A ilegalidade nas ruas

Diego Escosteguy
Publicada em 02/11/2022 às 18:20
Manifestantes pedem uma intervenção ilegal após as eleições Foto: Isaac Fontana/CJPress/Folhapress

Este 2 de novembro de 2022 provavelmente irá aos livros de História como um dia decisivo para a formação do movimento bolsonarista. Pela primeira vez na história do Brasil, milhares de pessoas foram a portas de quartéis país afora contestar o resultado legítimo de uma eleição presidencial e pedir aos militares a ruptura da ordem constitucional.

Houve manifestações em ao menos 18 estados e no Distrito Federal. Em todas elas, bolsonaristas, vestidos com as cores da bandeira, reuniram-se ao redor de bases do Exército. Os dizeres nos cartazes e as frases de ordem eram semelhantes. Pediam "intervenção federal" sob comando dos militares, com a anulação das eleições e a manutenção de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

O uso da expressão "intervenção federal" entre bolsonaristas ganhou força nos últimos dois dias. Em si, ela não quer dizer nada - só se fosse uma intervenção do governo federal num estado, algo completamente dissociado das intenções bolsonaristas. No contexto em que a expressão é usada, significa intervenção militar - um golpe clássico. Investir na tal "intervenção federal" é um truque para dar ares legalistas a uma ação de propósito ilegal. Novamente: um golpe. Outra expressão usada com tintas cínicas é "desobediência civil".

Clamar por intervenção militar é uma degenerada tradição de mais de 100 anos no Brasil. O golpismo de farda vem desde que a República foi proclamada por meio de um golpe militar a pedido de civis, em 1889. Desde então não faltam "vivandeiras alvoroçadas" interessadas em "provocar extravagâncias do poder militar", como observou há mais de 60 anos o marechal e presidente Castelo Branco. Foi assim no golpe de 1964, que levou a 21 anos de ditadura, o mais longevo domínio dos militares. Trazer os militares à política é um recorrente oportunismo de derrotados; não é invenção dos bolsonaristas de 2022, mas um vício primitivo enraizado. A novidade de hoje está no caminho inverso: paisanos, em grandes números e de modo orgânico, batendo aos quartéis para satisfazer seus desejos antidemocráticos.

Os mesmos líderes, em movimento reforçado e ampliado em redes, voltaram a recorrer a interpretações fantasiosas do artigo 142 da Constituição. Trata-se do artigo que disciplina as Forças Armadas. Vale, mais uma vez, reproduzir o artigo na íntegra: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Embora essa interpretação não seja possível, os bolsonaristas mais radicais insistem que esse artigo permite um golpe militar. Combinado ao pedido de "intervenção federal", o uso político do artigo 142 confere um poder simbólico especial à exortação de golpe. A instrumentalização da bandeira e da própria Constituição para o fim político da insurreição é poderosa. Quem está na frente dos quartéis acredita, de fato, estar do lado certo - da pátria e até do estado democrático de direito.

Os líderes desse movimento sabem bem o que estão fazendo. Manipulam a frustração com o resultado das eleições e os anseios antissistêmicos da base bolsonarista para engajar - e enganar - milhões de brasileiros. É uma radicalização que está em curso desde a eleição de Jair Bolsonaro. Acelerou-se conforme ele e seus aliados questionaram a integridade das urnas e do processo eleitoral.

É eloquente o silêncio do presidente e dos generais que devem obediência à ordem constitucional. Em face de manifestações como as de hoje, o comandante-em-chefe das Forças Armadas tem a obrigação de afastar pretensões golpistas. Tem, também, o dever político de falar à sua base. De explicar que os gritos golpistas não têm lugar numa democracia. Uma democracia que, talvez Bolsonaro não lembre, permitiu a eleição dele em 2018, assim como a eleição em 2022 de um Congresso mais conservador.

Nada indica que o presidente da República fará algo semelhante, apesar da gravidade ímpar dos fatos de hoje. A abstenção de Bolsonaro não permite outra conclusão: ele concorda com os pedidos de golpe. Poderia falar aos anseios de seus eleitores, dialogar com a frustração deles e, ainda assim, dissuadi-los de exortações golpistas. Seria simples, caso Bolsonaro fosse um democrata e jogasse "dentro da quatro linhas" da Constituição. Do jeito que está, ele permanece dentro das quatro linhas, mas estimulando a invasão da torcida para melar o jogo.

Dizer que as manifestações são pacíficas é puro cinismo. É um modo oblíquo de emprestar legitimidade ao propósito antidemocrático delas. A afirmação torna-se ainda mais perturbadora diante dos bloqueios ilegais nas rodovias nos últimos dias.

Caso Bolsonaro não convoque seus apoiadores de volta à legalidade, o 2 de novembro ficará registrado como o dia em que o movimento popular criado pelo presidente saiu da democracia para a clandestinidade golpista.

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