Os crimes na rua Wagih
Com Diego Escosteguy
Iranianos suspeitos de compor uma base clandestina do regime teocrata em São Paulo estão envolvidos em casos de coação, ameaça de morte, tráfico internacional de pessoas e trabalho escravo, revelam documentos judiciais obtidos com exclusividade pelo Bastidor.
As informações coletadas pela reportagem incluem depoimentos, boletins de ocorrência, documentos comerciais e fiscais, além da íntegra de investigações criminais e processos cíveis e trabalhistas. As evidências reunidas no conjunto de documentos demonstra um padrão de comportamento de intimidação e ameaça por parte dos iranianos ligados aos aiatolás xiitas.
Como o Bastidor revelou, Teerã mantém uma base clandestina em São Paulo para a condução de operações comerciais e de inteligência. Os iranianos não parecem ser incomodados por nenhuma autoridade brasileira, apesar das evidências de ilegalidades, fraudes e as suspeitas de lavagem de dinheiro.
A reportagem também conversou com fontes que corroboraram, sob anonimato, as acusações dos ex-funcionários - todas investigadas pelas Polícias Federal e Civil de São Paulo; pelo Ministério Público de São Paulo; e pelo Ministério Público do Trabalho.
Relatos e documentos aos quais o Bastidor teve acesso confirmam que ao menos parte das ameaças envolveu a Embaixada do Irã em Brasília. Os casos foram levados às autoridades entre 2015 e 2021. Seguiam até hoje sem conhecimento do público.
No mais grave deles, de acordo com boletim de ocorrência, inquérito, relatório da polícia e manifestação do MP, um ex-funcionário do Centro Islâmico Abate Halal Iran e sua esposa passaram a ser perseguidos logo após ele se afastar da empresa que, oficialmente, exportava carnes ao Irã. Como o Bastidor apontou, a operação de Halal do Irã no Brasil também serve ao aparato de inteligência dos aiatolás xiitas.
A empresa, de acordo com as investigações, não possui cadastro na Junta Comercial de São Paulo. A Polícia Civil localizou outras empresas em um endereço que funciona como base para atividades suspeitas de iranianos no Brasil. O ex-funcionário disse à polícia que foi usado como laranja em operações de exportação ao Irã. Afirmou que, ao se recusar a seguir no esquema, passou a ser ameaçado. O denunciante associa a base revelada pelo Bastidor a ilegalidades em série.
No endereço em questão, na rua Wagih Assad Abdalla, número 40, foram localizadas, por exemplo, as empresas Halal Center Of Iran Servicos de Certificação, de Behrouz Tahei, e a Abolghassem Naseri Parsa, cujo nome fantasia era Halal Produções. O Bastidor consultou dados da Receita Federal e constatou que ambas estão inativas. O CNPJ da Halal Produções foi usado pela Golden Silk Global Importação e Exportação, que tinha como donos os iranianos Abolghassem Naseri Parsa, Mohsen Masoumi, Mohammad Haji Amooassar e Ahmad Yousefiniya, e como administrador Hossein Alemi. Hoje, ela aparece como desativada.
Na denúncia feita à polícia, o ex-funcionário, que também é iraniano, cita dois ex-diretores da empresa: Mohsen Shariat e Ahmad Reza Kiani, que teriam mudado o comportamento com ele após a descoberta de “irregularidades contábeis e financeiras”. Ele se afastou da empresa, o Centro Islâmico Abate Halal Iran, onde era tradutor e diretor financeiro.
Em depoimento à polícia, o ex-funcionário relatou ameaças à sua integridade física caso não voltasse às suas antigas funções. O receio dos ex-chefes era que ele denunciasse o que viu no período em que trabalhou com eles.
As irregularidades citadas às autoridades envolviam fraudes e obtenção de vantagens indevidas com vendas não entregues ou inexistentes.
O ex-funcionário, em depoimento à Polícia Civil, também disse que pessoas ligadas ao Centro Islâmico Abate Halal Iran foram à porta da sua residência exigindo, “em tom de ameaça, que ele cedesse às vontades” da empresa.
O ponto alto da ameaça teria ocorrido no centro de São Paulo, no bairro da Liberdade, quando ele foi abordado por duas pessoas, supostamente armadas, dizendo que aquele era o último aviso.
A esposa revelou que, durante uma viagem, seu carro foi fechado na frente por um veículo enquanto outro atingia a parte traseira. Sobre o período, ela relatou que a vida do casal “virou um inferno”.
As ameaças e intimidações tiveram início em setembro de 2018, período do desligamento, e seguiram até o ano seguinte, quando o casal resolveu denunciar o caso à polícia.
Para comprovar sua relação com a operação iraniana e corroborar suas acusações de irregularidades, o funcionário entregou centenas de documentos à polícia. O Ministério Público reconheceu a relação dele com o Centro Islâmico Abate Halal Iran, mas a polícia não avançou nas investigações sobre as fraudes na operação Halal, incluindo suspeitas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O ex-funcionário revelou que foi à Embaixada do Irã em Brasília, em fevereiro de 2019, e foi informado de que era acusado criminalmente. Em uma sala fechada, um assessor consular disse que ele teria que redigir todas as informações que sabia sobre o Centro e assinasse uma confissão de culpa das ilegalidades que era acusado.
No depoimento, o ex-funcionário disse que a recusa em assinar fez o assessor consular afirmar que reteria o seu passaporte e não forneceria nenhum serviço da Embaixada.
A vítima ficou na Embaixada por cerca de seis horas e não teve as suas solicitações atendidas. Ao voltar para o aeroporto de Brasília, de onde embarcaria para São Paulo, ainda sofreu novas ameaças pelo condutor de um veículo fornecido pela diplomacia iraniana.
Desde então, o ex-funcionário calou-se. Vive com medo dos ex-patrões.
Tráfico de pessoas e trabalho escravo
A Golden Silk Global Importação e Exportação, uma das empresas da rede iraniana ligada a nomes que atuam na rua Wagih, também esteve envolvida num caso de tráfico internacional de pessoas e trabalho análogo à escravidão.
Tudo começou quando o jovem iraniano Javad Kaivanlou Shahrestanaki veio ao Brasil em 2019, a convite de Hossein Alami, um dos donos formais da empresa. A família de Alami é influente no regime de Teerã.
Desde então, alegou jamais receber salários. Primeiro, segundo a denúncia, ele trabalhou em Goiânia, onde prestou serviços a um amigo de Houssen Alami.
Chegou a ir ao Pará, também por ordem de Alami, para trabalhar com venda de filtros importados. Na sequência, foi enviado para Campo Grande para trabalhar em um frigorífico.
Ainda sem receber nenhum salário, Javad foi parar em um sítio em Biritiba-Mirim-SP, de propriedade de Alami. Foi lá que o Ministério Público do Trabalho atuou.
Segundo o MPT, Javad informou que trabalhava todos os dias, de manhã até a noite, e chegou a ficar três dias seguidos sem comer.
Os agentes do MPT e da Polícia Federal tiveram acesso ao celular da vítima, em que constavam mensagens agressivas de Leoni Martins Castanha, funcionária e procuradora de Houssen Alami.
O MPT acusou Houssen Alami e os demais donos da Golden Silk Global Importação e Exportação (Abolghassem Naseri Parsa, Mohammad Haji Amooassar, Mohsen Masoumi e Ahmad Yousefiniya), de traficar pessoas para fins de trabalho análogo à escravidão.
Em 16 de novembro de 2021, a juíza do Trabalho Silvia Cristina Martins Kiriakakis, da 1ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes (SP), determinou o pagamento dos direitos trabalhistas da vítima, proibiu que Houssen Alami e Leoni Martins Castanha contratem empregados sem registro e determinou o pagamento de 300 mil reais por dano moral individual e 2,5 milhões por dano moral coletivo.
Os acusados deverão pagar multas que chegam a 100 mil reais se voltarem a submeter trabalhadores ao tráfico de pessoas ou regime de trabalho forçado.
A defesa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, questionando as provas do MPT e os valores aplicados. Ainda não houve decisão.
Coação como método
Uma outra ação de 2015, essa do iraniano Ali Hamdar contra a empresa Apoio de Degoladores Ltda, pedia 40 mil reais de indenização após o ex-funcionário ter sido coagido a redigir e assinar uma carta de demissão e um falso acordo.
A denúncia consta em documentos do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Rio Grande do Sul.
A Apoio de Degoladores Ltda tem como proprietários Saeid Nemati e Morteza Ghorbanian Siahkalroudi. Morteza é dono de outras empresas, como mostrou o Bastidor, e já enfrentou outros processos trabalhistas.
Em uma delas, em 2016, junto com o seu irmão Mohammad Hossein Ghorbanian, Morteza foi acusado de usar laranja para criar a empresa GBH Serviços e na administração da GBH Comércio. O laranja, Mario Majikina, comprovou na justiça que era apenas motorista e que fora ludibriado a assinar documentos. Ganhou o processo em 2017 e foi retirado das sociedades por decisão judicial.
O caso de Ali Hamdar também teve um desfecho positivo para ele. O juiz do trabalho André Vasconcellos Vieira determinou que a Apoio de Degoladores Ltda, a BRF S/A e a Marfrig pagassem os seus direitos.
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