O punhal mais radical
A prisão de um policial federal e quatro militares do Exército nesta terça-feira (19) mostrou que o plano de golpe de Estado bolsonarista foi pensado, principalmente, por integrantes das forças especiais, os kids pretos, e envolveria o assassinato de Lula e Geraldo Alckmin. Os envolvidos planejaram desde envenenamento até emboscada com armas de grosso calibre.
As informações constam de relatório elaborado pela equipe da Polícia Federal que trabalha diretamente no Supremo Tribunal Federal para Alexandre de Moraes, ministro que autorizou a operação de hoje, chamada de Contragolpe. O documento fundamenta-se em registros de conexão em antenas de celular, extração de dados telefônicos e de mensagens eletrônicas, além de documentos obtidos pela PF em operações anteriores da investigação relacionada ao 8 de Janeiro.
Os alvos da operação, que foi chancelada pela Procuradoria-Geral da República, foram o policial federal Wladimir Matos Soares, os 'kids pretos' Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo, e o general da reserva Mario Fernandes, ex-assessor da Presidência de Jair Bolsonaro. O general Mario Fernandes é considerado pela PF o mais importante e radical investigado.
A PF diz que o general da reserva foi o responsável por elaborar o plano de assassinato e apresentá-lo aos comparsas. Em 9 de novembro de 2022, Fernandes imprimiu o material às 17h09, numa máquina no Palácio do Planalto. Trinta minutos depois, foi registrada a entrada do militar no Palácio da Alvorada, residência do então presidente Jair Bolsonaro.
Quase um mês depois, em 6 de dezembro, o material foi novamente impresso pelo general Mário Fernandes no Palácio no Planalto, às 18h09. Minutos antes dessa impressão, o ajudante de ordens presidencial Mauro Cid e militar Rafael Oliveira conversavam por telefone. A informação foi descoberta pela PF ao triangular as torres de celular da área.
Na mesma data, Jair Bolsonaro estava no Planalto, fato que a PF destacou, pois ele ficou recluso no Palácio do Alvorada desde que perdeu as eleições de 2022 para Lula. A presença de Bolsonaro no palácio foi confirmada no grupo dos ajudantes de ordem presidenciais, que relatavam entre si o itinerário do presidente.
Dados obtidos pelo cruzamento de antenas para celular mostram que, em 8 de dezembro de 2022, dois dias depois de imprimir material com a ideia do gabinete de crise, Fernandes se reuniu com Bolsonaro. Chegou ao Palácio da Alvorada às 17h e saiu às 17h40. No dia seguinte ao encontro, segundo a PF, mandou mensagem para o tenente-coronel Mauro Cid, dizendo que Bolsonaro aceitou "nosso assessoramento".
Nos dois dias anteriores à reunião, Fernandes manteve contato direto com Mauro Cid. Pedia ao ajudante de ordens de Bolsonaro que levasse informações sobre a tentativa de golpe ao presidente. Em 7 de dezembro, Bolsonaro se reuniu com os chefes das Forças Armadas para apresentar a minuta golpista que declarava intervenção no Tribunal Superior Eleitoral e prendia ministros dessa corte e do STF.
A PF suspeita que esses documentos impressos por Fernandes possam ter sido apresentados para Bolsonaro, mas não foi indicou nenhuma prova de que isso tenha ocorrido. As mensagens apresentadas pela PF sobre esse assessoramento ao presidente dão conta apenas de questões relacionadas aos acampamentos golpistas.
Fernandes é suspeito de ter feito a interlocução entre as necessidade de líderes desses grupos e o Palácio do Planalto. Foram descobertas pela PF conversas do general da reserva com representantes de acampamentos golpistas no Distrito Federal e em São Paulo, no decorrer de novembro.
O militar também foi informado por pessoas acampadas sobre o caos causado por bolsonaristas em Brasília, na noite de 12 de dezembro de 2022. Nessa data, a mesma da diplomação antecipada da chapa Lula-Alckmin, a sede da PF foi invadida e ônibus foram queimados em Brasília.
Há, ainda, mensagens de Fernandes pedindo para o general Luiz Eduardo Ramos não deixar o presidente desistir de tentar permanecer no poder. A interlocução entre esses dois militares existe porque Fernandes foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, chefiada por Ramos durante o governo Bolsonaro. Não se sabe se o recado foi entregue ao destinatário.
Fuzis, bombas e envenenamento
O plano de matar Lula e Alckmin foi encontrado pela PF num HD na casa do general Mario Fernandes. No planejamento, chamado pelo militar de Punhal Verde e Amarelo, Lula é chamado pelo codinome Jeca, enquanto Alckmin é apelidado de Joca.
O material com três páginas detalhava a necessidade de seis homens com colete à prova de balas, fortemente armados com lança-foguetes, fuzis e pistolas que seriam abastecidos pelos mais de 200 projéteis solicitados por Fernandes. Porém, nesse caso, os riscos de baixas entre os golpistas eram considerados tão altos quanto a chance de executar os alvos, mesmo que toda a segurança e os motoristas também fossem mortos.
O plano de execução de Lula considerou a saúde dele. Os golpistas tentariam assassinar o petista durante uma ida ao hospital. Se as balas não fossem suficientes, uma alternativa pensada pelos golpistas foi envenenar o presidente durante um evento público.
Um complemento ao plano golpista foi detalhado por Fernandes em dezembro de 2022. Ele sugeriu a criação, no dia seguinte ao golpe, de um gabinete de crise chefiado pelos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto e assessorado por Filipe Martins. O trio próximo a Jair Bolsonaro seria responsável por "restabelecer a lei e a ordem por meio da retomada da legalidade e da segurança jurídica e da estabilidade institucional", conforme foi detalhado pelo também investigado Helio Ferreira Lima numa planilha com mais de duzentas linhas.
Em 16 de dezembro, Fernandes e seu chefe de gabinete, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, imprimiram sete cópias com informações sobre esse gabinete. No dia seguinte, Fernandes visitou novamente Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Chegou às 18h05 e deixou o encontro às 18h50. Ainda em 17 de dezembro, o presidente conversou com Filipe Martins e os generais Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto.
A reunião de Bolsonaro com Martins começou às 8h24 e não tem horário de encerramento. A conversa com o general Ramos durou das 17h34 às 18h50. Os encontros com os generais Braga Netto e Augusto Heleno foram mais cedo, das 9h45 às 11h24 e das 11h31 às 12h54, respectivamente. Também naquela manhã, o presidente se reuniu com seu então advogado-geral da União, André Mendonça.
Ojeriza à Democracia
O relatório da PF coloca Mario Fernandes como um militar que odeia a democracia. Foi um dos que se manifestou na reunião de cúpula do governo organizada em 5 de julho, quando medidas golpistas foram discutidas abertamente, e gravadas, pelos presentes.
Naquele encontro, Fernandes afirmou que o tempo do governo Bolsonaro estava acabando, pois as manobras seriam mais limitadas após o segundo turno das eleições:"Nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça e não, para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade, mas principalmente, para que uma alternativa seja tomada, como o senhor mesmo disse, antes que aconteça. Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado".
Na mesma reunião, ao falar sobre cobrar uma posição do Tribunal Superior Eleitoral quanto à lisura das eleições, Fernandes disse achar "muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país pensando assim, pra que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no ‘the day after’, né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar".
Em novembro e dezembro, Fernandes compareceu ao acampamento golpista instalado em frente que o quartel general do Exército, em Brasília. A presença do general foi confirmada por fotos salvas em seu celular. Segundo as investigações, ele influenciava os acampados, levando recados até a alta cúpula do bolsonarismo, e era próximo de Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, marido de Klio Damião Hirano, presa na operação Nero, que apura a invasão à sede da PF em Brasília, em 12 de dezembro.
Nesse mesmo período, Mario Fernandes conversou com diversos militares simpáticos a um golpe contra a democracia. Nos diálogos, o general e seus interlocutores sempre reforçavam a necessidade de tomar o poder pela força. Em uma das conversas, em 4 de novembro, logo após o segundo turno, Fernandes ouve do coronel Roberto Raimundo Criscuoli que a "realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois".
Criscuoli diz que "a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço", mas que "daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara [Lula] vai destruir o exército, vai destruir tudo".
A fala foi dita pelo coronel numa conversa em que Fernandes externa preocupação com a investigação da Polícia Federal envolvendo o hacker Walter Delgatti Neto, que invadiu o sistema da Justiça para expedir um mandado falso de prisão contra Moraes. O general diz ao seu interlocutor estar preocupado com o caso e que ouviu de Anderson Torres, então ministro da Justiça e investigado por ajudar no plano golpista, que a apuração seria abafada.
Ainda em 4 de novembro, Fernandes troca mensagens com o general Ramos, seu chefe, sobre a "live Argentina", uma transmissão ao vivo feita por Bolsonaro dias antes do segundo turno para descreditar, sem provas, a confiabilidade das urnas eletrônicas. O nome foi dado porque Fernando Cerimedo, o suposto especialista em tecnologia que apresentou as informações, é argentino.
Indignado com a situação, Fernandes diz a Ramos: "Tá na cara que houve fraude, porra. Tá na cara, não dá mais pra gente aguentar esta porra, tá foda. Tá foda. E outra coisa, nem que seja pra divulgar e inflamar a massa. Pra que ela se mantenha nas ruas, e aí sim, porra, talvez seja isso que o alto comando, que a defesa quer. O clamor popular, como foi em 64. Porque como o senhor disse mesmo, porra, boa parte do alto comando, pelo menos do exército, não tá muito disposto, né. Ou não vai partir pra intervenção, a não ser que, pô, o start seja feito pela sociedade, porra".
Um dos motivos para o fracasso da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 foi a falta de adesão oficial dos militares, principalmente do generalato, ao terrorismo praticado por bolsonaristas naquele domingo, conforme lamentou Fernandes à PF. Essa frustração também foi confirmada ao Bastidor por fontes que trabalharam na campanha bolsonarista de 2022 e com ótimo trânsito entre militares.
Leia abaixo, a partir da página 145, o plano de assassinato reproduzido pela PF em seu relatório e, a partir da página 167, a ideia de criar um gabinete de crise institucional:
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