Especial: o "fenômeno geológico" da Braskem em Maceió

Samuel Nunes
Publicada em 20/03/2022 às 06:00
Mapa feito pela Braskem mostra o tamanho da área atingida pelo afundamento do solo em Maceió Foto: Divulgação/Braskem

Em nota divulgada ao mercado para comemorar o lucro líquido recorde de R$ 14 bilhões, a mineradora e petroquímica Braskem classificou a tragédia provocada pela empresa em Maceió como “fenômeno geológico”. O texto foi publicado na quinta-feira, 19.

Em 2018, moradores de cinco bairros da capital alagoana começaram a perceber rachaduras nas casas em que viviam. Nas mesmas áreas, também foram sentidos tremores de terra incomuns para essa região do Brasil. Estudos divulgados um ano depois comprovaram que os problemas foram causados pela exploração irregular de sal-gema, composto químico natural utilizado nas atividades industriais da Braskem, para a produção de PVC. 

A extração do sal-gema em Maceió foi realizada por meio de poços escavados de forma inadequada sob os bairros atingidos pelo problema e abaixo da Lagoa Mundaú. O subsolo do local se assemelha atualmente a uma peça de queijo, com buracos imensos que comprometem a estrutura acima.

Os imóveis atingidos ficam sobre uma encosta conhecida como Morro do Mutange, às margens da Lagoa Mundaú. Segundo a Braskem, não só as casas, mas o próprio morro precisará vir abaixo. Os 30 poços abertos pela empresa serão cobertos com areia. Até o mês passado, a companhia só havia conseguido encher 48% dos dois primeiros poços.

No documento ao mercado, a Braskem afirma que até fevereiro deste ano mais de 14 mil imóveis da região foram desocupados. Desses, 10,2 mil famílias e comerciantes firmaram acordos de compensação com a empresa. A Braskem diz que já pagou R$ 2,18 bilhões em indenizações e compensações aos atingidos pela tragédia ambiental. O valor representa pouco mais de 15% do lucro total da empresa em 2021.

Morador de Maceió, o defensor público da União Diego Alves se revoltou com a denominação dada pela empresa sobre o desastre ambiental. O advogado atua junto às comunidades desde a descoberta do problema. Ele diz que não se trata de “fenômeno geológico”, mas uma ação antrópica, realizada pela Braskem. 

“Uma frase como essa só estimula uma sensação maior de injustiça. O direito não está aí para decretar pena de morte, perpétua ou acabar com a empresa, mas se a própria empresa não reconhece aquilo que está visível, isso é realmente lamentável, para o processo”, afirma.

Livre e espontânea pressão

O presidente da ONG SOS Pinheiro, Geraldo Vasconcelos, afirma que a Braskem está cumprindo o acordo que firmou com as autoridades locais para ressarcir as famílias e empresas atingidas pelo desastre. No entanto, ele diz que a empresa está pagando as indenizações com base em avaliações que ela própria faz sobre o preço dos imóveis condenados.

Vasconcelos também era morador do local. “A Braskem me fez uma proposta indecorosa em relação ao valor da minha casa. Vou fazer uma terceira avaliação para mandar para eles. A casa está lá, foi depredada por vândalos, incendiaram a minha suíte”, conta.

A SOS Pinheiro foi uma das primeiras entidades a se mobilizar em favor dos atingidos pelo desastre. Vasconcelos explica que os imóveis tinham muitas diferenças sociais, indo desde mansões milionárias a barracos na encosta do Morro do Mutange. 

A média de valores pagos pela Braskem é de cerca de R$ 200 mil a cada família, mas a quantia real que cada uma recebeu depende da avaliação feita pela Braskem. “Existe um acordo onde a Braskem coloca o preço que quiser na casa da pessoa. Mesmo que tenha uma avaliação maior. Precisam aceitar ou recorrer à Justiça”, diz Vasconcelos.

O morador reclama também dos valores impostos no acordo a título de indenização por danos morais. O documento fixou a quantia em R$ 40 mil para cada família atingida, independente da quantidade de pessoas que viviam no imóvel. “Se era uma família com quatro pessoas, fica R$ 10 mil para cada, mas se tinha 10, cada uma ficou com R$ 4 mil”, aponta.

Diego Alves explica que o acordo prevê que as indenizações sejam justas para ambas as partes. Os moradores que se sentirem lesados têm mecanismos dentro do documento para pedir a revisão dos valores. Caso a solução seja insuficiente, a via judicial também pode ser procurada. 

Apesar dessas garantias, ele diz que a empresa tem desencorajado moradores a ingressar com processos. Isso acontece também com a anuência de advogados dos lesados, que sugerem a aceitação dos valores para evitar a disputa judicial.

Isolamento econômico

A irresponsabilidade da Braskem, que nada teve de “fenômeno geológico”, também provocou problemas a moradores de bairros que ficam no entorno das comunidades atingidas diretamente. No dia 23 de fevereiro, a Defensoria Pública de Alagoas e a OAB-AL divulgaram nota de repúdio contra a empresa. 

As entidades afirmam que a evacuação dos locais atingidos causou o isolamento das comunidades Flexal de Baixo e de Cima do Bebedouro. As áreas dependiam econômica e socialmente dos bairros vizinhos. Com a evacuação, os moradores passaram a sofrer com o fechamento de empresas e serviços básicos, como escolas e creches. 

Os problemas nessas comunidades também se estendem a dificuldades para obter renda e ter fácil acesso ao transporte público.

A Defensoria Estadual e a OAB afirmam que apesar das dificuldades causadas pela Braskem, nenhum morador dessas áreas vizinhas foi indenizado.

Riscos futuros

Os poços abertos pela Braskem também colocam em risco geológico boa parte da cidade de Maceió. Há a possibilidade no futuro de que o buraco sob a Lagoa Mundaú possa ceder e levar consigo as áreas que foram interditadas pela Defesa Civil da cidade.

Caso essa situação se confirme, o mapa de Maceió mudaria completamente no entorno da lagoa. Passados quase quatro anos do início do problema, ainda não se tem certeza do tamanho do estrago que essa possibilidade poderia causar.

O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB), pretende entrar na Justiça contra a Braskem, para pedir indenização da empresa ao município. O acordo firmado com as autoridades prevê o pagamento dos prejuízos apenas aos moradores, mas não à administração da cidade.

A tragédia atingiu cerca de 6% da área do município. O deslocamento dos moradores das casas condenadas para outros bairros provocou danos a toda a infraestrutura da capital alagoana. Isso porque escolas, unidades de saúde, comércio, entre outros também foram fechados e as unidades nas adjacências não estavam preparadas para receber todo o contingente de novos habitantes. Foi preciso deslocar recursos para tentar reformar e ampliar a infraestrutura para acomodar os desalojados.

Braskem no lucro

Geraldo Vasconcelos denuncia ainda que os acordos firmados pela Braskem podem ser vistos como um bom investimento pela empresa. Ao pagar as indenizações, a empresa se torna proprietária dos imóveis dos atingidos. Caso a companhia consiga estabilizar o terreno, poderá no futuro explorar economicamente a região.

“Estão comprando a preço de banana os imóveis da gente. Depois que estabilizarem a área, vão usufruir da área, se não houver algo que os proíba de explorar”, afirma o morador.

“A Braskem está comprando os imóveis, porque naquela região não houve nenhuma desapropriação pelo município. Pelo acordo, foi dada a possibilidade de compra por meio da indenização”, diz Diego Alves.

O defensor lembra que cabe ao poder público evitar que a Braskem acabe lucrando com a tragédia. Ele diz que o Legislativo precisa aprovar um plano diretor, impondo regras para a destinação social da área atingida. 

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