"O Rivaldo é nosso"

Brenno Grillo
Publicada em 26/03/2024 às 06:00
Rivaldo Barbosa (de terno) conversa com os pais de Marielle logo após o assassinato da vereadora. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A investigação da Polícia Federal mostrou não só o motivo de os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes terem levado seis anos para serem solucionados, mas também o tamanho da infiltração do crime no aparato de segurança pública no Rio. Foi graças à corrupção de policiais e integrantes do Ministério Público do estado que o acobertamento funcionou por seis anos.

Rivaldo Barbosa é figura central não só na morte de Marielle, como também no funcionamento da teia criminosa no governo que protegeu autores e mandantes. Foi o delegado quem deu "carta branca", segundo Ronnie Lessa, para o assassinato e quem operou para impedir a elucidação do crime. "O Rivaldo é nosso" foi a frase dita por Domingos Brazão ao ex-PM para garantir a impunidade pelo crime.

Hoje preso, Rivaldo começou a ganhar destaque quando apareceu na imprensa como pai da unificação das delegacias de homicídios no estado. Em 2015, o delegado justificou a mudança na organização da polícia citando um estudo de oito meses e mais de 180 páginas que previa a criação de um “brevê" para "todo policial que trabalha na Divisão de Homicídios”.

Depois da implantação, Rivaldo coordenou a inteligência policial como subsecretário governo, chefiou a Delegacia de Homicídios da Capital e foi diretor da Divisão de Homicídios. Seu último cargo foi a chefia da Polícia Civil, em 2018, por indicação do general Richard Nunes, secretário de Segurança durante a intervenção federal no estado.

A escolha se deu apesar de a inteligência subordinada a Nunes ter vetado Rivaldo, sob suspeita de ele integrar organização criminosa voltada ao acobertamento de crimes e à coleta ilegal de informações. O general se justifica alegando falta de indícios concretos das acusações.

O setor de inteligência da intervenção federal estava certo, o general, não. A Polícia Federal descobriu que as promoções de Rivaldo se deram por alianças com figuras criminosas locais para receber propina em troca de proteção. Rivaldo era pago para que nenhum crime cometido por seus aliados fosse elucidado.

Só que Rivaldo é amigo de muita gente. Então muitos assassinatos ficaram sem solução, muitos deles de pessoas ligadas a milícias, escolas de samba e jogo do bicho. Em troca, recebia muito dinheiro. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, além de outros delatores, inclusive de outros casos, relatam momentos em que foram cobrados a contribuir.

Lessa disse à PF que a autorização de Rivaldo "é uma forma mais segura de se cometer homicídios na capital fluminense", pois evita o chamado “bote”, que é a extorsão por investigadores abaixo da chefia. O acerto com o coordenador das investigações é conhecida entre policiais como “mineira”.

Élcio disse em sua delação se sentir muito mais seguro com a entrada da PF nas investigações, pois Lessa e e o ex-capitão da PM e chefe da milícia Escritório do Crime Adriano da Nóbrega teriam sido extorquidos pela Delegacia de Homicídios da Capital.

Outro envolvido na investigação, o bicheiro Orlando Curicica, relatou ter sido extorquido em 20 mil reais por integrantes da Delegacia de Homicídios, para que ele e a mulher não fossem acusados de porte ilegal de arma.

Curicica foi acusado na investigação de, junto com o vereador Marcelo Siciliano, ter mandado matar Marielle. A dupla foi usada por Rivaldo para despistar as investigações do rastro dos reais mentores, o próprio delegado e os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão.

Caso Curicica e Siciliano fossem presos, o delegado e os Brazão ainda teriam ganhos políticos, pois disputam os mesmos eleitores. A delegacia homicídios central, chefiada por Rivaldo, foi acusada por Curicica de cobrar R$ 60 mil a 80 mil reais mensais, fora os valores extras que poderiam surgir por conta de crimes com muitas provas."

O delegado usou sua esposa, Erika, como testa de ferro em duas empresas de fachada, em momentos distintos. Por essas companhias Rivaldo movimentou milhões de reais, segundo a PF. A primeira, a Mais I Consultoria, foi aberta em dezembro de 2014 com faturamento previsto de 20 mil reais mensais. Porém, movimentou mais de 2,2 milhões de 1º de junho de 2016 a 18 de junho de 2018.

A segunda empresa, Armis Consultoria, foi aberta em abril de 2016. No fim do ano seguinte, apenas de maio a dezembro, declarou lucro líquido de quase 560 mil reais. A companhia foi aberta depois que Rivaldo assumiu a delegacia de Homicídios da Capital e aparece firmando diversos contratos com grandes nomes da economia nacional.

Alguns dos clientes foram a incorporadora Brookfield e a distribuidora de energia Light, que atua no RJ e pagou 160 mil reais por uma consultoria de segurança e inteligência. Esses e outros casos foram denunciados pelo MPRJ, por descumprimento da Lei de Licitações, mas o caso não andou.

Os dados usados para comprovar o uso indevido das empresa e de Érika foram relatórios do Coaf que mostravam alteração atípica do fluxo financeiro na conta-corrente da mulher de Rivaldo justificados como "lucros e dividendos". Também foram usados registros de imóveis adquiridos pelo casal para comprovar, segundo a PF, a grande evolução patrimonial de 2010 a 2018.

Apesar de prometer resultados a familiares e amigos de Marielle, Rivaldo nomeou na mesma noite do crime, 14 de março, o delegado Giniton Lages, a quem já havia chamado de "delegado completo". A escolha foi pensada justamente para que nada fosse esclarecido.

Entre as artimanhas para barrar a investigação, estão negligência na colheita das imagens e na busca por testemunhas, uso de denúncia anônima falsa para culpar adversário político, sumiço de provas, alegação de erros técnicos e troca sucessiva de delegados - foram 5 em seis anos, muitos deles amigos dos mentores do assassinato.

Em 2015, delegado incumbido de descobrir quem matou Marielle havia assumido a chefia da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense. De acordo com a PF, mais de 30 pessoas foram assassinadas na região por razões políticas deste então.

No dia seguinte ao assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes, a então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, e o então Ministro de Segurança Pública, Raul Jungmann, fizeram uma visita surpresa ao general Richard Nunes. Queriam federalizar as investigações por conta de suspeitas sobre interferência interna pela não solução do crime.

É a partir deste momento que o papel do Ministério Público como ajudante do acobertamento do crime aparece. Todas as autoridades do Rio de Janeiro foram contra o envio do caso para a esfera federal, inclusive os parentes de Marielle, que acreditavam no empenho de Rivaldo.

Além da Polícia Civil do Rio, o principal grupo contrário à federalização era o MP estadual. Todos diziam ter capacidade para cuidar do caso. Em 15 de março de 2018, Dodge nomeou cinco procuradores da República para acompanhar a investigação. Seis dias depois, Eduardo Gussem, então procurador-geral de Justiça do Rio, pediu (e conseguiu) no Conselho Nacional do Ministério Público a suspensão do ato de Dodge.

Descobriu-se depois que Gussem e Rivaldo eram próximos. Um episódio que marca a parceria é a denúncia do Ministério Público contra o delegado, por conta de um contrato de 19 milhões para serviços de tecnologia. Gussem criticou seus subordinados no MP, não o denunciado, Rivaldo.

Gussem também foi acusado pelo ex-secretário de Saúde do RJ Sérgio Côrtes de corrupção. "Côrtes revelou que Gussem, além de receber a vantagem indevida em pecúnia, virou seu paciente e usufruiu dos seus serviços sem pagar, quando fez uma cirurgia no quadril, em São Paulo", detalha a PF no relatório.

A vitória de Gussem no CNMP deixou como incumbido pelo caso o promotor Homero das Neves Freitas Filho. Ele teve carreira meteórica e curta na instituição: foi promovido rapidamente a procurador e se aposentou repentinamente. Um ano depois de largar o funcionalismo público, passou a advogar para Rafael Luz Sousa, vulgo Pulgão, um dos maiores bicheiros do RJ.

Homero já era conhecido das autoridades. Era acusado de ligação com a milícia Escritório do Crime por impedir o andamento de casos de assassinato. "A conduta omissiva de Homero enquanto membro do Ministério Público do Rio de Janeiro não é novidade, sobretudo por ele ter sido uma das engrenagens responsáveis pela condenação do Brasil junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso da Favela Nova Brasília", diz a PF no relatório.

No caso de Marielle, Homero usou de táticas jurídico-burocráticas para atrasar a investigação o máximo que pode. Foi auxiliado pela sucessivas trocas de delegados do caso. Depois de Giniton, outros quatro delegados se sucederam no comando da investigação, até a chegada da Polícia Federal, em fevereiro deste ano.

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