O xerife não tem nada
Depois de dez dias, Alexandre de Moraes divulgou nesta segunda-feira (29) a decisão que decretou operação da Polícia Federal contra oito empresários bolsonaristas que falavam mal do Supremo em grupo do WhatsApp. As 32 páginas do documento mostram que o ministro do Supremo Tribunal Federal não tinha elementos factuais mínimos para determinar medida tão severa.
A decisão de Moraes deu-se após representação da Polícia Federal. O delegado Fábio Schor, responsável pela petição, baseou-se somente em notícia do site Metrópoles sobre as bobagens de caráter golpista ditas pelos empresários no grupo de WhatsApp. Há, portanto, somente relatos de falatórios - o que não é crime. Nenhuma das conversas apresentadas traz qualquer afirmação sobre a organização, ou tentativa de organização, de um golpe. Isso seria crime.
Mesmo assim, Moraes decidiu pela quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático dos empresários, além da busca e apreensão dos respectivos celulares.
Para tentar dar substância a algo que não tem, Moraes e o delegado da PF disseram que alguns dos empresários do grupo do WhatsApp eram, ou ainda são, investigados em inquéritos correlatos. O ministro apresenta elementos colhidos nas investigações anteriores sobre fake news, ato antidemocráticos e milícias digitais. O delegado cita, e Moraes reproduz, fatos já conhecidos acerca desses empresários. Diante das suspeitas pretéritas e permanentes, as conversas deles no grupo de WhatsApp configurariam, por definição, a possibilidade de uma espécie de plano golpista. Esse salto lógico conduziu à autorização das medidas restritivas.
Desde 2019, o ministro comanda inquéritos que apuram suspeitas da existência de organizações criminosas destinadas a quebrar a ordem democrática. Até agora, mesmo nos casos citados pela PF, não houve resultados concretos, embora Moraes tenha mantido afastado das investigações o procurador-Geral da República, Augusto Aras, aliado do presidente Jair Bolsonaro. A prática recorrente viola o sistema acusatório vigente no Brasil, na qual o Ministério Público é o titular da ação penal. Ou seja, só há processo criminal se o MP oferecer denúncia e um juiz imparcial a acolher.
O organograma de Moraes
Para ilustrar uma barafunda de relações frágeis, o gabinete do ministro recorre a organogramas. Os dados são antigos e nada renderam de útil para um processo criminal. Mas mostrariam a conexão entre os investigados, assim como os núcleos da organização criminosa. Os fatos que sustentam os organogramas e as teias de relação entre os personagens, contudo, não parecem sustentar a hipótese criminal da PF.
O delegado e um juiz instrutor de Moraes mencionam depoimentos vagos, prints pouco informativos de conversas em WhatsApp e bilhetinhos apreendidos em etapas anteriores dessas investigações. (O leitor pode conferir abaixo o exato teor dessas evidências.)
Como Moraes considera toda e qualquer ação dos investigados como um crime, sob a luz do atentado ao estado democrático de direito, toda e qualquer relação entre eles demonstra, para o ministro, a existência de uma comunhão criminosa de desígnios. Todo e qualquer pagamento de patrocínio a sites bolsonaristas é indício de financiamento de milícias digitais.
Falas específicas que poderiam ser objeto, na instância competente, de investigação por incitação ao crime acabam diluídas diante da hipótese inverossímil de uma grande conspiração agindo contra a democracia,
Há, por exemplo, prints de conversas do agitador Allan dos Santos, inclusive com Eduardo Bolsonaro (em maio de 2019), confirmando uma parceria com Luciano Hang para financiar o extinto Terça Livre. Não são apresentados comprovantes desses pagamentos, sendo mencionado por Moraes apenas o crescimento da arrecadação do canal no YouTube; passou de pouco mais de 253 mil reais em 2018 para quase 1,3 milhão no ano seguinte.
As outras informações trazidas no documento só apresentam fatos já sabidos, como o uso da plataforma PayPal por Santos para custear o Terça Livre. Parte desse dinheiro seria transferido a outros influenciadores bolsonaristas, segundo Moraes.
Um dos indícios desse financiamento, de acordo com Moraes, é o custeio de alguns ônibus para levar bolsonaristas a Brasília no 7 de setembro de 2021 por Marlon Bonilha. O ministro diz que o dono da empresa Pro Tork recebeu dinheiro de Hang para garantir a viagem dos apoiadores do presidente. Até aí, qual o problema? Nenhum, do ponto de vista criminal. Mas, como esse ato é interpretado automaticamente como apoio a um golpe, ganha relevo que chega perto do ridículo. "Dez caminhões diante do STF" viram, no organograma, o fato que faltava para demonstrar o aparente crime de lesa-pátria.
Leia abaixo a decisão:
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