De frigorífico a bijuterias
No Brasil, ter bet é um negócio bom, mas tão bom, que até um frigorífico e uma empresa de autopeças se cadastraram no Ministério da Fazenda para ganhar licença de jogatina, revela uma análise do Bastidor nos dados entregues por elas ao governo federal.
A reportagem examinou as 217 empresas cadastradas até agora na Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Os dados foram cruzados com informações públicas, disponíveis na Receita Federal, relacionadas ao registro dessas empresas.
A reportagem observou a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), na qual cada empresa se cadastra. Por lei, as empresas não podem oferecer serviços ou produtos fora daquilo que foram licenciadas para trabalhar.
Além de empresas sediadas em paraísos fiscais, há uma série de empreendimentos que, no papel, não possuem qualquer ligação com a atividade de jogo. Em verdade, boa parte dos CNPJs que tentaram se cadastrar nada tem a ver com a atividade da exploração de jogatina.
Essa análise inicial confirma que o Brasil é uma terra sem lei para as bets - mesmo para aquelas que tentam se legalizar. Além de frigorífico e de loja de autopeças, o Bastidor verificou o cadastro de:
- Uma loja de bijuterias;
- Duas construtoras;
- Uma incorporadora de imóveis;
- Uma revenda de máquinas industriais;
- Agências de publicidade;
- Empresas de consultoria;
- Empresas de processamento de dados;
- Empresas de cobrança;
- Provedores de internet;
- Uma loja de móveis para escritório; e
- Micro e pequenos empresários;
A bet das bijus
Quem se depara na lista com a H.R. Martins Ltda nem imagina que a empresa no interior do Amapá está longe de trabalhar com apostas. Na verdade, sua atividade oficial é um frigorífico chamado Bom Vizinho. O Bastidor tentou contato, mas os números de telefone disponíveis no cadastro não existem.
A Top Beleza Ltda é outro caso curioso. Não há qualquer menção a um site oficial. O endereço registrado remete a uma loja de bijuterias no Brás, em São Paulo. O telefone cadastrado, porém, não é do dono, Isac Nilton do Nascimento Silva, cujo e-mail é "isacsacana".

A Vargas Tecnologia e Vendas Online é uma companhia, de Toledo, no interior do Paraná, registrada na Receita Federal como uma loja de autopeças. Nenhum site oficial foi encontrado e não há menção sequer a algum nome fantasia que poderia representar ligação com o setor de jogos. O endereço do registro, inclusive, é uma loja de carros usados, e não de peças, e o telefone disponível no cadastro, aparentemente ligado ao dono, não responde.
A situação da Gsemp Comércio e Serviços é praticamente idêntica. Assim como a Vargas, ela também é registrada como uma revenda de peças, mas para máquinas de uso industrial. O endereço está localizado em um prédio comercial de Itajaí, no litoral catarinense e o telefone cai na caixa postal.
Ao menos uma das empresas consultadas, a Boa Sorte Prêmios, atua com venda de rifas pela internet. O nome pode ser encontrado em duas contas no Instagram, oferecendo sorteios que vão de carros a depósitos bancários. Essa prática ainda é proibida no Brasil e, frequentemente, influencers digitais que promovem tais sorteios são alvos de operações policiais. Na Receita Federal, a empresa é cadastrada para vender seguros e planos de saúde. Assim como as demais, ninguém atende o telefone disponível no cadastro oficial.
A lista de empresas consta com pelo menos seis microempreendedores individuais (MEIs) que, por definição, não deveriam sequer tentar a sorte para conseguir a outorga. Isso porque esse tipo de empresa pode faturar, no máximo 81 mil reais por ano, valor bem aquém dos 30 milhões necessários para conseguir a licença de operação como casa de apostas.
Muito presentes na lista são as empresas de informática. Algumas são ligadas ao desenvolvimento de softwares, mas outras apenas vendem produtos, sem qualquer conexão com o setor de apostas, ao menos no que diz respeito ao registro formal.
O cadastro de CNPJ de empresas de publicidade também é comum entre quem tenta uma outorga. Isso vale até para grandes empresas do setor, como a Zeroumbet, cuja sócia majoritária é a advogada e influencer Deolane Bezerra, presa recentemente por suspeita de lavagem de dinheiro por meio de apostas online.
O Bastidor encontrou ainda ao menos quatro fintechs na lista de postulantes. Os bancos digitais têm sido usados para fazer a intermediação de dinheiro entre as plataformas de jogo e os apostadores, mas não são obrigados a realizar nenhum tipo de cadastro junto ao Ministério da Fazenda, a menos que queiram operar apostas em sites próprios.
O Ministério da Fazenda diz que a lista de empresas candidatas a operar bets não está fechada e que qualquer empresa pode se cadastrar quando quiser para tentar obter a outorga de funcionamento. Não há prazo para que o pedido seja analisado. Ainda de acordo com a pasta, as companhias que forem rejeitadas serão informadas diretamente e o público só terá acesso à lista das que receberem a autorização.
O processo de escolha dessas empresas tem sido feito de forma pouco transparente. Os cidadãos não podem, por exemplo, acompanhar o passo a passo de cada pedido. Segundo o Ministério da Fazenda isso ocorre para garantir o sigilo de dados pessoais dos donos das empresas.
A falta de transparência do governo Lula sobre os cadastros, os critérios e o modo de definir quem pode ou não ganhar licença será um problema maior em breve. As empresas que não obtiverem outorga poderão recorrer na pasta e buscar liminares na Justiça, como já ocorreu. Sem informações de fácil acesso e consolidadas no domínio público, as casas de jogatina terão mais chances e oportunidades para obter decisões judiciais.
Nota técnica coloca órgãos estaduais na fiscalização das casas de apostas e de influencers
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