniência, conforme art. 54 do Decreto nº 11.129/2022; 

b) Reconhecimento por parte das empresas interessadas que os acordos de leniência, em sua origem, foram celebrados sem qualquer tipo de coerção por parte das autoridades da CGU e a AGU; 

c) Impossibilidade de revisão do conteúdo das colaborações apresentadas pelas empresas à época da celebração dos acordos; e 

d) Adimplemento dos requisitos de colaboração e implementação das medidas de aprimoramento de integridade estabelecidas nos acordos de leniência.

 Assim, as equipes técnicas da CGU e da AGU - responsáveis pela condução da negociação – têm apresentado as seguintes propostas às empresas: 

a) Renegociação do perfil de pagamento (parcelamento), precedido de análise técnica da capacidade financeira das empresas interessadas, sem redução de valores acordados;

b) Utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL, nos termos do art. 11, inciso IV, da Lei nº 13.988/2020;

 c) Mudança na metodologia de cálculo da atualização do acordo (Selic capitalizada para Selic acumulada mensalmente), conforme previsto no art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021; e 

d) Isenção condicional da multa moratória incidente sobre as parcelas vencidas.

 Todas essas condições foram inclusive informadas ao Ministro-Relator da ADPF 1051, conforme OFÍCIO Nº 6141/2024/SIPRI/CGU, de 25 de abril de 2024.

 Desta forma, não procedem as informações de que haverá redução das multas administrativas previstas no acordo de leniência, e de que se negocia a ‘reclassificação’ dos fatos narrados pelas empresas nos acordos, pontos que foram rechaçados pela CGU desde o início da negociação. 

O uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido não representa uma redução ou desconto, mas sim um instrumento de resolução de litígios com a Fazenda Pública, no qual a empresa abre mão de um benefício fiscal (redução de IRPJ e CSLL) para utilizá-los no pagamento de dívidas com a União. Vale lembrar que essa previsão foi inserida na Lei n° 13.988/2020 por meio da Lei n° 14.375, aprovada em 21 de junho de 2022 e que acordo de leniência celebrado pela CGU e AGU em 2022 já fez constar em seus termos tal possibilidade. 

Por fim, a atenuação de multas moratórias ou dos juros incidentes sobre as parcelas, também prevista na Lei nº 13.988/2020 (art. 11, inciso I), é uma forma comum de recuperação de créditos, e não implicam qualquer desconto nas sanções aplicadas no acordo de leniência”.

Reino Unido derruba esquema de oligarcas russos que usavam criptomoedas para burlar sanções.

Leia Mais

Demissão do diretor de marketing Eduardo Tracanella cria crise interna após comunicado implausível

Leia Mais

Crise cimentada

04/12/2024 às 11:06

InterCement entra com pedido de recuperação judicial para reestruturar dívidas de R$ 14,2 bilhões

Leia Mais
Exclusivo

Muito além dos assédios

04/12/2024 às 06:00

Caixa move ações contra Pedro Guimarães por enriquecimento ilícito e improbidade à frente do banco

Leia Mais

Ajuda a gente

03/12/2024 às 21:42

Em pedido a Flávio Dino, AGU defende mais interesses do Congresso que do governo sobre emendas

Leia Mais

Sérgio Rial escapa de punição da CVM pelo caso Americanas devido ao 2 a 2 no julgamento

Leia Mais

STJ mantém posição contra a empresa, e a favor da CSN, sobre indenização de 5 bilhões de reais

Leia Mais

Agrogalaxy apresenta plano de recuperação judicial e afirma ter demitido cerca de 800 empregados

Leia Mais

Depoimento de presidente da Loterj deixa claro que é impossível verificar apostas por estado

Leia Mais

Aneel tem maioria para definir prazo de 180 dias para aporte em distribuidoras de energia

Leia Mais

Laranjal ameaçado

03/12/2024 às 09:00

TJGO decide nesta terça-feira se bloqueia bens de empresário especialista em fugir de credores

Leia Mais

Aneel pode analisar hoje caso que impõe aportes de 10 bilhões de reais em distribuidoras de energia

Leia Mais

Não é no Supremo

02/12/2024 às 20:21

Kassio conclui que TJ de Alagoas está apto a julgar recursos da falência da usina Laginha

Leia Mais

Bets: roleta pode

02/12/2024 às 18:00

Ao mesmo tempo que tenta barrar Lei das Bets no Supremo, CNC atua pela liberação dos cassinos

Leia Mais

Ministro libera o pagamento de emendas parlamentares com condicionantes que ajudam governo

Leia Mais