A conta não fecha

Redação
Publicada em 09/07/2024 às 06:00
Bolsonaro deixou o Brasil em 30 de dezembro de 2022, retornou em 30 de março do ano passado. Foto: Gabriela Biló/Folhapress

O relatório da Polícia Federal que atribui a Jair Bolsonaro o comando de um esquema de venda ilegal de joias presenteadas à Presidência da República apresenta evidências incompletas dos crimes descritos. A PF diz que o grupo associou-se criminosamente para desviar 1,2 milhão de dólares em bens da União. Os documentos disponíveis, contudo, comprovam somente a transação de 68 mil dólares obtidos com a venda de dois relógios: um Rolex e um Chopard.

São doze os indiciados pela PF, incluindo Bolsonaro. Embora o indiciamento não tenha valor legal, expõe o juízo de valor dos investigadores do caso. Bolsonaro e alguns de seus principais aliados são suspeitos de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Além de Bolsonaro, são alvos do inquérito o coronel da reserva Mauro Cesar Lorena Cid; o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid; os advogados Fabio Wajngarten e Frederick Wassef; o ex-ministro Bento Albuquerque; os ex-ajudantes da Presidência Osmar Crivelati e Marcelo Costa Câmara, além de Marcos André dos Santos Soeiro, Julio Cesar Vieira Gomes, Marcelo da Silva Vieira, José Roberto Bueno Júnior.

Há conversas entre Bolsonaro e Mauro Cid, que fechou acordo de delação com a PF. Uma delas corrobora a suspeita de que Bolsonaro sabia da venda das joias - e de que Mauro Cid agia sob ordens dele. Nessa conversa, o tenente-coronel envia ao ex-presidente links que remetem aos sites dos estabelecimentos que negociam os bens. Bolsonaro responde: "Selva".

Os diálogos entre os envolvidos mostram que eles sabiam dos riscos que corriam ao negociar os presentes obtidos de autoridades estrangeiras em viagens oficiais ao Oriente Médio. Tentaram ao máximo não deixar rastros com transações bancárias nem com troca de mensagens - muitas delas deletadas. Os negócios foram interrompidos após notícias da imprensa.

O relatório diz que parte desse dinheiro foi entregue a Bolsonaro de forma fracionada e em espécie, por meio de terceiros, principalmente o coronel da reserva Mauro Lourena Cid e seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente. Cid pai confessou à PF que entregou US$ 68 mil ao ex-presidente.

Também foram descobertas pela PF trocas de mensagens e ligações que mostram o esforço concentrado dos advogados Frederick Wassef e Fábio Wajngarten para reaver os bens vendidos em lojas de joias nos EUA, quando o caso veio a público.

Wassef foi chamado para resolver a encrenca pouco antes de o Tribunal de Contas da União obrigar o ex-presidente a devolver os presentes. A briga aqui é a interpretação quanto à posse deles. A defesa de Bolsonaro nega as acusações por entender que os bens são personalíssimos. Numa tradução do juridiquês, essa interpretação significaria que Bolsonaro poderia fazer o que bem quisesse com as joias.

Segundo a lei e o entendimento do TCU, contudo, a posse dos tais bens personalíssimos não é plena. Garante-se o uso, mas se limitam eventuais vendas ou doações. Entende-se que esses presentes são de interesse da União, que deve ter prioridade em eventual compra. É a União que compete autorizar a alienação no exterior. Isso não foi feito no caso das joias de Bolsonaro.

Segundo a PF, o dinheiro obtido com a venda dos relógios bancou a estadia de Bolsonaro nos Estados Unidos, para onde ele foi ao fim de seu mandato. A PF diz que a viagem integrava o plano bolsonarista de tentar reaver o poder pela força.

As informações do relatório foram tornadas públicas na quinta-feira (4), por Alexandre de Moraes. Agora, a PGR tem 15 dias corridos para se manifestar. Se a PGR resolver oferecer denúncia contra Bolsonaro e os demais suspeitos, o ministro do STF decidirá se eles se tornarão réus.

Apuração e reportagem de Brenno Grillo e Karen Couto.

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