Mineração está por trás da discussão sobre exploração de cavernas

Brenno Grillo
Publicada em 24/01/2022 às 17:35
Vista aérea de garimpo de ouro localizado às margens do rio Peixoto de Azevedo, no norte do Mato Grosso, em setembro de 2019. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

A discussão sobre a flexibilização das regras para exploração de cavernas no Brasil ficou um pouco mais robusta hoje (24), após Ricardo Lewandowski suspender parte de decreto editado pelo governo sob o argumento de incentivo à economia.

Apesar de o MPF criticar o texto e a PGR limitar-se a questionar o governo sobre os fundamentos do decreto, o tema foi levado à corte por Rede e Partido Verde - agremiações com fortes laços junto às lutas ambientais e sem força no Congresso para impedir a "boiada" anunciada pelo ex-ministro Ricardo Salles na famigerada reunião ministerial de abril de 2020.

O ponto mais criticado pelos partidos é a permissão dada pelo governo para projetos de exploração considerados de “interesse público” - estima-se que existam cerca de 310 mil cavernas no Brasil, mas apenas pouco mais de 20 mil são catalogadas e minimente conhecidas.

A Rede, por exemplo, argumenta que muitas iniciativas podem receber essa classificação, e que isso já acontece no Brasil com empreendimentos de sistema viário, saneamento, energia, telecomunicações, radiofusão e mineração (com algumas exceções).

E é esse último nicho uma das principais preocupações dos ambientalistas, principalmente pelo poder que tem sobre a política brasileira. Em 2019, o setor correspondia a cerca de 4% do PIB brasileiro e aumentou seu faturamento no ano seguinte, para R$ 209 bilhões - com direito à comemoração por parte do governo, que arrecadou R$ 72,3 bilhões.

Partidos e ambientalistas destacam o rito adotado na elaboração do texto como um dos principais indícios dessa pressão. Acusam o Ministério das Minas e Energia de propor uma nova regulamentação unilateralmente, "sem a devida transparência e discussões públicas, e sem a participação da sociedade civil", segundo a Rede.

A proposta do MME, continuam os partidos, teria sido mandada "diretamente" para o gabinete da Presidência e para a AGU, que foram favoráveis à aprovação. A Secretaria-Geral da Presidência da República já declarou que o decreto moderniza a legislação, “permitindo a exploração responsável e garantindo a preservação ambiental” . 

“O novo texto abre caminho para investimentos em projetos estruturantes fundamentais, geradores de emprego e renda, como a construção de rodovias, ferrovias, linhas de transmissão, dentre outros, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção de cavidades consideradas relevantes”, complementa o órgão.

A preocupação também existe, segundo os críticos do novo decreto, porque há intenção de flexibilizar as regras desde a publicação do Programa de Mineração e Desenvolvimento, em setembro de 2020. Afirmam que um dos tópicos do documento é “aprimorar a regulação que trata de cavidades naturais” e em outras regiões do país - aqui vale lembrar o apoio de Jair Bolsonaro ao garimpo, inclusive em terras indígenas.

“Se baixarem uma norma que mineração é atividade de utilidade pública, isso abre a porteira para que os órgãos ambientais estaduais passem a considerar toda a atividade de mineração de utilidade pública”, criticou em artigo o presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros, Enrico Bernard.

O pesquisador também destacou no texto que essa “é uma mudança de legislação que atende como uma luva os interesses das mineradoras” porque exploração de cavernas sempre foi "uma pedra no sapato da mineração". 

Ricardo Lewandowski, destacou em sua decisão alguns dos argumentos apresentados pelos partidos para suspender o decreto. E listou entre eles as preocupações com a mineração, apesar de não citar o setor diretamente. O ministro acatou, para justificar a suspensão do decreto, a questão da proteção ambiental e o fato de cavernas serem consideradas patrimônios culturais pela legislação brasileira.

"Como se vê, sem maiores dificuldades, o Decreto 10.935/2022 imprimiu um verdadeiro retrocesso na legislação ambiental pátria, ao permitir – sob o manto de uma aparente legalidade – que impactos negativos, de caráter irreversível, afetem cavernas consideradas de máxima relevância ambiental, bem assim a sua área de influência", disse o ministro.

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