Luiz Estevão e a liminar de 700 milhões
Trinta anos após a licitação fraudada para a construção de um prédio da Justiça Trabalhista em São Paulo, o empresário Luiz Estevão ainda deve cerca de 700 milhões de reais pelos desvios cometidos num caso que se tornou exemplo global da impunidade e da corrupção persistentes no Brasil. Dever, deve - mas não precisa pagar.
Desde 2016, o calote de Estevão está protegido por uma liminar sigilosa do Tribunal Regional Federal da Primeira Região. A decisão permitiu ao ex-senador cassado - o primeiro da história - deixar de pagar o dinheiro que desviara dos cofres públicos após a licitação fraudada de 1992.
Segundo a Advocacia-Geral da União, o TRF1 não aprecia desde 2016 recurso contra essa liminar. Como ela segue em vigor, a AGU informou ao Bastidor que não consegue cobrar o que o empresário deve - e havia combinado que pagaria. Procurado, o TRF1 não explica por que, tantos anos depois, o recurso da AGU ainda não foi julgado.
Estevão havia firmado esse acordo em 2012 com a AGU. Comprometia-se a devolver 468 milhões reais à União pelas fraudes cometidas na construção do prédio do TRT. O acordo, firmado para encerrar ação que tramita no TRF1, previa pagamento de 80 milhões à vista e outras 96 parcelas de 4 milhões. Foi anunciado com fanfarra. Hoje, ninguém dá um pio sobre ele.
Maior dono de imóveis do Distrito Federal, Estevão conseguia abater sua dívida por meio do aluguel de prédios e salas a órgãos públicos federais, como ministérios e autarquias - até a Polícia Federal tinha (e tem) contrato com empresas do ex-senador.
Ainda assim, o acordo foi rescindido pela AGU em 2016, por inadimplência do empresário; 241 milhões de reais haviam sido pagos até aquele momento. O processo, portanto, deveria voltar a tramitar, para que a União recebesse o que lhe fora roubado. Havia, segundo a AGU, 106 milhões de reais já depositados nos cofres públicos; o órgão tentava penhorar 1,2 mil imóveis do empresário para abater os desvios. Foi aí que Estevão obteve a liminar do TRF1. Desde então, o processo está parado.
Segundo a Advocacia-Geral da União, a dívida atualizada até outubro de 2021 soma cerca de 700 milhões de reais - esse montante já considera os 241 milhões pagos antes do calote. A defesa de Estevão afirmou à reportagem que entende já ter havido quitação e que os valores serão discutidos em juízo.
O caso Lalau
Ao lado do então juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto, o Lalau (foto acima), Luiz Estevão ajudou a desviar cerca de 170 milhões de reais (em valores da época) durante a construção do prédio do TRT. A descoberta do caso ganhou as manchetes no final dos anos 1990. O empresário brasiliense, um dos maiores bilionários do país, chegou a ser cassado do Senado por causa dos desvios.
A AGU buscou em paraísos fiscais parte do dinheiro comprovadamente desviado dos cofres públicos. A experiência foi decisiva para a criação do Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça, em 2004. Ainda assim, Estevão teve tempo de sobra para, segundo o Ministério Público Federal, esconder seus bens e ativos, sobretudo imóveis.
Ele foi condenado em 2006 a 31 anos de prisão em regime fechado pelos crimes de estelionato, corrupção passiva, formação de quadrilha, uso de documento falso e peculato. Foi preso apenas dez anos depois, após apresentar pouco mais de 30 recursos na Justiça. Em 2020, conseguiu migrar para a prisão domiciliar por conta da pandemia. Um ano depois, logrou progredir para o regime semiaberto.
O Ministério Público Federal fora contra a progressão do regime de Estevão. Ainda em 2019, os procuradores argumentaram que o empresário não poderia ir ao semiaberto antes de pagar o que devia pelos desfalques, além de quitar à vista uma multa de oito milhões de reais estipulada na sentença. (Os argumentos do MPF foram ignorados; Estevão paga, hoje, apenas parte da multa inicial de 8 milhões, e de modo parcelado.)
Em janeiro deste ano, Estevão foi condenado novamente por corrupção. Ele foi julgado culpado em primeira instância por ter corrompido agentes penitenciários, em troca de regalias em sua estadia na prisão da Papuda, onde cumpriu seu regime fechado pelos desvios no TRT. Antes, havia sido condenado também por reformar ilegalmente a ala da Papuda onde puxava cadeia.
Hoje, trinta anos após a licitação fraudada que o tornaria conhecido no Brasil, Estevão está no regime aberto e não precisa usar tornozeleira eletrônica. Como a liminar sigilosa o livra do pagamento dos desvios devidos aos cofres públicos, mantém seus ativos imobiliários. Amplia cada vez mais seus domínios. É dono do portal "Metrópoles" e do time de futebol Brasiliense - negócio pelo qual já foi denunciado por lavagem de dinheiro. Voltou a frequentar as festas da elite da capital federal.
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