Suprema censura

Karen Couto
Publicada em 16/01/2025 às 14:53
Moraes considerou que o direito de imagem de Eduardo Cunha se sobrepõe à liberdade de expressão criativa Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a retirada de circulação do livro "Diário da Cadeia", do escritor Ricardo Lísias, publicado pela Editora Record, por uso indevido do nome do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. A decisão impõe multa diária de 50 mil reais em caso de descumprimento e condena os réus ao pagamento de 30 mil reais por danos morais a Cunha.

O livro de Lísias é um diário fictício em primeira pessoa, utilizando elementos da vida pública e privada do ex-deputado.

Moraes afirma que a redação e a apresentação do livro induzem o público ao erro, configurando violação ao direito à honra e à imagem de Cunha. O ministro não levou em conta o fato de, na capa do livro, estar destacado "pseudônimo" logo abaixo do nome do autor fictício.

A decisão obriga a editora a recolher as unidades distribuídas, remover menções ao nome de Cunha em propagandas e publicar esclarecimentos sobre a autoria do livro em seu site. Segundo a decisão, "não se revela legítimo o uso irrestrito da liberdade de expressão para usurpar a identidade de terceiros", ainda que o autor seja figura pública.

O livro foi lançado em 2017, após o impeachment de Dilma Rousseff, no qual Cunha teve papel decisivo. À época, Eduardo Cunha estava preso e havia anunciado a intenção de escrever um livro. A defesa do ex-deputado argumentou que a publicação do livro de Lísias aproveitou o momento e explorou sua imagem para fins comerciais, violando seus direitos de personalidade.

No STF, os pedidos de Cunha já tinham sido negados monocraticamente pela ministra Rosa Weber, hoje aposentada, e pela Primeira Turma em 2017. O entendimento foi de que o livro se trata de "obra de ficção", e não de biografia ou falsa biografia. Cunha recorreu e o processo foi redistribuído a Moraes, que reverteu as decisões.

Ricardo Lísias é autor de romances, ensaios e livros de contos. Ganhou o prêmio de melhor romance da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 2012 com "O céu dos suicidas" e foi finalista do prêmio Jabuti. Ao Bastidor, ele disse estar "perplexo", e classificou a decisão de Moraes como censura. "O livro faz parte de uma exploração artística e literária que não deveria ser limitada por questões jurídicas", disse.

Segundo Lísias, não há como recolher a obra, pois está esgotada. No site da editora, o livro não está disponível. Pode ser comprado pela Amazon ou em sebos. "Não tenho qualquer poder para tirar de circulação o que é vendido em sebos", disse Lísias.

De acordo com a decisão, a liberdade de expressão é garantida constitucionalmente, mas não é absoluta, devendo respeitar os direitos fundamentais de terceiros. O prazo para cumprimento das determinações é de 60 dias.

Lísias disse que vai recorrer. "Vamos ver o que pode ainda ser feito quanto a decisão judicial, o que não posso é aceitar a censura", disse. Ele afirma que deverá produzir alguma obra artística sobre o episódio.

Leia a íntegra da decisão:

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