Hospitais filantrópicos e particulares suspendem cirurgias cardíacas pelo SUS
Hospitais filantrópicos e particulares que atendem pelo SUS começaram a deixar de fazer procedimentos cardiológicos de alta complexidade no início deste ano. O motivo é a Portaria 3693/21, do Ministério da Saúde, que reduziu drasticamente os valores pagos por stents, marca-passos e outros itens necessários para cirurgias e procedimentos como cateterismo e angioplastia.
Segundo o vice-presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Francisco Santiago Brito Pereira, a nova tabela de materiais inviabiliza completamente o atendimento. Em um dos exemplos, ele cita que um stent, usado para expandir as vias circulatórias de um paciente com infarto, teve o valor reduzido de mais de R$ 2,3 mil para R$ 341,17.
Os valores da tabela do SUS servem como referência para a compra desses itens. O ministério se dispõe a pagar, no máximo, o valor estipulado na lista. Caso o item seja mais caro, o governo federal não arca com o custo excedente. Com a portaria, o governo estima economizar até R$ 292,6 milhões.
“Vai inviabilizar mais de 3,8 mil hospitais em todo o país, que atendem 85% das necessidades do SUS”, diz Pereira. Ele afirma que a medida coloca em risco a vida de milhões de brasileiros que sofrem com problemas cardíacos. O Portal da Transparência dos cartórios de registro civil contabiliza 208 mil mortes por doenças do coração em 2021. Metade delas foram por infarto.
Redução de financiamento assusta
O médico Paulo Ricardo Avancini Caramori, membro do Conselho da Sociedade Brasileira de Cardiologia, diz que o setor recebeu a tabela com apreensão. Ele afirma que os cortes devem ser reintroduzidos no SUS de alguma outra forma, sob o risco de inviabilizar completamente o sistema.
“O financiamento do sistema sempre foi muito discutido no Brasil. Agora estão mexendo no financiamento. A primeira ação foi reduzir o financiamento, o que não soa bem”, diz.
Os especialistas acreditam que a redução expressiva de preços foi feita com base em preços pagos em grandes licitações ou por redes de hospitais e planos de saúde. Para os pequenos e médios hospitais, essa realidade é diferente. Por não terem acesso a compras em grandes quantidades, têm menos margem para negociação com os fornecedores.
Já os planos de saúde e redes particulares conseguem comprar os itens diretamente dos fabricantes fora do Brasil, além de cobrar integralmente dos usuários os valores.
Pereira explica que, apesar dos cortes nos itens cirúrgicos, o governo federal aumentou consideravelmente o preço-base para remédios trombolíticos, que impedem o avanço das doenças cardiovasculares. Embora a medida seja positiva do ponto de vista teórico, a realidade é diferente. A maior parte dos pacientes hospitalizados têm pouco ou nenhum acesso aos medicamentos.
“Ele [ministro] não pode atacar só um lado da questão. Ele tem que ver o tratamento de alta complexidade como um todo. Existe a fase pré-hospitalar, a hospitalar e o definitivo [cirurgia]. A distribuição de medicamentos falha muito, na área oncológica, na de doenças degenerativas, de alta complexidade. É justamente o que nós vemos no nosso dia a dia. Nossos pacientes não recebem a atenção primária corretamente”, conta.
O vice-presidente da FBH diz que Marcelo Queiroga deveria revogar a portaria e ouvir menos os conselheiros. “Embora ele seja um cardiologista, ele nunca foi gestor. Aqui na Paraíba, onde tinha os hospitais da família dele, faliram todos. Eram 3 hospitais e faliram todos. Bom gestor ele não é”, diz.
Culpa dos hospitais
Em nota, o Ministério da Saúde colocou a culpa nas unidades hospitalares. “Os hospitais que integram a alta complexidade cardiovascular, tão relevantes aos brasileiros, não podem depender, exclusivamente, das margens de comercialização de materiais especiais”, diz a pasta.
Segundo o ministério, a tabela foi montada a partir de consultas à Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV) e da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO).
A pasta afirmou que alguns itens da lista tiveram os preços majorados em até 269,59%, como no caso do anel para angioplastia vascular. Os hospitais, por outro lado, alegam que as reduções foram maiores do que os aumentos, o que atrapalha a compra e o atendimento.
O Ministério da Saúde também disse que anunciará em breve novas medidas para “reforçar a assistência cardiovascular no SUS e equalizar distorções, trazendo maior qualidade e sustentabilidade para ações e serviços”. A pasta não adiantou quais seriam as mudanças.
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