A vitória do centrão

Diego Escosteguy
Publicada em 15/10/2024 às 14:10
Kassio, principal expoente do centrão no Judiciário, mostrou força no STJ Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

As duas listas de vagas destinadas ao Superior Tribunal de Justiça, votadas de manhã pelos ministro da corte, expõem a força do eixo de poder em Brasília liderado pelo centrão. Assim como na política, no Judiciário centrão, apesar da conotação pejorativa, é um nome fantasia para definir um grupo amplo, nem sempre harmônico, que se organiza com método e inteligência, nos momentos decisivos, para manter e acumular poder. Dois ministros do STJ representam poder. Muito poder. 

Foi uma vitória de Kassio, ministro do Supremo e principal expoente desse grupo no Judiciário. Foi também uma vitória de Arthur Lira, presidente da Câmara e, por sua vez, principal expoente desse grupo no Congresso. A vitória política do centrão corresponde à derrota de Lula e de seu principal articulador no Judiciário, Flávio Dino, nomeado pelo petista ao Supremo. 

Lula tem o poder supremo de nomear livremente no STF. Foi o que fez nos casos de Cristiano Zanin, seu advogado pessoal, e de Dino, seu ministro da Justiça. Nos demais tribunais, contudo, o presidente é obrigado a escolher um nome contido em lista tríplice enviada pelas cortes. Sem conversar e negociar com quem articula a formação dessas listas, Lula reduz sua capacidade de emplacar nomes que possam lhe ser leais. (O próprio presidente já admitiu que seu critério para a composição passou a ser estritamente político, como, ademais, demonstram suas duas opções ao Supremo.)

Hoje, o presidente enfrenta no Judiciário o mesmo tipo de problema que enfrenta no Congresso. Novamente, o Supremo é, por óbvio, o tribunal mais relevante. Mas a composição do STJ e do TRF1, o tribunal federal mais poderoso do país, é fundamental para a vida política e empresarial do Brasil. Um trabalho intenso, contínuo e estratégico é tão necessário no Congresso quanto no Judiciário.

A primeira lista definida hoje mostra a força do centrão no Judiciário. Logo na primeira votação, o desembargador Carlos Brandão, do TRF1, foi eleito. Brandão é aliado de Kassio, que ascendeu do mesmo TRF1 direto ao Supremo, no governo Bolsonaro - graças, em parte, a Lira e Ciro Nogueira. Brandão é uma espécie de líder desse grupo no TRF1. 

Pelas regras da formação da lista, cada nome precisa ter, ao menos, 17 votos. Assim, é necessário haver duas ou mais rodadas de votação, chamados normalmente de escrutínios. A cada votação, a força e a estratégia dos candidatos e de seus grupos, assim como as fragilidades deles, aparecem. 

O governo tinha dois candidatos: Rogério Favreto, nome predileto de Lula, e Ney Bello, aliado de Flávio Dino - e inimigo de Kassio. Nos escrutínios subsequentes, ambos tinham apoio - mas apoio com teto baixo. Foram mais quatro escrutínios, todos operados com astúcia por quem entende de política no Judiciário. Assim como Lira sabe manobrar, por exemplo, uma votação no plenário, os generais do centrão - os ministros Francisco Falcão, Antonio Carlos Ferreira e Marco Aurélio Bellizze - sabem articular uma votação de lista no STJ. É uma arte política.

Conforme as votações subsequentes ocorriam, os dois candidatos do governo derretiam, até ficar evidente que o trabalho do centrão era impedir que qualquer um deles estivesse na lista final. Afinal, se Favreto estivesse na lista, Lula o nomearia. E, se Ney Bello estivesse nela, e Favreto ficasse fora, a força de Flávio Dino, aliada ao apoio de outros ministros do Supremo, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, tornaria a nomeação dele algo provável. 

Ao cabo, entraram na lista duas mulheres: Daniele Maranhão, do TRF1, que integra o mesmo grupo de Kassio, embora transite bem por outras forças políticas e empresariais; e Marisa Santos, do TRF3, a última a entrar - na quinta e derradeira votação. Foi por pouco, mas Favreto ficou pelo caminho. Em seguida, Ney Bello. Uma derrota por pouco ainda é, claro, uma derrota. Ainda mais em razão do empenho de Lula e Dino para emplacarem seus candidatos. 

O centrão ficou com dois dos três nomes da lista que será enviada a Lula. Os dois - Brandão e Daniele Maranhão - do TRF1. O presidente pode ignorar Kassio e Lira e escolher a desembargadora Marisa. Mas essa decisão pode ter um custo alto, traduzido em mais derrotas nas próximas listas, ou mesmo no Congresso. Por outro lado, Lula pode, finalmente, aproximar-se de Kassio. E entender que Kassio, Lira, Ciro Nogueira e Davi Alcolumbre, favorito para comandar o Senado, exercem influência incomparável em Brasília. Entender significa se adaptar de acordo.

A lista dos nomes da vaga destinada ao Ministério Público foi mais simples, embora igualmente reveladora. Sammy Barbosa, do MP do Acre, apoiado pelo ministro Mauro Campbell, corregedor Nacional de Justiça, teve votação expressiva, o que era esperado. O nome de Marluce Caldas, do MP de Alagoas, contudo, foi uma surpresa. Surgiu com força semelhante. Ela teve o mesmo número de votos de Sammy. Marluce foi indicada por Lira e o ministro Humberto Martins, também alagoano. O procurador Carlos Frederico Santos, nome do governo e do Supremo, entrou em terceiro lugar. 

Sammy tem grandes chances de ser escolhido por Lula. Os ministros Mauro Campbell e Luís Felipe Salomão, seus padrinhos mais articulados, estão com prestígio junto ao presidente. Campbell tem o poder do CNJ nas mãos e reuniu um amplo apoio a Sammy. A opção por Carlos Frederico parece óbvia, mas o nome do procurador provavelmente enfrentará uma resistência significativa no Senado. Ele foi o responsável pelas investigações da PGR sobre os golpistas do 8 de janeiro. É inimigo dos bolsonaristas, que montariam barricadas contra ele na sabatina.

Lula não tem prazo para definir quais serão os dois novos ministros do STJ. Agora, haverá uma nova etapa nas articulações, em meio à sucessão no comando da Câmara e do Senado; os interesses envolvidos nas campanhas pelos dois novos ministros do STJ e os interesses envolvidos nas campanhas pelos sucessores de Lira e Rodrigo Pacheco vão se entrelaçar.

É um momento propício para o presidente reavaliar sua relação com a cúpula do Judiciário - especialmente com aqueles que ele escolhe para se aconselhar. 

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