Barreira ao assédio

Samuel Nunes
Publicada em 22/05/2024 às 23:06
Barroso redigiu a tese defensora, que foi levemente editada pelos outros ministros devido a preocupações alheias à imprensa. Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal definiu na quarta-feira (22) as balizas e os conceitos de assédio judicial contra jornalistas e criou barreiras para garantir a defesa de profissionais e empresas contra a apresentação difusa e sistemática de ações judiciais. Contudo, o julgamento, que é considerado importante por especialistas, acabou deixando mais dúvidas do que certezas.

O assédio judicial tem sido usado por autoridades públicas, muitas delas do Judiciário e do Ministério Público, para intimidar a imprensa. O objetivo é impedir a veiculação de informações que consideram indesejadas, como salários e aditivos remuneratórios. A prática também é cada vez mais em comum quando a imprensa incomoda políticos e empresários.

O assédio ficará comprovado se houver mais de uma ação idêntica contra o jornalista ou contra a imprensa, não importando quem é o autor. O profissional que for alvo das ações poderá solicitar que elas sejam apreciadas em um único foro, o do domicílio do profissional ou da empresa. Juízes de comarcas diferentes também poderão repassar os processos de ofício, sem a necessidade de pedido prévio, caso constatado o assédio.

Conforme a tese vencedora, a imprensa só poderá ser responsabilizada pelas informações veiculadas se houver dolo ou culpa no trato indevido dos dados - desde a apuração até a publicação da notícia.

As ações foram abertas pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Ambas tratam apenas de casos envolvendo processos que correm nas varas cíveis e não estão relacionados diretamente a queixas criminais, como casos de injúria, difamação e calúnia, conforme explica o advogado da ABI, Cláudio Pereira de Souza Neto.

Segundo Souza Neto, há outro processo da ABI, correndo no STF, que pretende regulamentar o assédio judicial na esfera criminal. Esse caso ainda não foi julgado, mas ele entende que, se ficar comprovada a existência de várias queixas idênticas, seria possível usar o mesmo entendimento dessa ação para impedir o avanço das investigações criminais.

Para o advogado André Marsiglia, especialista em direito de imprensa, o julgamento dos dois processos é um importante marco, mas a falta de definição sobre os processos criminais, além de outros pontos obscuros, deixa em aberto a possibilidade de que juízes de instâncias inferiores mantenham ações que comprometam a liberdade de imprensa.

"Acões de crimes contra a honra são muito comuns para inibir a imprensa, pois tem a possibilidade de constranger mais e até levar o jornalista para a prisão", lembra Marsiglia.

Na prática, o julgamento dificultou a abertura de novas ações contra os jornalistas. Mas não há, por exemplo, um balizamento estrito que deixe claro como e quando as ações devem ser aceitas ou arquivadas já no recebimento das denúncias à Justiça.

As balizas usadas foram os princípios do jornalismo: apuração, checagem da informação e busca pelo outro lado. A tese vencedora foi apresentada pelo ministro Luis Roberto Barroso.

Porém, houve ajustes no texto após os debate entre os ministros. Entre divergências, piadas, elogios e risadas, o que se viu foi um Supremo com preocupações para além da imprensa e refém das decisões do passado.

Souza Neto diz que a tese de Barroso é baseada em um precedente dos Estados Unidos, quando o jornal New York Times foi processado, na década de 1960, depois de publicar reportagens denunciando a violência policial. As matérias eram baseadas em depoimentos de pastores evangélicos negros.

A empresa perdeu a ação movida pelos policiais na primeira instância, mas conseguiu reverter o resultado na Suprema Corte. Os juízes estabeleceram a ideia de que era preciso que as informações publicadas fossem manifestamente falsas e que houvesse culpa do jornal em não apurar as declarações dos pastores, para que o jornal pudesse ser condenado.

No julgamento do STF, foram feitas intervenções, principalmente por Alexandre de Moraes e Flávio Dino, sobre o assédio judicial contra autoridades. Também argumentaram fortemente sobre a necessidade de punir comunicadores que distorcem informações ou mentem com o objetivo de macular a imagem de pessoas públicas.

Não à toa, pois a dupla é alvo frequente do bolsonarismo, juntamente com Edson Fachin, Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Porém, esse argumento foi mais voltado a blogueiros e influenciadores das redes sociais - que, na maioria dos casos, não são jornalistas.

Neste ponto, o passado emparedou o STF. No fim dos anos 2000, a corte acabou com a obrigatoriedade de diploma para exercer a profissão de jornalista. Agora, os ministros tiveram de escolher com cuidado cada palavra da tese definida no julgamento para não permitir que pessoas travestidas de jornalistas saiam impunes.

Marsiglia avalia que uma das falhas do STF está justamente em não estabelecer critérios sobre o que é a profissão de jornalista. Sem a exigência do diploma ou de atos que possam configurar a atividade, fica aberta a possibilidade de que qualquer pessoa possa invocar o julgamento da corte para se beneficiar.

Também fica em aberto como o Judiciário se posicionará sobre o trabalho jornalístico publicado diretamente em redes sociais. Nos últimos anos, as plataformas têm sido alvo de intenso ataque de juízes, desembargadores e ministros, que apertaram o cerco contra as notícias falsas, mas têm ignorado o trabalho de profissionais sérios que usam essas redes para trabalhar e informar.

Conforme Souza Neto, uma das vantagens do julgamento é o fato de que casos já analisados pelo Judiciário podem ser revistos. Ele diz que, em algumas situações de jornalistas ou empresas condenadas, elas poderão entrar com ações rescisórias, para tentar reaver multas e indenizações já pagas na esfera cível.

Leia abaixo a ementa do voto de Barroso, cuja tese saiu vencedora no julgamento:

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