Relações lucrativas
Pouco conhecido do público, o mercado de recuperação judicial e falência cresceu expressivamente nos últimos anos. A crise econômica no governo Dilma Roussef, a Lava Jato e a pandemia quebraram inúmeras empresas, algumas delas gigantescas. Como o problema de um é a oportunidade do outro, advogados, alguns deles ex-juízes, ganham bons pagamentos mensais para administrar companhias com muitas dívidas ou, ainda, para pagar credores dos casos em que não há mais salvação.
O número restrito de pessoas atuando no setor favorece um convívio muito próximo entre juízes e advogados, além de contadores e outros profissionais necessários para lidar com a gestão de empresas em dificuldades. Muitas dessas relações ultrapassam as paredes de fóruns, tribunais e gabinetes. Estendem-se a eventos e cursos sobre recuperações judiciais e falências.
Por abrigar parte expressiva do PIB nacional, São Paulo é o mercado mais lucrativo de recuperações e falências. Uma das parcerias que chamam a atenção na capital do estado envolve os advogados Joice Ruiz, da AJ Ruiz, e Francisco Satiro, professor da Faculdade de Direito da USP. Os dois já foram sócios. Joice advogou para Satiro, que foi seu orientador de mestrado.
A proximidade aparentemente rendeu frutos neste ano, quando Joice foi escolhida administradora judicial da Odebrecht Engenharia. A seleção causou estranhamento pelo fato de a AJ Ruiz não ser considerada suficientemente experiente para um caso bilionário como o da empreiteira.
A decisão que colocou Joice sobre uma pilha de dívidas, e de honorários, foi tomada pelo juiz Paulo Furtado poucas horas após o pedido de recuperação judicial ser apresentado pela empreiteira, o que incomodou desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Furtado tem laços com a advogada graças a Satiro, que também foi orientador do magistrado na São Francisco.
Furtado comanda a 2ª Vara de recuperação judicial e falência da capital paulista há anos. Sob o comando do juiz estão alguns dos maiores casos sobre o tema, como os da Polishop e da Tok&Stok. Junto a ele caminha Flavia Botta, da administradora judicial Gatekeeper. Das 59 ações de falência ou recuperação judicial que a advogada tem na cidade de São Paulo, 44 foram nomeações proferidas pelo magistrado, como nos casos das recuperações judiciais dos grupos Castor e GTP, além das falências da BRA Transportes Aéreos e Confecções Amuage. A relação entre Botta e Furtado é tão boa que saiu dos tribunais, com os dois participando de um Chá das Cinco neste ano.
Falar no nome de Paulo Furtado também atrai os de outros dois profissionais bastante conhecidos no mercado de recuperação judicial e falência. São eles o advogado e professor Ricardo Cabezón e Marcelo Sacramone, juiz da 2ª Vara de Recuperação Judicial e Falência de São Paulo (a mesma de Furtado) até junho de 2021, quando tornou-se sócio do escritório de advocacia SOB.
Sacramone conhece Cabezón desde o início da atuação do advogado com recuperações judiciais e falências, no começo dos anos 2010. Foi um dos primeiros magistrados a nomeá-lo como administrador judicial. Dos 361 processos em que Cabezón atua na Justiça da capital paulista, 125 foram nomeações proferidas pela 2ª Vara de Recuperação Judicial e Falência de São Paulo. As outras são partilhadas por varas cíveis e a 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falência de São Paulo.
Cabezón furou a bolha dos profissionais de recuperação judicial e falência quando virou notícia por empregar dois juízes que atuam na área como professores num curso que comanda. Um dos magistrados é Furtado, a outra é Andrea Palma, da 2ª Vara Empresarial Regional de São Paulo, que também nomeou Cabezón como administrador judicial em alguns processos.
Mas não é apenas com Cabezón que Palma tem ligações. Elias Mubarak é outro advogado com quem a juíza tem boa relação, tanto que ele e sua empresa, a Med Arb RB, foram nomeados, ou sugeridos, para mediar diversas ações conduzidas pela magistrada. O profissional até empregou o sobrinho da julgadora como advogado na área de Direito Tributário de seu escritório de advocacia por quase três anos.
Outro advogado influente no setor é Oreste Laspro, um dos maiores administradores judiciais do mercado. O dono da Laspro Consultoria é próximo de Pereira Calças, ex-presidente do TJSP e colega de magistério nas arcadas da Faculdade de Direito da USP, a São Francisco. Calças tem muita influência nas câmaras empresariais do TJSP por ter criado esses colegiados especializados em julgar recursos sobre recuperações judiciais e falências, dentre outros assuntos envolvendo companhias. Não são raros os eventos que contam com a participação de ambos. A dupla também dividiu bancas na USP, e Laspro chegou a ser recebido no TJSP, durante a presidência do ex-magistrado na corte, junto com outros profissionais do setor.
Por todo o Brasil
As amizades no setor de recuperação judicial e falência não são restritas a São Paulo. No Rio de Janeiro, outro estado com muitas empresas em dificuldades, há a parceria entre Bruno Rezende e a família Zveiter, a mais poderosa do Judiciário fluminense graças a Luiz Zveiter, desembargador que presidiu o Tribunal de Justiça em duas ocasiões.
Rezende e Sérgio Zveiter, ex-deputado federal e irmão de Luiz, recebem honorários milionários por administrarem a recuperação judicial das Lojas Americanas, que tem mais de 40 bilhões de reais em dívidas. Os pagamentos previstos pelo caso totalizariam 96 milhões de reais até o fim do processo, mas uma decisão do desembargador Paulo Wunder, do TJRJ, reduziu o montante em 73 milhões de reais a pedido do Ministério Público estadual.
O MPRJ também havia solicitado a exclusão de Rezende ou Zveiter da administração judicial das Americanas, alegando a desnecessidade de dois profissionais num mesmo caso. Porém, os desembargadores da 18ª Câmara de Direito Privado do TJRJ decidiram que o pedido do Ministério Público não tinham amparo na lei e que o tamanho do trabalho exigia a atuação de mais de uma empresa.
Rezende é dono da Preserva-Ação Administração Judicial, e Zveiter, do escritório de Advocacia Zveiter. Foram nomeados para o caso das Americanas pelo juiz Paulo Assed Estefan, na mesma decisão que concedeu o pedido da rede de varejo para escapar dos credores.
No Nordeste, a recuperação judicial da Laginha mostra que há empresas em dificuldades por todo o país e que a proximidade entre profissionais de recuperações judiciais e falências podem ser tamanhas que é preciso tirar o caso do estado. O processo que opõe as famílias Lyra e Collor envolveu tantos amigos e aliados que travou o Tribunal de Justiça de Alagoas e chegou até o STJ e o Supremo Tribunal Federal.
Entre as idas e vindas deste processo, a comissão de juízes responsável pelo caso nomeou um administrador judicial para a massa falida da Laginha que é próximo da família de um dos magistrados. Armando Lemos Wallach, da empresa Vivante Gestão e Administração Judicial, é amigo do empresário Deco Villar, dono da Vector, empresa que oferece serviços financeiros, inclusive fundos de investimentos em direitos creditórios, que negociam dívidas judiciais.
Deco Villar é casado com a advogada Manuella Perez Villar, sócia da também advogada Maria Beatriz Albuquerque no escritório Perez Albuquerque Advocacia e Consultoria. Albuquerque é esposa de Helestron Silva da Costa, um dos juízes que nomeou Wallach para cuidar da massa falida da Laginha.
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