Zanin, a opção pelo atraso
Em 16 de outubro do ano passado, durante o segundo turno da campanha presidencial, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, disse o seguinte no debate da Band: "Não é prudente, não é democrático um presidente da República ter os ministros da Suprema Corte como amigos. Você não indica ministro da Suprema Corte para votar favorável a você e te beneficiar. As pessoas têm que ter currículo, têm quer história". E prosseguiu, olhando para a câmera: "Estou convencido de que tentar mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário é um atraso, um retrocesso que a República brasileira já conhece e eu sou contra. A Suprema Corte tem que ser escolhida por competência, por currículo e não por amizade".
Hoje, dia primeiro de junho de 2023, após meses de uma espera prolongada, acertada com o objetivo de normalizar perante a opinião pública a confirmação do que estava por vir, e logo após um churrasco com ministros do Supremo Tribunal Federal, o agora presidente Lula disse publicamente que indicará o advogado Cristiano Zanin à vaga de Ricardo Lewandowski no tribunal. Não há resistência ao nome dele. Salvo o imponderável, será aprovado no Senado. Em breve, tomará posse como ministro da Suprema Corte. Aos 47 anos, poderá permanecer no tribunal mais poderoso do país até 2050.
Por que, dentre dezenas de nomes, Lula escolheu Zanin? Zanin não pertence a qualquer minoria. Zanin não é de esquerda, a não ser no Twitter. Zanin nunca se destacou por atuar em causas atreladas a direitos humanos. Zanin não é juiz. Zanin nunca atuou no serviço público. Zanin não é um jurista. Não é uma referência doutrinária.
Tudo isso Zanin não é. Mas Zanin tem os atributos que, como o candidato Lula disse, a República brasileira já conhece. É amigo. É praticamente família. Zanin é casado com a também advogada Valeska Teixeira, que por sua vez é filha do advogado Roberto Teixeira. Roberto Teixeira é compadre de Lula. Com Zanin, a família Teixeira chega finalmente ao Supremo. Valeska, artífice das teses jurídicas que derrubaram formalmente a Lava Jato, terá um tamanho em Brasília que pouquíssimos sequer imaginam. Roberto Teixeira ficará distante, mas ganha uma obra da Odebrecht quem comprar a versão de que o velho advogado está rompido com a filha e o genro.
Para Lula, Zanin é o advogado de confiança que o tirou da cadeia e anulou, no mesmo Supremo, suas condenações. Para os demais atores políticos de Brasília, seja no Congresso, seja no Judiciário, Zanin é o advogado que ajudou a enterrar a Lava Jato. E, para alguns privilegiados dentre essa elite, apoiar Zanin na primeira vaga do Supremo deste ano rende capital político para a tentativa de emplacar a segunda vaga, a ser aberta em outubro, com a aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber.
Para Lula e os demais políticos que definem a espécie humana entre quem é "lavajatista" ou "anti-lavajatista", Zanin é um herói. A vaga no Supremo, no fundo, é um prêmio justo, uma paga merecida pela batalha que travou contra o "lawfare" dos "meninos de Curitiba" e, claro, contra o anti-Cristo, o tinhoso na terra: o ex-juiz e senador Sergio Moro. Hoje, nada une mais os políticos de Brasília do que a ojeriza atávica a Moro e a Deltan Dallagnol.
Do outro lado, para quem também divide a vida entre quem apoia a Lava Jato e quem é, oras, corrupto, Zanin significa o oposto: um vilão. O asco que um segmento do eleitorado tem por Deltan é do mesmo tipo que outro segmento apresenta por Zanin. Os dois lados vivem realidades diferentes. Lutam pela primazia moral num país cujos fatos políticos são distorcidos por uma guerra de propaganda incessante, que impede consensos simples acerca do passado recente do Brasil. Um passado incômodo, inaceitável, que aflige o presente.
A opção de Lula - ele mesmo um dos personagens centrais dessa guerra contra os fatos, uma guerra cujo desfecho promete ser trágico para o país - por Zanin é uma consequência lógica da disputa pelo passado, da conquista do presente e da construção do futuro. Lula de volta ao Planalto, e Zanin alçado ao Supremo, são etapas necessárias para que a versão do petista sobre o aconteceu no Brasil prevaleça como narrativa oficial e definitiva. Esqueçam mensalão, Odebrecht, sítios, doleiros, departamentos de propinas e laranjas; esqueçam Antonio Palocci, Marcelo Odebrecht e outros personagens do folclore político brasileiro. O mensalão e, especialmente, a Lava Jato foram obra da sanha moralista de uma elite tacanha, a serviço dos americanos. Criminalizaram a política. Elegeram Jair Bolsonaro. Atacaram o estado democrático de direito. O retorno de Lula é o restabelecimento da verdade histórica. Ao vencedor, os fatos.
A realidade é sempre mais complexa do que narrativas, e, num mundo definido por propagandas e memes simplórios, simpatias ideológicas e sentimentos identitários sobrepõem-se à força das evidências e ao rigor da lógica. É magra a margem para a lucidez e o equilíbrio - para o espírito republicano. A indicação de Zanin apenas confirma o que já se esperava de Lula: a liderança de uma briga feroz, sem fim, para consagrar a sua própria versão da história - uma briga albergada, em certos momentos convenientes, na pretensa defesa do estado democrático de direito. O que, porém, pode ser mais antirrepublicano do que nomear um advogado pessoal para a mais alta corte da República, uma nomeação feita meses após se firmar um compromisso pela defesa das instituições e do estado de direito?
Não faltará os que apontem precedentes semelhantes, de modo a justificar, com verniz forçosamente antirrepublicano, a escolha de Lula. André Mendonça foi advogado-Geral da União do governo Jair Bolsonaro. O mesmo se aplica a Dias Toffoli (AGU de Lula 2) e Gilmar Mendes (AGU de Fernando Henrique Cardoso). Ou a Marco Aurélio Mello (primo de Fernando Collor). Alexandre de Moraes era ministro da Justiça de Michel Temer. São bons precedentes? O leitor e a história podem julgar.
Seja como for, o caso de Zanin é, por sua circunstância única, incomparável. Ao menos no discurso, Lula foi eleito com a garantia de ajudar a restaurar a fé pública nas instituições. O princípio da impessoalidade é um alicerce fundamental para o bom funcionamento delas. A opção de Lula por Zanin é uma opção pela política em minúsculas: um "nome pessoal", como se diz em Brasília, de extrema confiança. Lula conhece bem a opção pelas instituições. Em seus dois primeiros mandatos, com exceção de Toffoli, acolheu-as. Nomeou uma mulher e um negro, além de magistrados e juristas reconhecidos. Era um tempo diferente, em que o presidente aceitava conselhos de Márcio Thomaz Bastos e de Sigmaringa Seixas - um tempo em que o Supremo não era uma corte criminal, em que o Supremo não exercia o poder absoluto de definir a sobrevivência política dos maiores personagens da República.
A opção pelas instituições apresentava riscos. Eram indicações sem o quid pro quo quase explícito visto desde o governo de Michel Temer. Esperava-se do nomeado certo bom senso político, mas não lealdade privada sob qualquer hipótese. Lula e seus aliados sofreram com a opção pelas instituições. Mas não sofreram porque Joaquim Barbosa inventou o mensalão. Nem porque Rodrigo Janot inventou o petrolão. Sofreram porque esses e outros indicados não subordinavam (inteiramente) suas funções às expectativas políticas dos padrinhos.
Um exemplo perfeito do que se espera hoje de um indicado encontra-se em Augusto Aras, o procurador-Geral da República que serviu a Jair Bolsonaro - e a seus aliados no Congresso. Hoje, Aras está tão queimado que dificilmente conseguirá ser reconduzido por Lula, embora trabalhe fortemente por isso. (O leitor talvez não saiba, mas Aras era próximo do PT.) Mas, ainda que não permaneça à frente do Ministério Público, Aras mostrou o valor - o alto valor - que um PGR pode ter em Brasília. Um PGR domesticado é garantia de concórdia na capital: ninguém cai, pois ninguém é acusado. É o garantismo oligárquico em estado puro. Aras mostrou o que é possível, e por isso Lula busca um Aras 2.0.
A indicação de Zanin, portanto, não é algo pontual, como se uma nomeação ao Supremo pudesse ser definida assim. Indica, ou confirma, que outras nomeações estratégicas, seja nos tribunais, seja na PGR, seguirão critérios semelhantes. Amizade acima de currículo. Lealdade acima de princípios. Poder acima de tudo. Desde a redemocratização, e antes dela, as nomeações mais decisivas de um presidente nunca foram um exercício de purismo cívico. Nem, tampouco, foram tão explicitamente desprovidas de intenções republicanas como agora.
Lula garante que não. Assegura que Cristiano Zanin será um ministro competente. Talvez o presidente tenha razão. Zanin é relativamente jovem, tem boa formação jurídica e terá tempo de sobra para aprender a ser ministro - a ser juiz. Não há, por definição, como saber. Sabe-se apenas que, como o candidato Lula definiria, o presidente Lula fez uma opção pelo atraso.
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