À espera de Messias

Brenno Grillo
Publicada em 12/07/2024 às 10:40
TCU aprovou acordo secreto que nenhum dos envolvidos quer explicar. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Está sob a responsabilidade do advogado-Geral da União, Jorge Messias, uma das decisões mais pesadas que ele deverá tomar à frente do órgão - uma decisão que pode causar um rombo de, por baixo, 17 bilhões de reais aos cofres públicos. Trata-se de um acordo entre a Oi e a Anatel, recentemente chancelado pelo Tribunal de Contas da União. Para vingar, o acordo requer o aval da AGU de Messias.

Em Brasília, o caso é tocado em sigilo máximo. Parece quase um segredo de Estado. Se aprovada, a operação beneficiará o banqueiro André Esteves, do BTG. Aliados dele na capital trabalham intensamente para que o acordo seja avalizado pela AGU o quanto antes - e com a maior discrição possível. Segundo fontes que acompanham de perto o caso, a decisão política de acolher o acordo já foi tomada pelo presidente Lula. Falta combinar com os técnicos da AGU que precisam dar pareceres favoráveis ao negócio jurídico. Alguns, reservadamente, são contrários aos termos do acordo. E temem as consequências de carimbarem um documento tão controverso.

O acordo subiu para a AGU na semana passada. No dia três, os ministros do TCU chancelaram a negociação até então secreta envolvendo a Oi, a V.tal (companhia do dono do BTG) e a Anatel. O acordo firmado com a agência reguladora garantiu a mudança do tipo de contrato da Oi, que passaria de concessão para o regime de prestação de serviços.

Para garantir essa mudança, a Anatel deu um desconto de 75% sobre o total que a operadora deveria investir em infraestrutura pública. Ou seja, foram subtraídos 17 bilhões de reais dos 20 bilhões de reais que seriam devidos pela Oi.

O acordo prevê a desistência de todos os processos, judiciais ou não, envolvendo as partes. A exceção: uma arbitragem em que a Oi cobra mais de 60 bilhões de reais por supostos prejuízos causados pela falta de atualização na lei que concedeu os serviços de telefonia ao setor privado, nos anos 1990.

A manutenção desse processo arbitral, segundo os ministros do TCU, justifica-se pela pequena chance de a empresa vencer a disputa. O caso é discutido via arbitragem por determinação da lei de telefonia. Se o TCU estiver errado em sua avaliação, André Esteves pode receber até 50% do valor discutido, a depender do total a ser definido na decisão extrajudicial.

Essa disputa específica entre Oi e Anatel é discutida na Câmara de Comércio Internacional desde 2020. O sucesso da empresa de telefonia e da V.tal depende do montante a ser apurado na decisão. Se o valor a ser pago pela União chegar a 14,5 bilhões de reais, o dinheiro será revertido em investimentos - ou melhor, em promessa de investimentos. Tudo o que for acima disso, vira lucro para Esteves e Oi. O prejuízo fica com a União.

Acordo de um lado só

O entendimento dos ministros do TCU, a maioria deles de origem política, contrariou a área técnica da corte, dos auditores concursados. Os técnicos que analisaram o acordo afirmaram que faltam critérios para calcular os valores envolvidos. Também disseram que não se definiram metas críveis para as ações que Oi deverá, em tese, executar como contrapartida pelos presentes da União. Duas dessas contrapartidas são a garantia de oferecer serviços de internet em escolas públicas e a instalação de centros de processamento de dados pelo país.

Sobre a internet nas escolas, os técnicos doTCU alertaram para os riscos de ocorrer sobreposição de serviços em unidades de ensino já atendidas por programas do governo. O Ministério da Educação afirmou ao Bastidor não ter sido consultado sobre o assunto.

Em relação à instalação de centros de processamento de dados, os técnicos frisaram que foram incluídos na conta projetos instalados em capitais, como Fortaleza e Porto Alegre. A legislação, porém, exige que esses investimentos sejam feitos em áreas sem infra-estrutura - o que não é o caso das duas capitais.

A responsabilização das empresas em caso de descumprimento de metas também é motivo de crítica. O acordo firmado com a Anatel isenta a V.tal de eventuais descumprimentos pela Oi. Mas o inverso não é verdadeiro.

O acordo aprovado no TCU estabelece que Esteves assumirá o compromisso de realizar 5 bilhões de reais dos investimentos. Mas os ministros do tribunal decidiram que a responsabilidade, em caso de inadimplência, será da Oi - e não do banqueiro.

Para os técnicos do TCU, o acordo beneficiava somente um parte, ou duas: a Oi e a empresa de André Esteves. Ninguém viu benefício público no acordo, ao menos nos termos propostos - e aprovados pelos ministros.

A operação no TCU foi comandada pelo presidente do órgão, Bruno Dantas. A análise do caso também contou com o setor criado pelo ministro, a Secex Consenso, que lhe deu mais poder de barganha sobre temas caros à União e aos empresários. Porém, logo após entregar o acordo da Oi, Dantas suspendeu as atividades da área que controlava.

Anteontem, o ministro argumentou que a criação da Rede Federal de Mediação e Negociação, pelo governo federal, causará conflito com os trabalhos da Secex Consenso. O problema é que a portaria do Executivo foi publicada em 3 de julho, data do julgamento e mais de uma semana antes da suspensão dos trabalhos da área de soluções consensuais do TCU.

Problemas em série

O histórico da Oi é problemático desde a sua fundação, em 1998, após a privatização do sistema Telebras. A operadora sempre teve aporte de fundos de pensão e de estatais, como o BNDES. Durante os primeiros governos de Lula, foi considerada a supertele brasileira. Uma supertele que, desde então, dá prejuízo. Cria mais escândalos e papagaios do que receita e bons serviços aos consumidores.

Segundo fontes da Oi, sem o acordo no TCU seria impossível cumprir o contrato até seu fim, em 31 de dezembro de 2025. Jorge Oliveira, relator do caso, concordou. Disse que "a frágil situação econômica da empresa Oi, em sua segunda recuperação judicial, apesar de ser um fato que deveria ser indiferente sob a ótica do interesse público, acabou por gerar reflexos importantes na conclusão deste processo de negociação, uma vez que interfere nos possíveis cenários construídos a partir da aprovação ou não do acordo". É o mesmo argumento usado pela Oi nos últimos anos: se o governo ou a Justiça não ajudar, a empresa vai quebrar. E o governo e a Justiça sempre cedem.

Dívidas impagáveis, sempre renegociadas à frente, são um modelo de negócio para a Oi. Em sua primeira recuperação judicial, que começou em 2016, a operadora devia 65 bilhões de reais. Conseguiu 55% de desconto nas multas da Anatel. Dos 20 bilhões de reais previstos para pagamento, sobraram 7,4 bilhões de reais, após pagamentos e depósitos judiciais. O processo foi encerrado em 14 de dezembro de 2022.

Porém, pouco tempo depois, em abril de 2024, a operadora fechou um novo acordo com credores. Aprovou seu segundo plano de recuperação. A empresa tem divida bruta financeira de 36,5 bilhões, segundo o balanço do quarto trimestre de 2023. A estimativa, como em qualquer recuperação judicial, é de que os débitos caiam até 70%.

Além de ser uma máquina de dívidas, a Oi é freguesa do Ministério Público e da Polícia Federal. Em 2016, por exemplo, a empresa foi acusada de subornar advogados e de pagar um dos filhos de Lula sem que houvesse prestação de serviços.

Naquele ano, Eurico Teles, então diretor jurídico da Oi e ainda hoje um dos advogados mais poderosos do país, comandou, segundo o MPF, esquema que subornou um escritório de advocacia que representava mais de 13 mil clientes da empresa, para que os processos não fossem adiante. Foram pagos 50 milhões de reais, segundo os procuradores.

Mas esse valor representa menos da metade do que a Oi pagou a Fábio Luis Lula da Silva. O filho do presidente recebeu 103 milhões de reais da empresa de telefonia por meio da Gamecorp, da qual era dono. De acordo com as investigações, a companhia não prestou nenhum serviço e nem teria capacidade para tal. Todos esses casos foram arquivados.

Ninguém explica

Todos os envolvidos no acordo se recusam a explicar detalhes dele. Ou mesmo o básico: afinal, por que a Anatel, os ministros do TCU e, aparentemente, o governo Lula comportam-se como se o único curso de ação possível ou desejável seja salvar a Oi, custe o que custar? Qual o peso do interesse público numa decisão, ou numa série de decisões, tratadas sob sigilo e questionadas enfaticamente por todos os técnicos que analisaram os termos do acordo?

Desde o dia 3, data do julgamento, o Bastidor procura os envolvidos para obter respostas acerca dessas condições aparentemente tão vantajosas para a operadora e para André Esteves. Ninguém responde.

No máximo, afirma-se que o sigilo é importante para o sucesso do acordo. Não se explica por quê. E ninguém diz claramente por qual razão o acordo precisa forçosamente ser fechado. Lembre-se que a União poderia, simplesmente, deixar a Oi quebrar.

No acórdão do TCU, por exemplo, menciona-se que, caso a Oi deixasse de prestar os serviços, o custo para a União assumi-los oscilaria entre 2 bilhões de reais e 4 bilhões de reais. A título de comparação, as dívidas da companhia com a Anatel ultrapassam os 7 bilhões de reais, segundo a própria agência reguladora.

A AGU, que dará a palavra final sobre o acordo, disse ao Bastidor que responderia aos questionamentos enviados até a manhã de terça-feira (9). Não se manifestou até agora. A Oi respondeu prontamente que não elucidaria nenhuma dúvida oficialmente. O Ministério das Comunicações, comandado por Juscelino Filho, seguiu a mesma linha.

Leia o acórdão proferido pelo TCU na quarta-feira (3):

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