Análise: reféns da má investigação
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, autorizou mais uma operação policial sem indicar elementos probatórios mínimos para a suspeita dos crimes apontados pela Polícia Federal. Em matéria de evidências, a pobreza factual é um problema recorrente nos inquéritos conduzidos pelo magistrado, sobretudo nos que dizem respeito a atos relacionados ao governo de Jair Bolsonaro e às consequências do período em que ele ficou no governo, como as ações golpistas do dia 8 de janeiro de 2023.
Hoje, o problema surge na decisão que determinou a ação deflagrada nesta quinta-feira (25) para apurar um suposto esquema de desvio de função na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Moraes determinou o cumprimento de vários mandados de busca e apreensão e o afastamento de sete agentes da Polícia Federal, que prestaram serviço na agência, durante o governo Bolsonaro.
Um dos alvos foi o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que dirigiu a Abin durante quase todo o mandato de Bolsonaro. Ele é suspeito de chefiar o esquema. A PF diz que Ramagem determinou o monitoramento ilegal de diversas figuras contrárias ao ex-presidente, com objetivos políticos.
A decisão de Moraes, a qual o leitor pode conferir abaixo, traz uma série de nomes e asserções desconexas sobre o uso ilegal do aparato da Abin para fins de espionagem política - uma suspeita, evidentemente, gravíssima. Como de praxe, as afirmações sobre as existências de crimes são contundentes e repletas de adjetivos. Falta, porém, citar, de modo objetivo e concatenado, as evidências que fundamentam as suspeitas. Falta apreço aos fatos e rigor na interpretação possível acerca deles.
Como todas as decisões desse tipo, em qualquer instância do Judiciário, a peça de Moraes é embasada nos pedidos feitos pela Procuradoria-Geral da República e pela autoridade policial, no caso, a Polícia Federal, por meio do delegado Daniel Carvalho Brasil Nascimento. Porém, os trechos escolhidos pela equipe do ministro para justificar as medidas cautelares adotadas deixam mais dúvidas do que certezas sobre as ilegalidades. Resta uma pergunta essencial: há incompetência na escolha dos trechos que exponham os indícios necessários às afirmações de crime ou esses trechos nem sequer existem?
Um dos exemplos aparece quando é citado o suposto uso da Abin para ajudar a favorecer a defesa do senador Flávio Bolsonaro. Em vez de provas, há uma citação indireta ao relatório da PF, no qual a suspeita é atribuída a uma reportagem jornalística - e não se menciona sequer quais evidências foram usadas na peça jornalística. Não há, ao menos na decisão, qualquer outro elemento que aponte a existência dessa atuação. Novamente: se ela existe, não é citada.
O mesmo acontece no suposto monitoramento de um sócio de Jair Renan Bolsonaro, outro filho do ex-presidente. Os trechos escolhidos pela equipe de Moraes não explicam como seria a operação nem como o pedido do Palácio do Planalto teria pedido para que essa investigação fosse realizada.
Outro trecho com problemas envolve o suposto esquema de monitoramento de ministros do STF, para tentar ligá-los ao PCC. Mencionam-se dois documentos em Word, possivelmente apreendidos pela PF. Não se diz quais são os autores, o que dizem os documentos e de que maneira o conteúdo deles permite a afirmação peremptória de que os alvos agiam ilegalmente para espionar os ministros e disseminar notícias falsas contra eles.
Fala-se de uma advogada e de uma ONG, mas não há qualquer esforço argumentativo para explicar por qual razão a advogada e a ONG estavam sob monitoramento dos agentes da Abin, mas a explicação para o caso só é encontrada, parcialmente, na petição da PGR.
Segundo a Procuradoria, a advogada Nicole Giaberardino Fabre, representante da ONG Anjos da Liberdade, que atua na defesa de direitos de pessoas presas, teria sido monitorada pela Abin por se colocar contra uma portaria do governo federal que reduziu o contato de presos com pessoas fora dos presídios. Esse monitoramento teria sido devidamente registrado nos arquivos da agência, diferentemente de outras práticas apontadas pelos investigadores. A Abin, segundo a descrição da PGR, dizia suspeitar de ligação da ONG com facções criminosas. Não se explica quais seriam os elementos para essa suspeita.
Conforme o documento da PGR, os dados sobre Nicole ficaram armazenados nos dois arquivos de Word, cujo conteúdo denotaria o uso da Abin para fins políticos, diversos das atribuições da agência. Mas nem a peça da Procuradoria, nem a decisão de Moraes trazem qualquer elemento que prove essa afirmação. Não há sequer um trecho em aspas dos arquivos para comprovar a tese, o que levanta dúvidas sobre a validade dessas provas.
Também não fica claro, em momento algum, a participação de Ramagem no esquema. Como diretor da Abin, é de se esperar que partiram dele as supostas ordens, mas nem a PF, nem a PGR e muito menos Moraes apontam algum depoimento ou documento que mostre as digitais do deputado no esquema investigado.
O mesmo problema apresenta-se quando o ministro diz que a promotora do caso Marielle foi “monitorada” ilegalmente pelos integrantes da organização criminosa. A única menção à promotora está num trecho em que o delegado da PF afirma que a CGU identificou, no servidor de impressão da Abin, o currículo da promotora. A ser verdadeira a descrição feita pelo delegado, trata-se de uma informação relevante, que mereceria atenção no curso da investigação, de modo a se apurar por que alguém na Abin estaria interessado no currículo da promotora. Mas a evidência disponível, por óbvio, não permite asseverar que a promotora foi “monitorada”.
Um dos principais problemas desse tipo de decisão é que Moraes segue mantendo o sigilo dos inquéritos em que as autoridades relacionadas ao ex-presidente são investigadas. Com isso, todo o escrutínio público é embasado nas decisões dele - que podem conter erros, equívocos ou exageros. Como a imprensa e mesmo as defesas não têm acesso às evidências, torna-se impossível uma análise independente das teses e afirmações de fato do ministro, da PGR e da PF.
Essa conduta vem sendo apontada pelo Bastidor com frequência. Um caso recente foi na operação realizada há uma semana, contra outro bolsonarista, o líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-SP).
Em que pese Jordy seja uma liderança entre os apoiadores do ex-presidente, a ligação entre o parlamentar e os atos golpistas do dia 8 de janeiro, trazida na decisão de Moraes, é insuficiente para que seja deflagrada uma ação de tamanha gravidade contra um congressista, independentemente do espectro político em que atue. Insuficiente em termos de fatos, de indícios probatórios. Juridicamente, não há mais o que dizer que não tenha sido repetido por anos.
A tendência é que esse problema siga sem solução, já que a PGR tem endossado a conduta do ministro. O mesmo acontece com a maioria dos colegas de toga na Suprema Corte. Sem exames críticos da condução dessas investigações, seja em matéria de evidências, seja em matéria de Direito, não há incentivos para que o ministro, a PGR e a PF melhorem o nível de profissionalismo de um trabalho tão crítico e relevante.
Leia abaixo a íntegra da decisão de Moraes e a petição da PGR
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