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Itaú com os Batista

Alisson Matos
Publicada em 25/09/2024 às 06:57
As decisões do Itaú, do CEO Milton Maluhy, de renúncia e a não transferência para outro banco, foram determinantes para a J&F Foto: Flora Pimentel/Divulgação

Surgiu um protagonista de peso na disputa entre J&F e Paper Excellence pelo controle da Eldorado Celulose: o Itaú. O principal banco privado do Brasil tomou uma decisão sigilosa que provocou um terremoto no maior litígio empresarial do país. Trata-se de uma decisão que, na prática, favoreceu o grupo dos irmãos Batista. Ela, a decisão, deflagrou uma cadeia de eventos que culminaram com a renúncia de dois dos três juízes da arbitragem do caso. Ambos - um espanhol e um português - abandonaram o tribunal arbitral, dizendo-se “ameaçados” pela J&F.

O ato decisivo do Itaú aconteceu em 21 de junho. O banco comandado pelo CEO Milton Maluhy comunicou ao tribunal arbitral que deixaria a função de agente depositário do caso. Em português claro, o Itaú desistia de manter cerca de 9 bilhões de reais sob custódia numa conta do banco. À primeira vista, a decisão não fazia sentido. Por que um banco deixaria de ganhar rendimentos fáceis em cima de uma fortuna? Era uma conta de escrow - de depósito em garantia. As respostas viriam em sigilo, nos meses subsequentes. O Bastidor teve acesso aos principais documentos do caso.

Quando a arbitragem entre a J&F e a Paper pelo controle da Eldorado começou, ainda em 2019, os juízes determinaram que a empresa indonésia deveria depositar num banco brasileiro, como uma espécie de caução, o valor inicialmente acertado entre as partes para fechar o negócio. Faltavam cerca de 7,5 bilhões de reais para a Paper adquirir a metade restante das ações da Eldorado ainda em poder da J&F.

A Paper sugeriu o Itaú. As partes e o tribunal concordaram e fecharam um contrato com o banco. O Itaú passaria a cuidar do dinheiro numa conta de escrow. Também guardaria os livros societários da Eldorado. Em caso de vitória da Paper na arbitragem, o dinheiro seria transferido à J&F, encerrando o negócio. Em caso de vitória da J&F, o dinheiro seria devolvido à Paper, também encerrando o negócio. Eventuais danos seriam descontados do valor final.

Ato contínuo, a Paper depositou os 7,5 bilhões de reais no Itaú. Para todos os efeitos, o depósito demonstrava que a empresa indonésia cumpria a sua parte: subordinava uma fortuna ao desfecho da arbitragem. A Paper também perdia o custo de oportunidade desse capital. Os 7,5 bilhões de reais certamente seriam melhor alocados em investimentos.

Quem ganhava, indubitavelmente, era o Itaú. Manter uma conta de garantia dessa magnitude requer trabalho quase nenhum, risco igualmente ínfimo e confere um retorno financeiro valioso e fácil. A aparente confiabilidade do Itaú também oferecia alguma medida de seriedade à decisão final da disputa, em face da insegurança jurídica que prevalece nas controvérsias empresariais brasileiras.

O abandono de 9 bilhões

A renúncia do Itaú, a que o Bastidor teve acesso, surpreendeu os árbitros e a Paper. Nela, o Itaú comunicava que Paper e J&F deveriam nomear em até 60 dias úteis um banco para substitui-lo. Conforme previsto no contrato, se o tribunal arbitral não encontrasse um novo banco no prazo, o dinheiro, que havia rendido e já somava cerca de 9 bilhões de reais, seria devolvido à Paper. O Itaú não explicou por que resolveu abandonar a custódia do dinheiro após cinco anos.

A decisão fazia ainda menos sentido diante da evolução da controvérsia no tribunal arbitral. Em 2021, os árbitros, em sentença unânime, decidiram que a Paper tinha razão. Determinaram que a J&F transferisse as ações remanescentes da Eldorado à Paper. A J&F recorreu à Justiça comum. Alegou que a arbitragem fora parcial à Paper. Em 2022, os irmãos Batista perderam na primeira instância. No ano passado, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo formaram maioria para confirmar a sentença de primeira instância.

Um dia antes do julgamento, em janeiro deste ano, a J&F obteve uma liminar no Superior Tribunal de Justiça que suspendeu o processo. Quanto ao mérito, portanto, os árbitros e juízes que analisaram o caso concordaram com a posição da Paper - ou, visto de outra forma, discordaram da posição da J&F.

As terras de Favreto

Desde que passou a acumular derrotas, porém, a J&F buscou caminhos alternativos para impedir a transferência do controle da Eldorado à Paper. Uma outra frente de batalha abriu-se no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi lá que surgiu, em julho do ano passado, uma liminar do desembargador Rogério Favreto que suspendeu a transferência das ações. Favreto acolheu um pedido de um político ligado a um dos conselheiros da J&F. Ele argumentava que estrangeiros precisavam de autorização prévia do Congresso para comprar terras no Brasil. Favreto concordou que essa hipótese se aplicava ao caso da Eldorado. A transferência de ações, para o desembargador, feria a soberania nacional.

Favreto, que se tornou conhecido nacionalmente em 2018, ao tentar soltar Lula num plantão no domingo, concedeu a liminar no mesmo período em que sua candidatura a uma vaga de ministro no STJ ganhava força. Hoje, ele é um dos favoritos a chegar ao tribunal. Lula, que mantém ótimas relações com os Batista, já disse que Favreto é o candidato dele numa das vagas que será preenchida ainda neste ano.

Sete dias depois da liminar do STJ, Favreto negou um pedido da J&F para obrigar o Itaú a entregar os livros societários ao TRF4 e bloquear o dinheiro sob custódia. Essa decisão parecia, à primeira vista, delimitar o alcance da liminar do desembargador. A intenção dele, ao suspender a transferência de ações, era, ao menos de acordo com o prosseguir do processo e uma interpretação razoável dessa decisão, paralisar o caso - e não destruir a arbitragem, reverter o negócio firmado com a Paper e manter a Eldorado sob controle total da J&F.

Como o STJ paralisou a tentativa da J&F de anular a arbitragem na Justiça de São Paulo, as decisões de Favreto deslocaram o conflito ao TRF4. Surgiram outros autos relacionados à ação principal. Esse emaranhado de processos favoreceu a J&F. A Paper precisava ganhar todas para consumar o negócio que fechara em 2017. O grupo dos irmãos Batista precisava apenas não perder uma das frentes que abrira na Justiça.

No começo de abril, num desses processos, Favreto reafirmou que o tribunal arbitral não poderia tomar qualquer medida que desse prosseguimento à transferência de ações. Mais uma vez, e essa questão é fundamental, não acolheu o pedido expresso dos Batista para suspender a arbitragem. Os colegas de Favreto na terceira turma do TRF4 seguiram o voto dele.

Ameaça de imputação de crimes

No dia seguinte, a Eldorado, comandada pelos Batista, acionou extrajudicialmente o Itaú. Argumentou que o banco deveria devolver a ela os livros societários e à Paper, o dinheiro sob custódia. Os Batista começaram, ali, a subir o tom. Afirmaram que o Itaú desobedeceria a uma ordem judicial se não cumprisse a determinação do grupo.

É nesse momento que a J&F passa a ameaçar com crimes de desobediência todos que não interpretassem como ela as decisões de Favreto. Para os Batista, a “suspensão da arbitragem” era um fato. E suspender a arbitragem significava, forçosamente, que o Itaú deveria devolver os livros e o dinheiro. Por quê? Por decorrência lógica, insistiam os advogados do grupo.

Em 11 de abril, dois dias após a nova decisão de Favreto, o Itaú buscou esclarecimentos junto ao desembargador. O banco quis saber se a J&F tinha razão na interpretação que fazia. O próprio Itaú escreveu ao desembargador que o entendimento não ficava claro. “Pela nossa leitura, o acórdão não é expresso sobre a extinção do contrato de custódia, com a consequente devolução dos Livros de Transferência de Ações e, também, dos recursos em custódia, ambos objeto do referido contrato”, escreveram os advogados do banco.

Favreto não respondeu - até hoje.

As notificações se multiplicam

Embora sem obter resposta do desembargador, o Itaú resolveu rescindir o contrato de custódia do dinheiro. A decisão favoreceu os irmãos Batista: a J&F teria, como, de fato, teve, condições de impedir a troca de bancos e, consequentemente, forçar o Itaú a devolver os 9 bilhões à Paper.

Em 30 de julho, a terceira turma do TRF4 confirmou a liminar inicial de Favreto. Os desembargadores, além de suspender os atos de transferência das ações da Eldorado em posse da J&F para a Paper, bloquearam a decisão da corte arbitral que criava um "órgão de coordenação" da empresa, com participação dos indonésios. No dia seguinte, o acórdão redigido por Favreto trazia, pela primeira vez, a expressão "suspensão do procedimento arbitral".

Num espaço de poucos meses, uma liminar que suspendia a transferência de ações transformou-se numa decisão colegiada que suspendeu toda a arbitragem. Esta, por sua vez, virou uma decisão que, no entender da J&F, obrigava o Itaú a devolver os livros de ações e o dinheiro. Pela posição da J&F, o que eles entendiam como suspensão da arbitragem valia para todos os atores do caso - menos para o Itaú. Afinal, se tudo deveria ser paralisado na arbitragem, essa suspensão deveria incluir o contrato do Itaú.

No entender do tribunal arbitral, manter os recursos sob custódia não violaria as decisões de Favreto. O dinheiro e os livros societários estariam congelados, sem qualquer alteração, à espera de um desfecho. Os árbitros aceitaram prosseguir com a escolha de um novo banco.

Em agosto, a Paper foi atrás de bancos que pudessem suceder o Itaú. Evidentemente, sobravam candidatos.

A empresa indonésia indicou o UBS. O banco aceitou. Em seguida, a J&F enviou notificação ao UBS.

Nela, à qual a reportagem teve acesso, o advogado da J&F André Alcântara Ocampos diz que o grupo se opõe à escolha do UBS. Cita a possibilidade de configuração de crime de desobediência caso o banco prossiga. Acrescenta que os administradores do banco podem responder criminalmente se aceitarem fazer parte do processo de arbitragem.

“Vossas senhorias devem se abster de praticar quaisquer atos que decorram das tratativas mantidas”, escreveu o advogado na notificação.

O UBS desistiu.

Em seguida, o BMG aceitou o convite. No dia 12 deste mês, o tribunal arbitral mandou fechar o contrato. O BMG recebeu mensagem semelhante da J&F. Não só o banco mineiro: o próprio Itaú foi notificado, no mesmo dia, em termos duros pelo grupo dos Batista.

Em email ao Itaú, o advogado Lucio Martins, da J&F, chamou de "ilegal" a decisão da corte arbitral de nomear o banco BMG como agente depositário.

Martins diz na mensagem que a J&F não concordava com o ato. Mandou em anexo uma notificação em que citou novamente "crime de desobediência" caso o Itaú transferisse ativos da Eldorado para outra instituição financeira.

Diante do impasse, a Paper solicitou à Corte Internacional de Arbitragem uma multa de 100 milhões de reais ao Itaú caso o banco não transferisse os ativos para uma nova instituição financeira.

Não adiantou. Em 14 de setembro, o Itaú devolveu tudo à Eldorado, conforme consta em comunicado divulgado pela companhia.

Quatro dias depois, a defesa da J&F protocolou nova petição no TRF4. Pediu urgência na confirmação de que os livros societários deveriam permanecer sob a guarda e responsabilidade da Eldorado.

A resposta veio no dia seguinte, em despacho do desembargador João Batista Silveira, vice-presidente do TRF4. Ele foi favorável aos irmãos Batista e reforçou a autorização para que os ativos fossem devolvidos. O desembargador Batista confirmou, finalmente, e como queriam os irmãos Batista, a "suspensão da arbitragem" nos termos da J&F: com o dinheiro da operação devolvido à Paper, com os livros societários em poder da Eldorado e sem uma nova conta de custódia.

A desmoralização da arbitragem

Diante da decisão do desembargador Batista, a atuação do tribunal arbitral perdia o resto de sentido que ainda carregava. Graças à nova liminar e às notificações da J&F que julgou "ameaçadoras", o presidente do tribunal arbitral, Juan Fernández-Armesto, no cargo desde 2019, comunicou sua renúncia na segunda-feira, dia 23.

Armesto confirmou que, após a desistência do Itaú, “devido às alegadas pressões da J&F, nenhum dos possíveis agentes depositários sucessores aceitou o encargo”.

Ele alegou que, além da pressão por parte da J&F para que nenhum outro banco aceitasse ficar com a custódia, a defesa dos irmãos Batista adotou uma postura de confronto contra o tribunal e passou a ameaçá-lo de processo por “prevaricação”, “desobediência” ou “abuso de autoridade”.

Fernández-Armesto disse que não é legítimo “que advogados, atuando em representação da parte que os designou, inconformados com as medidas unânimes adotadas pelo tribunal arbitral, ameacem um árbitro, e em especial o presidente".

Foi acompanhado por outro árbitro responsável pela avaliação do litígio, Paulo Mota Pinto, que criticou as ações da J&F. Disse que considera os fatos graves e que os limites foram ultrapassados pela defesa dos irmãos Batista.

Procurada, a J&F afirmou que não houve pressão. A holding diz que "alertou claramente que o tribunal arbitral estava descumprido ordem judicial e que isso poderia incorrer em diversos crimes". Acrescentou que a "decisão do vice-presidente do TRF-4 disse claramente que o tribunal arbitral estava "desafiando' a Justiça brasileira".

O Itaú disse que não se manifestará por conta das "obrigações de confidencialidade" que o contrato impõe. Não quis responder sobre o motivo da renúncia e recusou-se a comentar se houve ou não pressão por parte da J&F.

Em nota, a Paper afirmou que a renúncia dos árbitros "só confirma que a J&F despreza os contratos, as decisões que lhe são contrárias agindo sem a devida seriedade e ética em suas relações comerciais".

"A J&F, ciente que não tem qualquer chance de vencer legalmente a disputa, recorre a toda espécie de artifícios processuais protelatórios e enganosos para adiar a sua inevitável derrota. Essas ações não apenas põem em xeque o devido processo legal, como também prejudicam a imagem do Brasil no exterior e abalam a confiança dos investidores no País", divulgou.

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