Calhou de ter propina
O ex-senador Romero Jucá (MDB) está no centro de um esquema de corrupção montado para desviar recursos de obras públicas de infraestrutura em cidades de Roraima. É o que diz um relatório da Polícia Federal, de 231 páginas, que o Bastidor teve acesso com exclusividade. De acordo com o documento, Jucá coordenou a destinação de emendas parlamentares usadas para beneficiar familiares e contou com a participação de empresários do ramo de construção civil e servidores de prefeituras da capital e do interior.
A PF é taxativa ao dizer que Jucá “administrava, chefiava e organizava toda a disposição dos contratos de infraestrutura firmados no contexto do Projeto Calha Norte”. O programa, criado em 1985 e integrado ao Ministério da Defesa em 1999, abrange 442 municípios em 10 estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e, em tese, busca a melhoria da infraestrutura nas áreas de defesa, educação, esporte, segurança pública, saúde, assistência social, transportes e desenvolvimento econômico.
Segundo a pasta responsável, o programa também tem a missão de contribuir para a manutenção da soberania nacional, a integridade territorial e a promoção do desenvolvimento ordenado e sustentável na sua área de atuação.
Os agentes da PF avaliaram convênios, licitações, contratos, movimentações financeiras, ligações telefônicas e mensagens por aplicativo para concluir que o ex-senador recebeu “vantagem financeira indevida” por meio de depósitos e saques de grandes quantias que envolveram contas bancárias pessoais de Jucá, da esposa e de empresas ligadas aos seus filhos.
Os quatro delegados responsáveis pelo documento pedem o indiciamento de Jucá pela prática de corrupção passiva, crime cuja pena varia de dois a 12 anos de reclusão além de multa.
Funcionamento
A estrutura do esquema, segundo a PF, tem indícios de que foi dividida em quatro núcleos: político, administrativo, execução e financeiro. Três empresas aparecem como principais beneficiárias dos recursos da Calha Norte em Roraima entre 2012 e 2017: a Alpha Engenharia, com mais de 30 milhões, a Coema, com mais de 24 milhões, e a Andrade Galvão com mais de 23 milhões.
As duas primeira são destacadas nas investigações. Foram cinco as prefeituras que assinaram contratos com o programa: Caroebe, Mucajaí, Caracaraí, Bonfim e a maior delas, a capital Boa Vista, que tinha como prefeita Teresa Surita, ex-esposa de Jucá.
Em novembro de 2022, a PF chegou a deflagrar a operação Imhotep, que cumpriu 22 mandados de busca e apreensão. Um dos alvos foi Jucá. Os documentos colhidos corroboraram a versão da corporação. Em suma, a PF diz que Jucá encaminhava emendas parlamentares para cidades do estado. As prefeituras, destinatárias dos recursos, abriam licitações. O processo de escolha da empresa que ficaria responsável pela, no entanto, era direcionado para o concorrente que interessava aos envolvidos no esquema. Vencido o processo e com o dinheiro em mãos, os empresários pagavam propina a Jucá e familiares.
Os valores, normalmente, eram enviados a empresas cujos sócios são filhos do ex-senador: Rodrigo Jucá e Marina Jucá, donos da HMJ Administradora de Holdings LTDA. Marina também é sócia da Boa Vista Mineração, que recebeu recursos. Uma parte dos recursos foi repassada, segundo a PF, para a conta bancária de Jucá e da atual esposa do ex-senador Rosilene Jucá.
Para dissimular a origem do dinheiro, Rodrigo contraia empréstimos junto a bancos e pagava a dívida com a propina. A PF aponta que o método “tem sido cada vez mais usada pelos criminosos, especialmente quando envolve desvios de recursos públicos.”
“Nessa logística financeira, a propósito, os beneficiários das vantagens indevidas (corruptos) operam as seguintes etapas: (i) primeiro simulam a contratação de um empréstimo, nos valores aproximados daquilo que será pago pelos corruptores a título de propina; (ii) em seguida, o dinheiro oriundo do empréstimo é aplicado, transferido ou sacado pelo agente corrupto; (iii) paralelamente a isso, o agente corruptor saca o dinheiro em espécie e o repassa ao corrupto, que, por sua vez, amortiza o empréstimo contraído”, diz o relatório. “Na prática, portanto, o agente corrupto usufruirá livremente o valor contraído do empréstimo, que será quitado com o dinheiro proveniente da “propina”. Logo, sem gerar qualquer vínculo direto, para os órgãos fiscalizadores constará o seguinte: nos créditos, a entrada do dinheiro referente empréstimo contraído; nos débitos, o valor para amortização do empréstimo.”
No documento, a PF traça o roteiro do dinheiro até chegar às contas da família Jucá.
No período investigado, a empresa Copan recebeu, somente da prefeitura de Boa Vista, quase 167 milhões de reais. Da prefeitura de Rorainópolis o valor ultrapassou os 7 milhões. Nesse tempo, uma das sócias da Copan, Gleicy Elennaid, realizou 350 saques que totalizaram 23,6 milhões.
Entre 2012 e 2019, a Copan transferiu mais de 22 milhões de reais para a conta de outro sócio, Eloy José dos Santos Junior. Da conta de Eloy, em 2017 e 2018, saíram mais de 4 milhões de reais para a conta da empresa Boa Vista Mineração, que tem como uma das sócias a filha de Jucá.
As transferências, segundo a PF, ocorreram logo após a Copan ter recebido recursos da prefeitura de Boa Vista, à época comandada por Teresa Surita.

A empresa da filha de Jucá, Boa Vista Mineração, também recebeu, entre 2012 e 2016, mais de 2,2 milhões da Coema.
Já HMJ, que tem como sócios os dois filhos do ex-senador, foi agraciada com 265 mil reais da Alpha Engenharia somente no ano de 2019.
"De início, cumpre registrar que a empresa ALPHA recebeu, no período de 02/01/2012 a 24/07/2018, o montante total de R$ 15.287.081,63, proveniente de ordens bancárias originadas de diversos convênios e instituições, como Prefeituras e outros órgãos. Observou-se, ainda, que a empresa ALPHA adotou como prática usual o saque em espécie de elevadas quantias logo após o recebimento de créditos oriundos de diversos convênios. Isso se dá por meio de cheques sem identificação e por meio de saques realizados pelos sócios ou pelo funcionário ANDRE LUIZ FARIA RODRIGUES", aponta o relatório da PF ao descrever o funcionamento do esquema.
As informações levantadas mostram depósitos do filho de Jucá, Rodrigo, que totalizam 500 mil reais na conta do pai. Rodrigo também depositou 100 mil para a esposa de Jucá, Rosilene, que posteriormente sacou 400 mil em espécie.
Conversas telefônicas e por aplicativos de celular em posse da PF indicam a pressão de Jucá por propina. Em um dos casos, uma pessoa próxima ao ex-senador, identificada como Chica, alerta um empresário de que Jucá estará em Boa Vista dali a alguns dias e que iria cobrar algum valor.
O encontro ocorreu no diretório do MDB na capital de Roraima. A PF montou uma campana e conseguiu flagrar a chegada do empresário citado no local.
Ao todo, a PF analisou mais de 10 convênios em diferentes cidades e pediu o indiciamento de Jucá e mais 12 pessoas que “fraudaram o caráter competitivo de diversos procedimentos licitatórios da Prefeitura de Boa Vista e diversos municípios de Roraima, nos quais foram empregados recursos públicos federais provenientes do Programa Calha Norte, dominando o mercado e eliminando, ainda que parcialmente, a concorrência pública, mediante a formação de ajustes e alianças”.
Além de Jucá, foram indiciados seus filhos, empresários, sócios e funcionários das empresas e alguns servidores públicos envolvidos. Eles podem responder por prática de lavagem de dinheiro, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva e participação em organização criminosa. O relatório seguiu para o Ministério Público Federal, que decidirá se oferece denúncia ou pede mais informações à PF.
Jucá é o personagem que aparece em quase todas as fases do esquema, do início - com o direcionamento das verbas - ao fim - com o recebimento de propina. Mas também participava com fiscalização: na prefeitura de Boa Vista, segundo farta documentação da PF, Jucá colocou uma pessoa de sua estrita confiança para acompanhar o andamento dos convênios e os recursos distribuídos. Em nota ao Bastidor, o ex-senador disse por meio de nota que "está colaborando com toda a investigação e prestando os devidos esclarecimentos" e que "atuou nesta questão cumprindo o seu papel como parlamentar". Leia a íntegra:
O senhor Romero Jucá está colaborando com toda a investigação e prestando os devidos esclarecimentos. Destaca ainda que tal investigação trata de convênios com o programa Calha Norte, firmados entre 2012 e 2017.
Este programa é rigidamente acompanhado pelos órgãos fiscalizadores e pelo Exército Brasileiro, de modo que, em nenhum momento, houve denúncia de irregularidades nas obras realizadas.
Romero Jucá atuou nesta questão cumprindo o seu papel como parlamentar. Ou seja, fazendo a interlocução entre o Ministério da Defesa e os municípios atendidos para a realização de obras que melhoraram a infraestrutura das cidades e a qualidade de vida das pessoas.
Ressalta-se que todo o trâmite de execução das obras compete única e exclusivamente aos municípios contemplados com os recursos. Portanto, Romero Jucá está tranquilo e confiante de que as investigações irão esclarecer a licitude dos atos praticados.
Atualização às 15h50: Foi acrescentada na matéria a informação de indiciamento dos filhos de Jucá.
O hacker caiu
Polícia Civil de São Paulo prende autor do roubo bilionário às contas reservas do Banco Central
Leia MaisA ofensiva petista nas redes
Partido coloca no ar campanha com o mote pobres x ricos para expor o Congresso e a direita
Leia MaisGoverno propõe ressarcir aposentados roubados se puder fazer isso com dinheiro de fora do orçamento
Leia MaisEmpresa de telefonia pede nova blindagem contra credores para duas subsidiárias
Leia MaisFalta de respostas claras sobre maior ataque hacker da história mina confiança no sistema bancário
Leia MaisJuízes contestam Fernando Haddad sobre responsabilidade pelo aumento dos gastos com o programa
Leia MaisPesquisa mostra ceticismo de deputados com anistia e reprovação à estratégia de Bolsonaro
Leia MaisAtaque ao sistema financeiro
PF investiga roubo digital sem precedentes por meio de invasão a empresas centrais do setor bancário
Leia MaisTRF1 suspende decisão que determinava a paralisação de exploração de madeira no Amapá
Leia MaisTCDF manda notificar Secretaria da Educação por baixa qualidade da comida nas escolas
Leia MaisAGU anuncia que Lula resolveu recorrer da decisão do Congresso de derrubar aumento de imposto
Leia MaisAneel permitiu que Enel reajuste tarifa em 13,47%, apesar de falhas no fornecimento no ano passado
Leia MaisViagem secreta sob suspeita
PF investiga ida de dois delegados federais da "PF paralela" para São Paulo após a eleição de 2022
Leia MaisDelegados da investigação da Polícia Federal sobre roubo de aposentados são deslocados
Leia MaisPF concede aposentadoria a Alessandro Moretti, delegado indiciado no inquérito da 'Abin paralela'
Leia Mais