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Calhou de ter propina

Alisson Matos
Publicada em 05/02/2024 às 06:00
Fora da vida política, o ex-senador hoje se dedica a consultorias privdas e é visto, com frequência, no Congresso Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O ex-senador Romero Jucá (MDB) está no centro de um esquema de corrupção montado para desviar recursos de obras públicas de infraestrutura em cidades de Roraima. É o que diz um relatório da Polícia Federal, de 231 páginas, que o Bastidor teve acesso com exclusividade. De acordo com o documento, Jucá coordenou a destinação de emendas parlamentares usadas para beneficiar familiares e contou com a participação de empresários do ramo de construção civil e servidores de prefeituras da capital e do interior.

A PF é taxativa ao dizer que Jucá “administrava, chefiava e organizava toda a disposição dos contratos de infraestrutura firmados no contexto do Projeto Calha Norte”. O programa, criado em 1985 e integrado ao Ministério da Defesa em 1999, abrange 442 municípios em 10 estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e, em tese, busca a melhoria da infraestrutura nas áreas de defesa, educação, esporte, segurança pública, saúde, assistência social, transportes e desenvolvimento econômico.

Segundo a pasta responsável, o programa também tem a missão de contribuir para a manutenção da soberania nacional, a integridade territorial e a promoção do desenvolvimento ordenado e sustentável na sua área de atuação.

Os agentes da PF avaliaram convênios, licitações, contratos, movimentações financeiras, ligações telefônicas e mensagens por aplicativo para concluir que o ex-senador recebeu “vantagem financeira indevida” por meio de depósitos e saques de grandes quantias que envolveram contas bancárias pessoais de Jucá, da esposa e de empresas ligadas aos seus filhos.

Os quatro delegados responsáveis pelo documento pedem o indiciamento de Jucá pela prática de corrupção passiva, crime cuja pena varia de dois a 12 anos de reclusão além de multa.

Funcionamento

A estrutura do esquema, segundo a PF, tem indícios de que foi dividida em quatro núcleos: político, administrativo, execução e financeiro. Três empresas aparecem como principais beneficiárias dos recursos da Calha Norte em Roraima entre 2012 e 2017: a Alpha Engenharia, com mais de 30 milhões, a Coema, com mais de 24 milhões, e a Andrade Galvão com mais de 23 milhões.

As duas primeira são destacadas nas investigações. Foram cinco as prefeituras que assinaram contratos com o programa: Caroebe, Mucajaí, Caracaraí, Bonfim e a maior delas, a capital Boa Vista, que tinha como prefeita Teresa Surita, ex-esposa de Jucá.

Em novembro de 2022, a PF chegou a deflagrar a operação Imhotep, que cumpriu 22 mandados de busca e apreensão. Um dos alvos foi Jucá. Os documentos colhidos corroboraram a versão da corporação. Em suma, a PF diz que Jucá encaminhava emendas parlamentares para cidades do estado. As prefeituras, destinatárias dos recursos, abriam licitações. O processo de escolha da empresa que ficaria responsável pela, no entanto, era direcionado para o concorrente que interessava aos envolvidos no esquema. Vencido o processo e com o dinheiro em mãos, os empresários pagavam propina a Jucá e familiares.

Os valores, normalmente, eram enviados a empresas cujos sócios são filhos do ex-senador: Rodrigo Jucá e Marina Jucá, donos da HMJ Administradora de Holdings LTDA. Marina também é sócia da Boa Vista Mineração, que recebeu recursos. Uma parte dos recursos foi repassada, segundo a PF, para a conta bancária de Jucá e da atual esposa do ex-senador Rosilene Jucá.

Para dissimular a origem do dinheiro, Rodrigo contraia empréstimos junto a bancos e pagava a dívida com a propina. A PF aponta que o método “tem sido cada vez mais usada pelos criminosos, especialmente quando envolve desvios de recursos públicos.”

“Nessa logística financeira, a propósito, os beneficiários das vantagens indevidas (corruptos) operam as seguintes etapas: (i) primeiro simulam a contratação de um empréstimo, nos valores aproximados daquilo que será pago pelos corruptores a título de propina; (ii) em seguida, o dinheiro oriundo do empréstimo é aplicado, transferido ou sacado pelo agente corrupto; (iii) paralelamente a isso, o agente corruptor saca o dinheiro em espécie e o repassa ao corrupto, que, por sua vez, amortiza o empréstimo contraído”, diz o relatório. “Na prática, portanto, o agente corrupto usufruirá livremente o valor contraído do empréstimo, que será quitado com o dinheiro proveniente da “propina”. Logo, sem gerar qualquer vínculo direto, para os órgãos fiscalizadores constará o seguinte: nos créditos, a entrada do dinheiro referente empréstimo contraído; nos débitos, o valor para amortização do empréstimo.”

No documento, a PF traça o roteiro do dinheiro até chegar às contas da família Jucá.

No período investigado, a empresa Copan recebeu, somente da prefeitura de Boa Vista, quase 167 milhões de reais. Da prefeitura de Rorainópolis o valor ultrapassou os 7 milhões. Nesse tempo, uma das sócias da Copan, Gleicy Elennaid, realizou 350 saques que totalizaram 23,6 milhões.

Entre 2012 e 2019, a Copan transferiu mais de 22 milhões de reais para a conta de outro sócio, Eloy José dos Santos Junior. Da conta de Eloy, em 2017 e 2018, saíram mais de 4 milhões de reais para a conta da empresa Boa Vista Mineração, que tem como uma das sócias a filha de Jucá.

As transferências, segundo a PF, ocorreram logo após a Copan ter recebido recursos da prefeitura de Boa Vista, à época comandada por Teresa Surita.

A empresa da filha de Jucá, Boa Vista Mineração, também recebeu, entre 2012 e 2016, mais de 2,2 milhões da Coema.

Já HMJ, que tem como sócios os dois filhos do ex-senador, foi agraciada com 265 mil reais da Alpha Engenharia somente no ano de 2019.

"De início, cumpre registrar que a empresa ALPHA recebeu, no período de 02/01/2012 a 24/07/2018, o montante total de R$ 15.287.081,63, proveniente de ordens bancárias originadas de diversos convênios e instituições, como Prefeituras e outros órgãos. Observou-se, ainda, que a empresa ALPHA adotou como prática usual o saque em espécie de elevadas quantias logo após o recebimento de créditos oriundos de diversos convênios. Isso se dá por meio de cheques sem identificação e por meio de saques realizados pelos sócios ou pelo funcionário ANDRE LUIZ FARIA RODRIGUES", aponta o relatório da PF ao descrever o funcionamento do esquema.

As informações levantadas mostram depósitos do filho de Jucá, Rodrigo, que totalizam 500 mil reais na conta do pai. Rodrigo também depositou 100 mil para a esposa de Jucá, Rosilene, que posteriormente sacou 400 mil em espécie.

Conversas telefônicas e por aplicativos de celular em posse da PF indicam a pressão de Jucá por propina. Em um dos casos, uma pessoa próxima ao ex-senador, identificada como Chica, alerta um empresário de que Jucá estará em Boa Vista dali a alguns dias e que iria cobrar algum valor.

O encontro ocorreu no diretório do MDB na capital de Roraima. A PF montou uma campana e conseguiu flagrar a chegada do empresário citado no local.

Ao todo, a PF analisou mais de 10 convênios em diferentes cidades e pediu o indiciamento de Jucá e mais 12 pessoas que “fraudaram o caráter competitivo de diversos procedimentos licitatórios da Prefeitura de Boa Vista e diversos municípios de Roraima, nos quais foram empregados recursos públicos federais provenientes do Programa Calha Norte, dominando o mercado e eliminando, ainda que parcialmente, a concorrência pública, mediante a formação de ajustes e alianças”.


Além de Jucá, foram indiciados seus filhos, empresários, sócios e funcionários das empresas e alguns servidores públicos envolvidos. Eles podem responder por prática de lavagem de dinheiro, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva e participação em organização criminosa. O relatório seguiu para o Ministério Público Federal, que decidirá se oferece denúncia ou pede mais informações à PF.

Jucá é o personagem que aparece em quase todas as fases do esquema, do início - com o direcionamento das verbas - ao fim - com o recebimento de propina. Mas também participava com fiscalização: na prefeitura de Boa Vista, segundo farta documentação da PF, Jucá colocou uma pessoa de sua estrita confiança para acompanhar o andamento dos convênios e os recursos distribuídos. Em nota ao Bastidor, o ex-senador disse por meio de nota que "está colaborando com toda a investigação e prestando os devidos esclarecimentos" e que "atuou nesta questão cumprindo o seu papel como parlamentar". Leia a íntegra:

O senhor Romero Jucá está colaborando com toda a investigação e prestando os devidos esclarecimentos. Destaca ainda que tal investigação trata de convênios com o programa Calha Norte, firmados entre 2012 e 2017.

Este programa é rigidamente acompanhado pelos órgãos fiscalizadores e pelo Exército Brasileiro, de modo que, em nenhum momento, houve denúncia de irregularidades nas obras realizadas.

 Romero Jucá atuou nesta questão cumprindo o seu papel como parlamentar. Ou seja, fazendo a interlocução entre o Ministério da Defesa e os municípios atendidos para a realização de obras que melhoraram a infraestrutura das cidades e a qualidade de vida das pessoas.

Ressalta-se que todo o trâmite de execução das obras compete única e exclusivamente aos municípios contemplados com os recursos. Portanto, Romero Jucá está tranquilo e confiante de que as investigações irão esclarecer a licitude dos atos praticados.

Atualização às 15h50: Foi acrescentada na matéria a informação de indiciamento dos filhos de Jucá. 

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