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Prates, o cunhado e o segredo

Brenno Grillo
Publicada em 05/04/2024 às 17:00
Cunhado de Prates, de gravata roxa, participa da cerimônia de posse do político no Senado, em 2019. Foto: Pedro França/Agência Senado

Jean Paul Prates dá seus últimos suspiros como presidente da Petrobras, mas jamais poderá dizer que deixou de ajudar petistas, sindicalistas, amigos e sua família. Dentre os parentes, auxiliou seu cunhado, Antonio Medeiros, no Serviço Nacional de Aprendizagem e Industrial do Rio Grande do Norte.

A ajuda de Prates a Medeiros se deu no Instituto Senai-RN de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER). Como senador, Prates despejou 1 milhão de reais em emendas parlamentares de julho a novembro de 2022. Também prometeu, já como presidente da Petrobras, outros R$ 90 milhões para desenvolvimento e pesquisa sobre energia eólica.

Não é possível saber quaisquer detalhes dos projetos. O serviço potiguar de aprendizagem disse ao Bastidor que há sigilo sobre a documentação. A comunicação da companhia não respondeu aos pedidos de acesso. A um um pedido via Lei de Acesso à Informação, o Senai respondeu apenas com uma planilha que não dirimia as dúvidas.

Outros 4,8 milhões de reais foram repassados ao ISI-ER por meio de emendas de relator, transferências usadas por parlamentares para esconder quem pediu o pagamento - a prática, conhecida como orçamento secreto, foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal no fim de 2022.

O Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis recebeu ainda, em janeiro deste ano, 8 mil reais da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. O dinheiro foi pago para capacitação de servidores.

Quase todos os montantes, sejam do orçamento da União ou da Petrobras, foram pagos sem licitação, sempre via convênios ou dispensa de concorrência pública.

O único montante repassado ao ISI-ER por meio de licitação foram 2,8 milhões que estão sendo pagos por serviços relacionados ao controle de emissões fugitivas - a poluição que escapa das fontes geradoras de energia. Iniciado em janeiro de 2023, o contrato vai até março de 2027 (veja abaixo).

Mesmo tendo sido fundado em 2018 e começado a atuar efetivamente em 2021, o ISI-ER já recebeu da União quase tanto dinheiro quanto o Senai-RN nos últimos 24 anos. O centro de pesquisa recebeu 5,8 milhões de reais nos últimos três anos, enquanto o serviço potiguar de aprendizagem recebeu 8,8 milhões de reais desde 2000, segundo o Portal da Transparência.

E não foi só o ISI-ER que recebeu aportes diretos para pesquisar sobre energia eólica para a Petrobras. O Senai-RN firmou parceria de quase 12 milhões de reais com a Aneel para o desenvolvimento de uma boia usada pela empresa para medir a velocidade dos ventos em alto mar.

Cunhado é parente

Antonio Medeiros é irmão da esposa de Prates, Muriele Medeiros, e próximo do presidente da Petrobras. Esteve na posse do parente no Senado, em 2019, quando este assumiu o posto deixado por Fátima Bezerra, por conta da vitória na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, em 2018.

A proximidade com a política potiguar rendeu frutos a Medeiros, que integrou grupo de trabalho da gestão de Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte para desenvolver projetos de energia eólica. A partir de 2019, o funcionário de carreira passou a conselheiro suplente do Senai-RN.

Em 2021, Medeiros tornou-se diretor do ISI-ER. O posto e a proximidade com Prates lhe garantiram, em 2022, um convite para falar no Senado sobre energia renovável. Sentou na primeira fileira da Comissão de Infraestrutura, em frente ao cunhado.

Apoio na política e na Petrobras

Os projetos do ISI-ER contam ainda com apoio de Davi Alcolumbre. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado é um entusiasta declarado do projeto. Apoiou Prates em vários momentos e direcionou 5 milhões de reais para o início de um estudo similar no Amapá.

O apoio às empreitadas da Petrobras no ISI-ER não se restringem a Prates. Clovis Correa da Silva Neto, contratado como consultor especial da presidência da companhia após ter sido demitido durante a privatização da BR Distribuidora, é um dos entusiastas. Já esteve, ao lado de Medeiros, em reuniões do instituto com o governo federal.

Outro funcionário da Petrobras que torce pelo projeto é Carlos Augusto Barreto, gerente executivo de tecnologia da companhia, que também participou de reuniões com o ISI-ER. É amigo de escola de Prates, dos tempos do colégio São Bento, no Rio.

O Bastidor questionou a Petrobras, em dois momentos, sobre as informações apresentadas nesta reportagem. O primeiro foi em 6 de março; o segundo, nesta sexta-feira (5). A companhia não respondeu nas duas ocasiões.

Em março, a reportagem pediu acesso aos documentos do contrato de 2,8 milhões de reais firmados com o ISI-ER em janeiro deste ano, assim como uma lista com todos os convênios que a Petrobras tem com o Senai-RN.

Hoje, um mês depois, encaminhou as seguintes questões (as respostas foram enviadas posteriormente pela Petrobras):

1- Foram anunciados aportes de 90 milhões da estatal no ISI-ER para pesquisa e desenvolvimento em energias renováveis e produção de hidrogênio verde. Quanto já foi pago? Qual a duração da parceria?

A Petrobras, conforme divulgado em 7/2/24, assinou Termo de Cooperação com o Instituto Senai de Energias Renováveis (ISI-ER) para a construção de uma planta piloto de eletrólise para estudo da cadeia de hidrogênio de baixo carbono. O objetivo da iniciativa é avaliar a produção e utilização de hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água, com o uso de energia solar. O projeto prevê a duração de três anos e o aporte inicial foi em torno de R$ 27 milhões.

2- Os contratos estão em sigilo? A empresa pode fornecê-los, assim como os documentos correlatos?

As informações sobre contratações da Petrobras podem ser acessadas no Portal da Transparência Petrobras. (transparência.petrobras.com.br). 

3 - O ISI-ER recebeu emendas do atual presidente da empresa, Jean Paul Prates, em 2022. Qual o objetivo desses aportes?

O questionamento não envolve aspectos relativos à Petrobras.

4 - O compliance da empresa não viu conflito no fato de o aporte da Petrobras ter sido feito num instituto que tem entre os diretores o cunhado de Prates, Antonio Medeiros?

Todos as contratações feitas pela Petrobras, incluindo a assinatura de Termos de Cooperação com parceiros tecnológicos, como é o caso do Senai ISI-ER, precisam cumprir todos os requisitos de governança previstos pelas regras de conformidade da companhia.

5 - O presidente não viu conflito de interesse no aporte ao ISI-ER?

Todos as contratações feitas pela Petrobras, incluindo a assinatura de Termos de Cooperação com parceiros tecnológicos, como é o caso do Senai ISI-ER, precisam cumprir todos os requisitos de governança previstos pelas regras de conformidade da companhia.

6 - Qual o papel de Carlos Augusto Barreto no convênio com o Senai-RN e o ISI-ER?

O empregados citados não têm qualquer relação ou participação no termo de cooperação com o Instituto Senai de Energias Renováveis.

7 - Qual o papel de Francisco Alves de Queiroz Neto no convênio com o Senai-RN e o ISI-ER?

O empregados citado não têm qualquer relação ou participação no termo de cooperação com o Instituto Senai de Energias Renováveis.

Leia a nota enviada pela Petrobras: 

Adicionalmente, o SENAI/RN é uma entidade paraestatal, caracterizada como Serviço Social Autônomo, braço educacional do Sistema CNI – Confederação Nacional da Indústria.

Petrobras e SENAI/RN são parceiros estratégicos de longa data em diversas áreas de pesquisa e desenvolvimento em temas relacionados a energias renováveis e hidrogênio. O SENAI/RN tem notoriedade no tema de energias renováveis, principalmente em energia eólica e solar, além de ter também competências relevantes relacionadas ao tema de hidrogênio e/ou outros gases.

Entre as iniciativas desenvolvidas por meio dessa parceria histórica destacam-se a instalação de estação meteorológica e operação e manutenção de sistema fotovoltaico de alta concentração; estudos da influência dos efeitos térmicos na modelagem do recurso eólico e da geração fotovoltaica centralizada e seu impacto no sistema elétrico e o desenvolvimento de metodologias para medição e avaliação do potencial eólico offshore; entre outras. Além da expertise, principalmente em energia eólica e solar, o SENAI/RN também tem posição geográfica estratégica para o projeto. Sua sede fica em Natal, três horas distante da Usina Vale do Açu de Alto do Rodrigues..

O SENAI/RN é credenciado pela ANP e pela ANEEL para realização de projetos nesta linha de pesquisa, para fins de cumprimento do investimento obrigatório em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação previsto nos contratos de exploração e produção, bem como os de geração de energia elétrica firmados pela Petrobras.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte, que responde pelo Senai potiguar, também foi questionada sobre o caso, assim como Antonio Medeiros. Apenas a FIERN respondeu. Disse não poder detalhar nada sobre o caso devido a cláusulas contratuais de confidencialidade.

Leia a nota enviada pela Fiern:

Em relação a informações recentes divulgadas pela mídia com ilações em torno do trabalho realizado pelo Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), a Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), que engloba o SENAI-RN, informa:

O Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) é a principal referência do SENAI no Brasil em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação em energia eólica, solar e sustentabilidade, incluindo novas tecnologias, como o hidrogênio verde.

A instituição faz parte da maior rede de pesquisa aplicada criada no Brasil para impulsionar a competitividade da indústria, composta por 27 Institutos SENAI de Inovação. Está em operação desde 2018, no Rio Grande do Norte. Esta rede já possui mais de um bilhão de reais em projetos de pesquisa e desenvolvimento executados, com produtos ou processos entregues aos seus clientes.

O ISI-ER herdou integralmente atividades de pesquisa aplicada realizadas pelo SENAI-RN, que desde 2002 atua nesse campo e na prestação de serviços para os setores de gás e energia, com diversas empresas privadas e estatais de grande porte, do Brasil e do mundo, e com entidades governamentais. A instituição mantém um sólido histórico de relacionamento com o setor industrial no país, e com instituições internacionais parceiras.

Na sua trajetória, tem construído caminhos que, inquestionavelmente, contribuem para o progresso tecnológico do país e a sustentabilidade, com o avanço das energias renováveis e de inovações necessárias para a transição energética.

Desde a sua origem, os processos relacionados a projetos de pesquisa do SENAI-RN - e do ISI-ER - cumprem todos os regramentos normativos do programa de Compliance do Sistema FIERN e obedecem às regras de compliance estabelecidas pelas empresas contratantes, posicionando-se de maneira a evitar - de forma inegociável - conflitos de interesse pessoal, conflitos de interesse institucional, trocas de favores ou quaisquer outras irregularidades.

Não existem relações de parentesco entre diretores da instituição e dirigentes de empresas que compõem o seu rol de clientes no setor de óleo e gás ou em qualquer área em que atua.

Antonio Medeiros, engenheiro mecânico, mestre em Ciência e Engenharia de Materiais, pesquisador citado nas referidas publicações, ingressou no SENAI-RN em 2011 por meio de processo seletivo, e tem desenvolvido carreira como um dos mais renomados pesquisadores no setor de energias renováveis. No SENAI-RN, participou e participa de projetos e atividades de pesquisa da instituição nas áreas de gás natural, fertilizantes, energia eólica, energia solar e sustentabilidade. Faz parte do corpo técnico do ISI-ER como pesquisador e coordenador de Pesquisa & Desenvolvimento desde 2019.

Diante de todos os fatos expostos - que são públicos, notórios e irrefutáveis - a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (FIERN), instituição que preside o Conselho do SENAI no Rio Grande do Norte, repudia veementemente qualquer ilação que, de forma proposital, venha a desconhecer, por interesses outros, todo o histórico do ISI-ER como base de pesquisa no país, bem como do respeitado pesquisador em questão.

Atualização: Notícia alterada às 16h41 de 6 de abril de 2024, para inclusão das respostas da Petrobras e da FIERN.

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