O carbono que manda
Decisões recentes da Justiça de Mato Grosso e do Superior Tribunal de Justiça abriram caminho para que a Carbon Participações assumisse na sexta-feira (6) o controle de uma fábrica fundamental no processo de recuperação judicial do grupo Safras, um dos maiores conglomerados de processamento e armazenagem de grãos e produção de etanol do Brasil.
A Carbon tem entre seus controladores o empresário Valdoir Slapak, suspeito de operar esquemas judiciais, sobretudo na área de compra e venda de créditos. Como noticiou o Bastidor em maio, ele também é um dos donos do grupo Fource, que aparece em relatório sigiloso da Polícia Federal que investiga o esquema de venda de sentenças no STJ e em tribunais estaduais.
A Fábrica Cuiabá e sua estrutura são responsáveis pela maior parte do faturamento do Safras. A perda do controle torna praticamente inviável a manutenção das atividades do grupo durante o processo de recuperação judicial. Com uma dívida de 2,2 bilhões de reais, o Safras entrou com o pedido no dia 11 de abril na 4ª Vara Cível de Sinop (MT).
Credores contrários à recuperação judicial e, consequentemente, a favor da apreensão de bens para garantir o pagamento das dívidas passaram a acusar os controladores do Safras, Dilceu Rossatto, ex-prefeito de Sorriso (MT), e Pedro Moraes Filho, de montarem um sofisticado esquema de fraude para blindagem patrimonial.
Eles citaram possíveis irregularidades como desvio de grãos, confusão entre o patrimônio pessoal dos sócios e o das empresas, simulação de contratos com fundos de investimento e inclusão de empresas de fachada.
Ao todo, são mais de 800 credores. As contestações, contudo, são feitas mais efetivamente pela Carbon, por Celso Izidoro Vigolo e pela Agropecuária Locks.
Depois do pedido de recuperação judicial ser aceito pela juíza Giovana Pasqual, da 4ª Vara Cível de Sinop, no dia 20 de maio, o Safras viu a desembargadora Marilsen Andrade Addario, da Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT, conceder uma liminar em 30 de maio que suspendeu os efeitos do processo.
A desembargadora acolheu os argumentos dos credores e citou a ausência de documentos obrigatórios, confusão patrimonial, empresas sem atividade comprovada e operações financeiras suspeitas com fundos de investimento para justificar a decisão. Com a determinação, o Safras perdeu o direito à trégua de 180 dias para execuções individuais.
Na liminar, a magistrada citou o caso específico da fábrica considerada a joia da coroa do processo. É um tópico controverso por envolver, por exemplo, indefinições sobre qual tribunal deve definir com quem a planta deve ficar.
Em março, o juiz da 1ª Vara Cível de Cuiabá, Marcio Aparecido Guedes, determinou a reintegração da processadora em um processo que nada tinha a ver com a recuperação judicial. Ainda naquele mês, o desembargador do TJMT Rubens de Oliveira Santos Filho reformou a decisão e suspendeu a ordem da 1ª instância.
Em maio, com o pedido de recuperação judicial já protocolado em Sinop, a Carbon recorreu à Justiça de Sorriso (MT) e solicitou que a Fábrica Cuiabá – o ativo mais valioso - não constasse no processo.
A Carbon sustenta que o Safras não é dono real da fábrica e que “não compete ao juízo da recuperação judicial deliberar, direta ou indiretamente, sobre a essencialidade da Fábrica Cuiabá, por tratar-se de bem de terceiro, adjudicado judicialmente em processo falimentar diverso e não integrante do patrimônio da requerente”.
A unidade, em 2021, foi arrendada da massa falida da Olvepar pela Copagri e depois subarrendada ao Safras.
A massa falida da Olvepar é representada pela Carbon, que sustenta que não houve autorização judicial para a cessão e que o uso atual seria irregular.
A Olvepar, como mostrou o Bastidor, é tratado pela Fource, a outra empresa de Valdoir, como um dos cases de sucesso do grupo em processos de falência.
A decisão da desembargadora do TJMT de suspender o processo de recuperação judicial do Safras, na prática, possibilitou que a Carbon retomasse o controle do ativo mais valioso operado pelo conglomerado.
Os advogados do Safras chegaram a recorrer ao STJ, mas o ministro Marco Buzzi nesta semana rejeitou pedido do grupo para retomar o andamento do processo.
No despacho, o magistrado disse que o STJ ainda não tem competência para analisar o caso, já que não houve esgotamento da instância ordinária no TJMT. Buzzi afirmou ainda que não foi comprovada nenhuma situação excepcional ou decisão “teratológica” que justificasse uma intervenção precoce.
Procurada, a Carbon confirmou ao Bastidor que “foi devidamente reintegrada na posse da Fábrica de Cuiabá”. A empresa, contudo, negou que a ação tenha a ver com a recuperação judicial do Safras.
“A Carbon confirma que foi devidamente reintegrada na posse da Fábrica de Cuiabá de forma definitiva em cumprimento de decisão do juiz da falência da Olvepar. A reintegração foi totalmente cumprida na manhã de hoje e todos os pertences do Grupo Safras já foram disponibilizados”, diz a nota enviada ao Bastidor. Leia a íntegra no fim do texto.
Os cases de Valdoir
O empresário e sua empresa Fource já estiveram envolvidos em grandes casos de recuperações judiciais e falências.
Alguns exemplos são o da camisaria Colombo e do grupo Jesus Agropecuária. Este último caso foi investigado na Operação Faroeste, que apura a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça da Bahia.
A investigação em curso da Polícia Federal sobre venda de sentenças aponta que Valdoir, por meio da Fource, era parceiro do advogado Roberto Zampieri no esquema de comércio de decisões judiciais no Mato Grosso.
Zampieri é o advogado que foi assassinado em dezembro de 2023, e cujos dados do celular deram início ao inquérito que chegou ao Supremo Tribunal Federal. Zampieri, por sua vez, agia ao lado do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, aparente líder da organização, que está preso.
Os dados bancários e fiscais dos investigados, aos quais a reportagem teve acesso, revelam fortes indícios de que todos agiam em grupo. Valdoir, por meio do grupo Fource, tinha ligação direta e indireta com empresas de fachada e fundos de investimento que serviam, segundo as investigações, tanto para lavar dinheiro quanto para pagar os beneficiários do esquema. Há pagamentos para escritórios de advocacia, empresas de Brasília, imobiliária, estabelecimentos agrícolas e de turismo, além de instituições financeiras.
Ao todo, somente em operações consideradas suspeitas pela PF, a Fource pagou cerca de 94 milhões de reais e recebeu algo em torno de 56 milhões de reais.
Mensagens trocadas reforçam as suspeitas de compra de decisões. Em uma delas, Zampieri escreveu a Valdoir: “O da Colombo e o da quebra de sigilo deu tudo certo”. Ele se referia à decisão do desembargador João Ferreira Filho, que negou pedido dos credores para identificar os cotistas do fundo Afare. Segundo a PF, Zampieri prometeu ao desembargador um relógio da marca Patek Philippe, avaliado em 300 mil reais.
Procurados à época, os sócios da Fource disseram repudiar “avaliações precipitadas e afirmam que sempre atuaram dentro da mais absoluta lisura e transparência colocando-se desde já à inteira disposição da Justiça para o mais célere esclarecimento".
Leia a íntegra da nota da Carbon:
“A Carbon confirma que foi devidamente reintegrada na posse da Fábrica de Cuiabá de forma definitiva em cumprimento de decisão do juiz da falência da Olvepar.
A reintegração foi totalmente cumprida na manhã de hoje e todos os pertences do Grupo Safras já foram disponibilizados.
A Carbon está assegurando a preservação da unidade fabril e acima de tudo dos colaboradores do Grupo Safras através da distribuição de cestas básicas e outras ajudas pontuais e específicas uma vez que todos se encontram sem receber seus ordenados.
Também informa que, desde antes da reintegração, a Fábrica Cuiabá já estava totalmente parada pois a concessionária de energia elétrica havia cortado o fornecimento por falta de pagamento. A Carbon informa que já promoveu o religamento parcial da energia e tem suportado a fábrica com geradores próprios”.
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