O fator Gilmar

Diego Escosteguy
Publicada em 20/09/2023 às 06:00
O ministro tornou-se peça essencial na composição das vagas no Supremo e na PGR Foto: Agif/Folhapress

O presidente Lula está diante de um problema sem solução simples: como contemplar o ministro Gilmar Mendes nas escolhas do novo procurador-Geral da República e do próximo colega dele no Supremo sem fortalecê-lo a ponto de criar uma sociedade política sem retorno? E mais: como prestigiar Gilmar e seus numerosos aliados no Judiciário e no Congresso sem enfraquecer demasiadamente a ala jurídica do PT?

Há quatro nomes e duas forças políticas nesse jogo - estas não são coesas nem necessariamente antagônicas, mas as disputas pela PGR e pela próxima vaga no Supremo têm potencial para afastá-las. Ao lado de Gilmar Mendes, estão, entre outros, o ministro Alexandre de Moraes, o subprocurador Paulo Gonet e o ministro da Justiça, Flávio Dino. O que se pode chamar de ala jurídica do PT não tem um líder - não se confunde com o grupo “Prerrogativas”. Seus expoentes, nesse momento, são o advogado-Geral da União, Jorge Messias, o subprocurador Antônio Carlos Bigonha, o advogado Marco Aurélio Carvalho e o senador Jaques Wagner.

Bancados por seus respectivos padrinhos, Flávio Dino e Jorge Messias disputam a vaga de Rosa Weber. Na PGR, as opções são Gonet e Bigonha; por fora, com apoio de Aras, corre o subprocurador Luiz Augusto Santos Lima. Qualquer nome fora desses cinco será uma grande surpresa para os envolvidos nas articulações. Todos homens, como previsto. 

O fator gênero é, tanto para Lula quanto para os principais atores dessas articulações, um problema de imagem - uma questão a ser resolvida politicamente, e não um critério. Apenas a primeira-dama Janja da Silva tem prestígio, embora por ora insuficiente, para influenciar na escolha de uma mulher para quaisquer uma das vagas. São outros os princípios e os interesses que regem ambas as decisões. Eles são nítidos a quem se dispõe a enxergá-los.

Lula já demonstrou, direta e indiretamente, querer dos dois indicados lealdade política e afinidade ideológica. Lealdade envolve abertura para diálogo e, como sempre está implícito em nomeações dessa envergadura, blindagem criminal - especialmente no caso do PGR, o único que pode oferecer denúncia contra um presidente e demais autoridades com foro no Supremo. Afinidade se mistura à lealdade. Manifesta-se, hoje, no entendimento comum à elite de Brasília de que a Lava Jato foi longe demais; uma maneira de dizer que errados estavam os investigadores, não os investigados. Esse entendimento associa-se a outro: o de que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo precisam ser expulsos da vida pública.

Dois ativos tornam-se fundamentais nesse jogo: demonstrações de lealdade a Lula e demonstrações contra a Lava Jato e seus próceres, como Sergio Moro e Deltan Dallagnol. A combinação dos dois tipos de demonstração numa só é o tipo de oportunidade perfeita para se fortalecer perante o presidente e Gilmar - vide o exemplo de Cristiano Zanin. 

É por que isso Flávio Dino cresce tanto às vésperas da nomeação do sucessor de Rosa Weber. O ministro da Justiça defende Lula incessantemente. E ataca a Lava Jato - qualquer pessoa ou aspecto da Lava Jato - com a mesma intensidade. Age da mesma forma em relação a Bolsonaro e bolsonaristas. Faz o que Lula aparenta mais querer, mesmo que essa postura agrave o longo processo de contaminação política da Polícia Federal. Defende como pode Alexandre Moraes e a cruzada do ministro contra o bolsonarismo. (Em Brasília, devido processo legal é um ativo, não um princípio: e somente para os amigos; jamais para os adversários.)

O problema para Lula é o desequilíbrio que suas decisões podem causar entre as duas forças políticas. Gonet, ex-sócio de Gilmar, no comando da PGR significa, em tese, a manutenção da concórdia assegurada por Augusto Aras - a extinção prática e lenta de investigações criminais contra autoridades com foro. Ninguém duvida da qualificação técnica de Gonet. Mas ninguém espera que os rumos da PGR alterem-se com ele à frente do órgão. 

Para Gilmar, adversário há duas décadas de procuradores e promotores, a nomeação de Gonet representaria um triunfo inigualável. Que isso possa acontecer numa gestão do PT revela o quanto Lula e seu partido mudaram. Gilmar, afinal, sempre esteve no mesmo lugar, com as mesmas posições. Lula mudou tanto que mencionar a lista tríplice para escolha do PGR em 2023 parece uma piada envelhecida, de um país que nunca existiu.

A opção por Bigonha, simpático ao PT, poderia ter, ou pode ter, o mesmo efeito prático desejado por Lula. Fortaleceria os líderes do partido e subtrairia de Gilmar um troféu que ele persegue há anos. Não à toa, Gilmar tenta alertar o presidente de que Bigonha tem o mesmo perfil de Rodrigo Janot. De que, com Bigonha, as "práticas" da Lava Jato podem ressurgir. Bigonha, de fato, não tem ascensão entre os colegas. Críticos da candidatura dele, e eles são numerosos, gostam de dizer que as habilidades de Bigonha como pianista precedem as virtudes dele como procurador da República. Seja como for, a construção da candidatura de Gonet tomou tal tamanho que, caso ele não seja nomeado, Gilmar sofrerá uma derrota expressiva. E uma derrota desse jaez arrisca pôr fim à aliança tática entre o ministro e seu grupo e o governo Lula.

Seja com Gonet, seja com Bigonha, seja com Luiz Augusto Santos Lima, Lula terá uma dificuldade aparentemente intransponível na PGR: certeza de diálogo e lealdade. O presidente não tem mais relações políticas fortes no Ministério Público, nem conselheiros jurídicos de confiança, como eram os advogados Sigmaringa Seixas e Márcio Thomaz Bastos. Em qualquer cenário, Lula terá que construir uma relação política com um PGR já nomeado. E será um Lula traumatizado pela prisão, pela Lava Jato e pelo poder do Ministério Público.

A indicação de Gonet à PGR pode satisfazer Gilmar, mas a indicação dupla de Gonet e Dino resultaria num Gilmar anabolizado. Gilmar está longe de ser o único apoiador de Dino. Políticos de expressão e grandes empresários estão encantados com a perspectiva de que o ministro da Justiça chegue ao Supremo. Trabalham silenciosamente por ele. Acreditam que Dino é mais pragmático do que Jorge Messias. O favoritismo do ministro da Justiça é tamanho que seus aliados indicam que a vaga se tornou dele para perder.

Diante dos interesses de Lula e da condução política que ele estabeleceu para essas nomeações, porém, o combo Gonet e Jorge Messias faria mais sentido. Além de contemplar Gilmar, a indicação de Messias prestigiaria o PT e a maioria dos advogados influentes associados ao partido e ao governo. Seria uma aposta no partido que tanto apostou em Lula, mesmo nos momentos mais difíceis da Lava Jato.

O AGU conduz sua campanha com discrição; Dino, com barulho. Uma vez investido no Supremo, qual dos dois, se a escolha se ativer a eles, teria menos apetite para construir uma carreira política na corte, com um projeto próprio de poder? A resposta parece óbvia - e assim é encarada entre alguns dos principais interlocutores de Lula. Ainda assim, os interesses de Lula no Judiciário e no Ministério Público estão mais alinhados com Gilmar Mendes do que com seus correligionários. Ao enfrentar o dilema que se apresenta, Lula indicou que tentará conciliar as duas forças políticas - desde que elas sirvam a ele. Mas, se for preciso escolher um aliado, Lula optará por Gilmar. O PT depende do presidente e sempre estará a seu lado. Gilmar está do lado de Gilmar. É um aliado poderoso - e um adversário ainda mais formidável.

O STF tem cinco votos contra decisão que afrouxou a Lei das Estatais. Julgamento termina amanhã (9)

Leia Mais

Presidente da Petrobras estuda possibilidades de afrouxar normas de controle contra corrupção

Leia Mais

Insatisfeitos, velhos aliados reclamam de não conseguir falar com Lula sem passar pela primeira-dama

Leia Mais

A lei que incomoda

08/05/2024 às 06:00

STF retoma julgamento delicado para o governo e que pode ser suspenso de novo para ganhar tempo

Leia Mais

No lugar de Moraes

07/05/2024 às 19:30

Cármen e Kassio são eleitos para gerir o Tribunal Superior Eleitoral de agosto deste ano até 2026.

Leia Mais

Senado aprova decreto legislativo que reconhece a situação do RS e facilita distribuição de recursos

Leia Mais

Parlamentares dizem que decisão de Zanin de barrar a desoneração foi feita baseada em dados errados

Leia Mais

Não fui eu

07/05/2024 às 16:00

Empresário nega ter ajudado o PL a produzir o relatório que apontava falsa fraude nas eleições

Leia Mais

Câmara vota nesta terça-feira decreto legislativo para liberar dinheiro ao Rio Grande do Sul.

Leia Mais

Lula chama chefes dos Três Poderes para assinar reunião sobre ajuda a vítimas das chuvas no RS

Leia Mais

Chega de desculpas

06/05/2024 às 16:00

Justiça baiana determina novamente que Ferbasa e instituição ligada à empresa entreguem documentos.

Leia Mais

Depois de visitar a Venezuela, Reza Ramazani desembarcou em São Paulo para conferência muçulmana

Leia Mais

Já circula entre petistas os ensaios de movimentos que Lula fará em busca da reeleição

Leia Mais

Cúpula do Cade e do TCU vai à praia e ignora potencial conflito de interesse em evento privado.

Leia Mais

Lira instala comissão para analisar PEC que pode gerar "poupança" de emendas parlamentares

Leia Mais