Análise: a operação do print

Samuel Nunes
Publicada em 29/01/2024 às 18:28
Apreensão de celulares e computadores de Carlos Bolsonaro pode ser explosiva, mas em outras investigações Foto: Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress

A terceira operação sobre a chamada "Abin Paralela" foi deflagrada nesta segunda-feira (29) sem evidências suficientes de crimes praticados pelos suspeitos de integrar o "núcleo político" da organização criminosa que a Polícia Federal diz ter funcionado na cúpula da Agência Brasileira de Inteligência.

O principal suspeito do "núcleo político" é o vereador Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. A PF diz que Carlos Bolsonaro pediu ao delegado da PF Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual pré-candidato à Prefeitura do Rio, informações sobre inquéritos policiais envolvendo ele, o pai e dois irmãos.

A suspeita da Polícia Federal decorre, segundo a Procuradoria-Geral da República, da análise do sigilo telemático de Ramagem. Nele, os policiais encontraram um print - uma imagem - de um trecho de conversa mantida, segundo a PGR, entre o agora deputado federal e uma das assessoras de Carlos Bolsonaro.

A imagem compartilhada no parecer da PGR e na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixa uma série de dúvidas. Não há informações sobre a data da conversa nem maiores detalhes sobre o contexto dela. Pelo teor, é possível deduzir que a conversa aconteceu depois do primeiro turno das eleições de 2022, quando Ramagem já havia deixado a direção da Abin. (A PGR afirma, em parecer, que Ramagem era diretor da Abin naquele momento, o que não procede.) Ele saiu do cargo em março daquele ano, para disputar a eleição para deputado federal.

Leia abaixo o teor da imagem:

Nem a representação da PGR, nem a decisão de Moraes deixam clara a origem da conversa. No documento da Procuradoria, diz-se que a conversa seria entre Luciana Almeida, assessora de Carlos Bolsonaro, e Ramagem. Já na ordem de Moraes a interlocutora de Luciana seria Priscilla Pereira e Silva, assessora de Ramagem na Abin e também na Câmara dos Deputados.

Segundo a imagem, Luciana inicia o papo antes do dia 9 de outubro, provavelmente de 2022. Foi nesse dia que o interlocutor agradeceu a uma mensagem enviada por ela, desejando sucesso na nova etapa. No dia 11 do mesmo mês, ela diz que está precisando de ajuda. Não há nenhuma resposta. Não está claro, por exemplo, se eles continuaram a conversa por outro canal, como uma ligação telefônica comum ou em outro aplicativo de mensagens.

Em outro dia, não especificado nos documentos disponíveis, ela manda uma mensagem com o nome de uma delegada da Polícia Federal, os números de dois inquéritos e diz que envolvem "PR e 3 filhos", em referência clara a Jair Bolsonaro e os filhos. Há também o nome do escrivão que acompanharia essas investigações.

A dúvida sobre quem seria o interlocutor está descrita textualmente nos textos da PGR e de Moraes. Enquanto Paulo Gonet cita que a conversa era "mantida por WhatsApp entre o parlamentar e Luciana Almeida", a decisão do ministro afirma que o "pedido [foi] realizado por Carlos Nantes Bolsonaro, por meio de sua assessora Luciana Almeida, ao delegado Alexandre Ramagem, através de Priscilla Pereira e Silva".

Sem provas de crime

Apesar de a troca de mensagens parecer comprometedora, não fica claro se a mensagem com o nome da delegada está relacionada à suposta ajuda pedida por Luciana a Ramagem. Tampouco há outras referências que corroborem que ele tenha atuado de alguma forma para conceder informações sobre a delegada citada pela assessora de Carlos ou sobre os inquéritos que ela cita.

De acordo com a PF, no trecho do relatório citado por Moraes, os números dos inquéritos informados por Luciana não estão relacionados à família Bolsonaro. "Os referidos inquéritos policiais não apresentam pertinência com os referidos Pr e 3 filhos. Entretanto, fontes abertas indicam que no período existiam investigações em andamento no interesse dos sujeitos razão pela qual provavelmente a fonte não obteve os números dos procedimentos corretos", afirma a polícia.

Mesmo assim, os investigadores concluem: "Conforme se depreende da IPJ 183071/2024 que a comunicação entre os investigados Del. Alexandre Ramagem e Carlos Bolsonaro se dá precipuamente por meio de seus respectivos assessores”.

Até agora, as representações da PF nesse caso são mantidas em sigilo. Todas são de autoria do mesmo delegado. Sem acesso a elas, muito menos às evidências que as fundamentam, é impossível verificar de modo independente as afirmações de crime feitas pela PF desde a primeira operação, em outubro.

Falta uma história

A operação contra Carlos é a terceira ação da PF sobre o uso político da Abin, mas, pelos dados colacionados nas decisões, ainda não está claro se os investigadores conseguem apontar detalhadamente como, quando e de que forma tal atuação aconteceu e quem são os responsáveis diretos e indiretos pelos crimes, se é que eles ocorreram.

Em resumo, parece que ainda falta uma história a ser contada. Não está claro, por exemplo, se a PF chegou a ouvir todos os servidores da Abin que atuavam próximos a Ramagem e ao sistema First Mile, de onde eram tirados os dados de monitoramento de forma ilegal. Nenhum depoimento é citado, mesmo indiretamente.

Do lado da PGR, a quem também deveria interessar o bom andamento das investigações, o parecer emitido pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, dá indícios de que pouco se deve avançar em uma apuração detalhada sobre o caso na Abin. O principal exemplo disso é que ele resumiu, em apenas quatro páginas, o relatório da PF, em um documento bastante pobre em termos de fundamentação jurídica.

Até a decisão de Moraes, cuja falta de critérios vem sendo apontada pelo Bastidor, é mais bem fundamentada. Ao menos, o ministro e a equipe se deram ao trabalho de escrever 17 páginas para justificar os mandados desta segunda-feira. De toda forma, tudo parece uma colcha de retalhos sem lógica entre si. O leitor pode avaliar abaixo.

Leia a decisão de Moraes e o parecer da PGR sobre a operação

Polícia investiga cooperativa do Espírito Santo que recebeu R$ 42 milhões desviados de ataque hacker

Leia Mais

De volta ao STJ

08/07/2025 às 14:28

Zanin devolve investigação de venda de sentenças no TJMT ao STJ, onde há servidores envolvidos

Leia Mais

É a PF, Mano

08/07/2025 às 09:05

Policiais fazem buscas contra deputado federal Junior Mano, do Ceará, por fraudes com emendas

Leia Mais

Justiça mantém prisão temporária de funcionário que facilitou ataque hacker a sistema financeiro

Leia Mais

Empresa negocia dívida bilionária com União e, por conta disso, atrasa entrega de documentos à CVM

Leia Mais
Exclusivo

11 anos por terrorismo

07/07/2025 às 17:26

Justiça condena homem que recrutava brasileiros para atuar pelo Estado Islâmico

Leia Mais

Trump critica processo contra ex-presidente, em meio a ameaças econômicas contra membros dos Brics

Leia Mais
Exclusivo

O cozinheiro do roubo

04/07/2025 às 19:34

Atual dono de fintech investigada pela Polícia Civil nunca teve relação com instituições financeiras

Leia Mais
Exclusivo

Uma dezena de fintechs suspeitas

04/07/2025 às 18:27

Polícia identifica novas intermediárias por onde passou dinheiro do maior roubo ao sistema bancário

Leia Mais

Moraes suspende decretos de Lula e do Congresso sobre imposto e convoca conciliação para o dia 15

Leia Mais
Exclusivo

Uma fintech suspeita

03/07/2025 às 23:57

Polícia rastreia 270 milhões de reais do roubo aos bancos a contas na Soffy Soluções de Pagamento

Leia Mais
Exclusivo

O roubo de 3 bilhões de reais

03/07/2025 às 23:46

Polícia Civil estima que invasão hacker a bancos resultou no maior assalto já registrado no país

Leia Mais
Exclusivo

O hacker caiu

03/07/2025 às 23:33

Polícia Civil de São Paulo prende autor do roubo bilionário às contas reservas do Banco Central

Leia Mais
Exclusivo

A ofensiva petista nas redes

03/07/2025 às 18:46

Partido coloca no ar campanha com o mote pobres x ricos para expor o Congresso e a direita

Leia Mais

Governo propõe ressarcir aposentados roubados se puder fazer isso com dinheiro de fora do orçamento

Leia Mais