A influência do desembargador na mira da PF
A Polícia Federal deparou com um nome grande nas investigações sobre venda de decisões judiciais a traficantes no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, ou TRF1, um dos principais do país. Trata-se do ex-desembargador Fernando da Costa Tourinho Neto. Os investigadores descobriram que ele foi sócio do advogado Ravik de Barros Bello Ribeiro, filho do desembargador Cândido Ribeiro. Ambos foram alvo recentemente da operação Habeas Pater. Nela, a PF investiga as suspeitas de que um traficante internacional de cocaína foi solto por Cândido após prometer pagar 3,5 milhões de reais em propina ao filho dele.
Tourinho Neto se aposentou há dez anos do TRF1, após uma carreira repleta de controvérsias. Autoproclamado "garantista", Tourinho Neto chegou a anular provas, em 2011, de uma operação da PF contra o bicheiro Carlos Cachoeira. (A decisão foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça.) Anos antes, entre outros episódios, suspendera a prisão do então senador Jader Barbalho, envolvido em desvios de dinheiro público. Tourinho Neto se tornou ainda mais hostil a investigações criminais após ser flagrado em conversa com um filho de desembargador suspeito de vender sentenças. Antes de se aposentar, Tourinho Neto constrangeu um colega do Conselho Nacional de Justiça ao pedir rapidez na transferência de comarca da filha dele, a juíza Lílian Tourinho.
Em 2013, por força da aposentadoria compulsória, Tourinho Neto perdeu o gabinete de desembargador. Mas não a influência no TRF1. Desde então, manteve-se ativo na corte como advogado. Continuou a ser tratado com deferência de desembargador. A amizade com colegas de magistratura resultou em parcerias comerciais com familiares de juízes do tribunal. E a principal parceria consolidou-se com Ravik Bello Ribeiro.
Ser filho do desembargador Cândido Ribeiro não era um problema para Ravik. Nem para seu sócio no Bello Ribeiro e Tourinho Neto Advogados. No mundo jurídico, em que sobrenome indica influência, ser parente de quem decide era solução. O nome do escritório Bello Ribeiro e Tourinho Neto Advogados diz muito para quem conhece esse jogo de influências. Primeiro, há o "Bello", de Ney Bello, também desembargador do TRF1 e tio de Ravik. Em seguida há o "Ribeiro", de Cândido Ribeiro, pai de Ravik. O "Bello Ribeiro" aponta para Daniella Barros Bello Ribeiro, mãe de Ravik e assessora do também desembargador do TRF1 Carlos Augusto Brandão. E "Tourinho Neto" evidencia, claro, o próprio patriarca da família Tourinho.
A soma de sobrenomes virou sociedade comercial meses depois da aposentadoria de Tourinho Neto, em 2013. Foi o próprio Ravik quem registrou o site do novo escritório: belloribeiroetourinhoneto.adv.br. (O site desapareceu da internet, mas o Bastidor obteve os registros dele, quando ainda estava no ar.)
Embora a sociedade fosse conhecida por qualquer assessor do TRF1, passava despercebida de quem não conhecia a corte. E rendia. Em 2016, Cândido pediu vista de um processo em que o filho atuava, ao lado de Tourinho Neto. Os dois defendiam um prefeito que fora preso por corrupção. A decisão do pai de Ravik beneficiou o cliente dos dois, embora o Ministério Público Federal tenha pedido o impedimento de Cândido Ribeiro.
Dois anos depois, Ravik foi alvo de buscas pela Polícia Federal, suspeito de obstruir Justiça numa investigação da PF no Maranhão. O advogado havia aceitado receber imóveis de um cliente que fora alvo da PF. Para não perder os bens, afirmaram a PF e o MPF, o investigado repassou a titularidade de apartamentos a Ravik.
Mesmo sob investigação da PF pelo caso no Maranhão, Ravik seguiu sua vida - e Tourinho Neto seguiu sua parceria com ele. Logo, a PF esbarraria novamente no nome do sócio de Tourinho Neto.
Em 2020, autoridades portuguesas apreenderam 175 quilos de cocaína num jato oriundo de Belo Horizonte, recém-pousado em Lisboa. Uma investigação conjunta entre Brasil e Portugal descobriu que o carregamento integrava uma operação de uma quadrilha internacional de traficantes. A PF conseguiu prender os traficantes brasileiros envolvidos no esquema. Um deles recorreu ao TRF1 para ser solto - e o caso caiu com o desembargador Cândido Ribeiro. Foi aí que um deles recorreu aos serviços de Ravik.
Numa conversa entre o advogado e um representante do criminoso, o filho do desembargador Cândido Ribeiro acertou em 3,5 milhões de reais o valor da propina para que o pai soltasse o traficante. Deu certo, segundo a PF. O desembargador acolheu o habeas corpus do criminoso. (Após a operação da PF, Cândido Ribeiro se aposentou por "invalidez permanente".)
Sob supervisão da ministra do STJ Laurita Vaz, os investigadores agora se debruçam sobre os dados obtidos com as quebras de sigilos de Ravik. Eles suspeitam que a operação com os traficantes não foi a única negociata - mas um modelo de negócios lucrativo. Os policiais acreditam que Ravik não agiu sozinho. O advogado, suspeitam os investigadores, precisava de sócios para ter sucesso em sua empreitada criminosa. E, pelo histórico da parceria, o ex-desembargador Tourinho Neto entrou na mira da PF.
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