O COE é nosso

Alisson Matos
Publicada em 16/12/2024 às 06:00
COE é a modalidade que mais gera protestos judiciais contra a XP e suas credenciadas. Foto: Reprodução redes sociais

Um cliente da XP Investimentos acusa a corretora e uma assessoria financeira vinculada a ela de incentivarem investimentos ruins que fugiam do seu perfil inicial - indicado pela própria XP - e que resultaram em prejuízos. Marcos Roberto da Silva Dias, ferramenteiro aposentado de 54 anos, diz se sentir enganado após adquirir um empréstimo que não necessitava e fazer um seguro de vida com parcelas anuais que ultrapassam os 10 mil reais.

O Bastidor teve acesso a mensagens de Whatsapp trocadas pelo aposentado com assessores da Ável Investimentos - empresa credenciada na XP e registrada na CVM (Comissão de Valores Imobiliários) - e com funcionários da própria XP entre 2022 e 2024.

Marcos começou a investir na XP em 2022 após ler notícias que indicavam a corretora. Imaginou que trataria sempre com funcionários da própria XP. Não sabia das credenciadas. Planejava fazer aplicações com pouco risco, mesmo que com ganho reduzido. O objetivo era elevar os vencimentos após aposentadoria.

O cliente, de Sorocaba, no interior de São Paulo, afirma que, após perceber os maus negócios, buscou esclarecimentos. Não raramente as respostas vinham acompanhadas de sugestões para novos investimentos que fugiam do seu perfil.

Ele reclama que passou a receber várias ligações com ofertas que sempre deveriam ser fechadas naquele instante, sem muito tempo para pensar. Estranha que, após colocar dinheiro na XP, começou a receber contatos dos assessores das credenciadas e não de funcionários da própria XP. Acrescenta que confiou nas empresas as economias de uma vida. Critica a troca constante de responsáveis pela assessoria logo após concretizarem alguma aplicação. Diz que foi mal informado sobre o seguro de vida. Em tese, ele poderia resgatar parte do que foi pago antes de 10 anos. Não era assim. Ao Bastidor, disse que foi feito de palhaço.

Em uma das conversas com um assessor da Ável, identificado como Pedro, em outubro de 2022, Marcos ressaltou que o seu perfil de investimento era conservador, devido à instabilidade política. Foram recomendadas ações do Banco do Brasil para resgate dali a um ano e meio.

O assessor logo pediu que o cliente mudasse o seu perfil de conservador para agressivo no próprio aplicativo da XP. Só assim o investimento em ações do BB seria liberado.

O aposentado chegou a sugerir que as aplicações fossem pulverizadas em ações de outras empresas. O assessor insistiu que a maior parte tivesse como destino as ações do BB. Marcos confiou. Pontuou que o especialista ali era o funcionário da Ável.

Em um dos trechos da conversa, o assessor diz que ele só conseguiria enviar o comando de aplicação para a compra de ações do BB. Para as demais, que eram do interesse de Marcos, o assessor mandaria apenas instruções.

Em outras conversas, entre 2023 e 2024, com o assessor da Ável identificado como Marcelo Nunes, são pedidas informações sobre os ativos do cliente em outras instituições financeiras para se fazer um “estudo completo da carteira”. Apesar da resistência, ele mandou e assinou um termo de transferência de CDB (Certificado de Depósito Bancário) do banco Mercantil para a XP com o objetivo de "melhorar a rentabilidade". Acreditava ser a melhor opção.

É nesse diálogo que se vê com frequência menções a COEs, os certificados de operações estruturadas, que normalmente são vinculados a empréstimos junto ao banco da XP.

"A aplicação do COE deu uma caída hoje", escreveu Marcos no dia 8 de janeiro de 2024. "O cenário das aplicações muda todo dia, mas pra nós que somos leigos da um medo de ver a aplicação caindo", completou. O assessor Marcelo respondeu com uma risada e disse que era preciso acreditar no longo prazo.

No dia 15 de fevereiro, Marcos volta a citar o COE. "Estou preocupado (...), o rendimento caiu, mas o empréstimo que foi feito sobe todo dia, uns 100 por dia, estou preocupado que logo o valor do empréstimo vai ficar maior que o que investi".

O assessor diz que "conforme a gente tinha conversado, o COE tem uma taxa fixa e a taxa do empréstimo vem caindo, conforme a Selic. E na outra ponta uma parte em renda variável que vai variar mesmo... Mas o empréstimo está caindo".

Funciona assim: o cliente aplica o dinheiro em COE, com carência de cinco anos, e toma um empréstimo. Em tese, os rendimentos do COE superariam os juros do empréstimo e ainda sobraria uma boa quantia. Como mostra o Bastidor desde agosto, não é o que ocorre normalmente. Essa modalidade de investimento é a que mais gera protestos judiciais contra a XP e suas credenciadas.

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma assessoria de investimentos credenciada à XP a pagar 150 mil reais – decorrentes de juros de um empréstimo - a um cliente que diz ter sido enganado.

Marcos Dias aplicou ao todo na XP 250 mil reais. Adquiriu um empréstimo de 184 mil. Diz ter ganho algo em torno de 17 mil com o investimento. Os juros, no entanto, já levaram o empréstimo a 213 mil, valor superior aos rendimentos. 

Além do COE, Marcos investiu em ações do BB e de outras empresas que constam na B3. O assessor com quem ele conversava deixou a Ável e Marcos passou a ser atendido por funcionários da XP neste ano. Ouviu que a empresa não se responsabiliza pelos atos da parceira.

Antes de tirar os recursos da XP, quer uma maneira de pagar o empréstimo com os rendimentos do COE, que, por ora, são insuficientes. Ignorou a sugestão de membros da XP para usar recursos próprios para quitar os juros.

O Bastidor buscou a Ável e perguntou sobre o tipo de abordagem dos assessores, se há algum treinamento na XP e se é comum a oferta de seguros de vida.

A assessoria da empresa limitou-se a dizer que “a Ável tem uma política de compliance e governança criteriosa e preza pela transparência e profissionalismo no atendimento aos seus clientes". Afirmou: "Os investidores são orientados sempre com base em seu perfil de risco e objetivos individuais, de forma totalmente personalizada e nada é feito sem total alinhamento e consentimento do cliente. Além disso, o time passa constantemente por treinamentos e avaliações para que o atendimento seja do mais alto nível. O caso mencionado está sendo analisado com rigor e as medidas cabíveis serão tomadas tão logo as apurações sejam concluídas."

A XP disse que não comentaria o caso. Recusou-se a esclarecer se tem alguma responsabilidade sobre aplicações feitas por sugestão de assessores credenciados, se tem controle sobre as empresas parceiras, se dá treinamento aos associados e se houve alguma mudança nos últimos meses com o crescimento das reclamações e contestações judiciais em relação aos COEs. 

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