Exclusivo

Um erro de 420 milhões

Alisson Matos
Publicada em 19/07/2024 às 06:00
Ficou caracterizada o que se chama no direito de preclusão temporal, quando a parte não recorre da decisão no período estipulado Foto: Divulgação

Um erro da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a PGFN, mantido em sigilo nos últimos anos rendeu à União uma dívida de quase 420 milhões de reais. O valor deve ser pago à Dufry do Brasil e ao escritório de advocacia de Sergio Bermudes, que representa a empresa. Em poucos anos, a PGFN saiu da posição de credora da empresa, líder mundial em varejo de viagem, para a de devedora.

O processo, que correu em segredo de justiça na 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro de 2014 a 2020 e chegou ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região em 2023, foi obtido com exclusividade pelo Bastidor. A corte negou os argumentos da Fazenda Nacional e determinou, assim como já havia feito a Justiça federal do Rio, o pagamento do precatório.

O ponto determinante para a derrota da União no caso ocorreu entre o fim de 2019 e início de 2020. Naquele período, aconteceu algo extraordinário: o procurador da Fazenda responsável pelo caso, Sérgio Luís de Souza Carneiro, perdeu o prazo para contestar a decisão da 28ª Vara que beneficiava a Dufry. Só ele tinha acesso aos autos na PGFN.

Em novembro de 2019, a corte do Rio de Janeiro havia determinado à Fazenda Nacional que impugnasse o pedido de cumprimento da sentença. Em dezembro, a União confirmou ter recebido essa intimação. Mas nada fez depois. Em 13 de março de 2020, a credora Dufry, por meio do escritório de Sergio Bermudes, pediu em juízo a expedição de precatório do crédito principal, de 419 milhões de reais.

Somente quatro dias depois, a Fazenda se manifestou. Dessa vez, representada pelo procurador Pedro Rodrigues Marques Schittini. Ele pediu, em caráter excepcional, “a concessão de derradeiro prazo de 15 dias". O procurador argumentou que seria necessário calcular o valor do precatório. Até então, a PGFN não havia contestado a composição dos valores.

Era tarde: já havia se passado o prazo de 20 dias para impugnação. Ficou caracterizada o que se chama no direito de "preclusão temporal", quando a parte não recorre da decisão no período estipulado.

Deu-se, desde então, uma série de tentativas de reverter o resultado e desobrigar a União de pagar um valor milionário corrigido pela inflação. Dos quase 420 milhões, 412 milhões vão para a Dufry e o restante para o escritório de Bermudes.

A PGFN passou a argumentar que houve cerceamento de sua defesa. O órgão disse que, quando a Justiça decretou o sigilo das peças, anos antes, liberou o acesso somente ao procurador que era responsável por acompanhar o caso. Trata-se de Sérgio Luís de Souza Carneiro, que faleceu no ano passado.

A PGFN, contudo, reconhece que o procurador teve acesso aos autos – documentos e cálculos da dívida – e admite um “fortuito interno”, caracterizado por um “incomum equívoco gerencial por ocasião do deslocamento do processo para outra divisão da Procuradoria”. O "fortuito interno" da Procuradoria da Fazenda Nacional não foi perdoado pela 28ª Vara Federal do Rio nem pelo TRF-2.

“Não se pode pretender a nulidade ou ineficácia de algum ato de comunicação processual que tenha como causa ato praticado pela própria parte, no sentido de omitir-se de informar o órgão judicial sobre um ato por ela praticado fora do processo, em sede administrativa”, escreveu o desembargador Alberto Nogueira Junior, do TRF-2, em maio do ano passado, ao concordar com a decisão da 28ª Vara do Rio. “Do contrário, a validade e a eficácia dos atos processuais praticados pelo juiz e pelos serviços judiciários dependeriam não da correção com que teriam sido feitos segundo as normas legais e regulamentares vigentes, mas sim da pura e simples vontade arbitrária da parte que se omitiu, e que então se veria beneficiada pela sua conduta omissiva.”

De 1 para 400

O processo começou há dez anos, quando a Dufry foi à Justiça questionar débitos relacionados ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, o Fundaf. É dele que saem recursos para financiar o reaparelhamento da Secretaria da Receita Federal e para intensificar a repressão às infrações relativas a mercadorias estrangeiras e a outras modalidades de fraude fiscal ou cambial.

A Dufry diz que foi surpreendida com a sua inscrição em dívida ativa de dois débitos correspondentes à diferença de valores recolhidos ao Fundaf. A empresa contestou a dívida ao dizer que o tributo não atendia aos requisitos constitucionais e legais. Pediu a nulidade da cobrança e a inexigibilidade dos valores, além da devolução do que foi pago indevidamente.

Na petição inicial, a defesa da Dufry citou expressamente dois débitos que, somados, chegavam a 1,6 milhão de reais. O valor foi usado pela PGFN em suas manifestações para contestar os 419 milhões pedidos pela Dufry.

A defesa da empresa, contudo, emplacou a tese de ilegalidade do Fundaf e pediu o ressarcimento dos valores pagos nos cinco anos anteriores à ação e aqueles feitos durante a tramitação. Os pleitos foram atendidos nas duas instâncias.

Em maio deste ano, o juiz Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, da Justiça do Rio, determinou a suspensão do processo até a comunicação de depósito dos precatórios por parte da Fazenda Nacional. Todos estão de olho em um novo “fortuito interno”.

Atualização às 19h52 de 22 de julho de 2024:

Em nota, o escritório de Bermudes disse que os “valores devidos não resultaram de erro procedimental da Procuradoria da Fazenda Nacional” e que a Justiça reconheceu a cobrança indevida de tributo. Acrescentou ainda que a “União não perdeu prazo para impugnar, porque não havia o que questionar”. Leia a íntegra da nota abaixo.

Nas contestações da PGFN, no entanto, houve várias manifestações contrárias ao valor de 400 milhões, além do pedido de mais prazo para manifestação. 

O escritório de Sergio Bermudes, à época, chegou a classificar os argumentos da PGFN como “malabarismo processual”.

O juiz Firly Nascimento Filho, do TRF-2, usou a palavra negligência ao tratar da atuação da PGFN.

Leia a íntegra da nota:

Exclusivo

Negócios suspeitos de família

13/06/2025 às 10:00

PF investiga contratos do marido de deputada Elcione Barbalho com governo de seu filho no Pará

Leia Mais

STJ dá isenção de custas judiciais a magistrado do TJDFT que ganha 50 mil reais mensais, em média

Leia Mais

Governo aciona STF para ressarcir fraudes no INSS fora do teto de gastos e sem aval do Congresso

Leia Mais

Com dificuldade de quórum, CPI termina sem aprovar relatório que indiciava apenas 16 pessoas

Leia Mais

Câmara examinará cassação da deputada foragida Carla Zambelli, determinada pelo Supremo

Leia Mais

Forçou o contato

11/06/2025 às 20:58

Atacante Bruno Henrique, do Flamengo, é denunciado por participar de esquema de fraude em apostas

Leia Mais

Ministro do STF anula condenação de ex-presidente da Petrobras por compra da refinaria de Pasadena

Leia Mais

Pela moderação

11/06/2025 às 19:50

Com Gilmar, STF tem maioria para ampliar a responsabilidade das big techs por conteúdo de usuários

Leia Mais

Alexandre de Moraes pede ao Ministério da Justiça a extradição de deputada foragida na Itália

Leia Mais

Busca lenta

11/06/2025 às 16:27

Conselheiro pede vista e Cade suspende análise de processo de entidades jornalísticas contra Google

Leia Mais

Oposição trava votação do novo Código Eleitoral na CCJ do Senado e adia discussão para julho

Leia Mais

Dino vota por responsabilização das plataformas sem ordem judicial em casos de conteúdo ilegal

Leia Mais

Aposentada de novo

11/06/2025 às 11:49

CNJ pune desembargadora Sandra Inês, do TJBA, pela 2ª vez - agora, por manter “gabinete paralelo”

Leia Mais

Guerra pelo Safras

11/06/2025 às 06:00

Credores menores contrariam grandes grupos econômicos em processo de recuperação judicial

Leia Mais

General Paulo Sérgio diz ao STF que discutia apenas uma "Garantia da Lei e da Ordem" com Bolsonaro

Leia Mais