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O problema é precisar do plano

Brenno Grillo
Publicada em 29/11/2024 às 15:00
Unidade da MedSênior em Brasília onde houve recusa em internar um paciente com tumor no cérebro, e outra pessoa ficou internada numa sala sem janelas. Foto: MedSênior / Reprodução

A MedSênior é uma empresa com nove anos de existência, surgida no Espírito Santo, que oferece um plano de saúde disposto a atender pessoas acima dos 60 anos e com foco na prevenção por meio de exercícios e outras atividades que mantenham o vigor de seus clientes.

Essa combinação é o segredo do negócio da MedSênior, segundo especialistas: evitar internações reduz custos e possibilita oferecer mensalidades mais baratas que as dos concorrentes, que seguem abordagens mais tradicionais.

Mas este aparente trunfo também é a fragilidade da empresa, que acumula reclamações sobre como lida com clientes que precisam ser internados por longos períodos.

O Bastidor ouviu médicos que trabalharam de forma direta e indireta para a MedSênior, além de parentes de pacientes atendidos em hospitais conveniados ou geridos pelo plano de saúde. Todos afirmaram terem tido problemas quando o assunto foi internação.

Em 30 de setembro de 2021, a médica Paula Gonçalves Izzo reportou à diretoria do hospital Santa Lúcia, em Brasília, a conduta de Priscila Buteri Valentin, também médica e funcionária da MedSênior.

De acordo com Izzo, Valentin reduziu de 5 para três litros por minuto o fluxo de oxigênio para uma paciente internada na unidade de tratamento intensivo para confirmar se havia necessidade daquele cuidado. A paciente sentiu falta de ar por alguns segundos. Izzo reportou que, mesmo diante da cena, Valentin opinou pela alta hospitalar após questionar a equipe médica se a pessoa atendida fumava ou tinha outras doenças.

"O evento causou constrangimento para a equipe assistente e confundiu a acompanhante da paciente, que não entendeu a postura da médica (Dra Priscila), sobre a indicação de alta da paciente [...] Após o ocorrido, questionei a Dra Priscila se a MedSênior então iria assumir a paciente em questão, pois sem melhora clínica, com quadro de dispnéia e necessidade de suplementação de oxigênio a 5l/min, a mesma não apresentava condições de alta para a enfermaria, não sendo possível que essa responsabilidade fosse transferida ao nosso médico assistente", detalhou Izzo no relatório.

A MedSênior afirma que "Priscila Buteri Valentin não atua no atendimento a pacientes, ocupando uma posição administrativa na companhia desde 2015", e que a profissional não "realiza exames ou visitas" a pacientes.

Os números da Agência Nacional de Saúde mostram que a MedSênior enfrenta problemas de atendimento. O número de reclamações sobre a cobertura oferecida pela empresa mais que dobrou de janeiro a outubro deste ano, passando de 81 para 180 reclamações. Neste ano, a companhia foi multada em pouco mais de 52 mil reais por problemas de cobertura. Segundo a ANS, o convênio não está entre os mais punidos em 2024.

A falta de cobertura levou a família do mecânico João Egídio da Costa a cobrar da MedSênior, na Justiça, valores referentes a uma internação que precisou ser feita em um hospital não ligado ao plano de saúde.

Costa chegou ao pronto socorro da MedSênior no Setor de Indústrias Gráficas de Brasília, em 18 de maio de 2023, com dores no peito, pressão alta, febre, rigidez muscular e movimentos involuntários da boca, dos olhos e do braço direito. O diagnóstico foi de um tumor no cérebro.

Mesmo assim, recebeu alta da unidade sete horas após a chegada. A recomendação foi tratamento com medicamentos para hipertensão e ansiedade, pois o caso não foi considerado urgente. Porém, Costa procurou atendimento médico novamente poucas horas depois, após convulsionar em casa.

Na segunda vez, a família optou pelo hospital Santa Lúcia, que recomendou uma cirurgia de urgência, "visto que o atraso diagnóstico poderia levar a maior risco de sequelas definitivas e e pior diagnóstico oncológico". O procedimento foi pago por parentes, pois o hospital não é conveniado com a MedSênior. João Egídio da Costa morreu em janeiro de 2024.

Parte das ações judiciais da família de Costa contra o plano de saúde aguardam julgamento no Superior Tribunal de Justiça, enquanto outras estão no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que já impôs algumas derrotas ao plano de saúde. Porém, essas perdas da empresa poderiam ser maiores.

Num dos processos, o desembargador Eustáquio de Castro e a oitava turma cível do TJDF reduziram os valores devidos pelo plano de saúde. Em primeira instância, o juiz do caso obrigou a MedSênior a pagar pouco mais de 182 mil reais pelos gastos hospitalares de Costa, além de cinco mil reais de indenização por não tê-lo internado.

Porém, na segunda instância, o desembargador Eustáquio de Castro e os outros integrantes da oitava turma cível do TJDF reformaram a decisão. Argumentaram que não havia o que indenizar, pois o plano de saúde não recusou o atendimento, apenas analisou mal a situação médica de Costa. Sobre este caso, a MedSênior afirmou "que cumpre rigorosamente as regras estabelecidas pelo órgão regulador ANS e que está à disposição da justiça para quaisquer demandas neste sentido".

A situação de Costa não foi a única história problemática vivida por uma família dentro da unidade de pronto socorro da MedSênior no Setor de Indústrias Gráficas do Distrito Federal. Um outro paciente, que não terá seu nome divulgado a pedido da família, morreu nessa unidade de atendimento após ficar seis dias internado numa sala sem janelas.

O fato ocorreu no começo deste ano, segundo o filho desse paciente, que também pediu para ter sua identidade preservada. De acordo com essa fonte, seu pai tinha câncer em estágio terminal e constantemente sofria com surtos, porque o ambiente onde estava não permitia diferenciar dia e noite. "Ele sempre pedia para voltar para casa", afirmou.

O Bastidor questionou a MedSênior sobre esse fato. Perguntou se o plano de saúde tem o hábito de internar pessoas em salas sem janelas. A empresa não respondeu.

Comigo é mais barato

Atualmente, a MedSênior tem unidades em Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Essa expansão custou 65 milhões de reais, de acordo com a própria empresa. E o retorno sobre esse investimento, muito graças à publicidade ostensiva, foi de quase 120 mil clientes, segundo dados da companhia até julho deste ano.

Os aportes da empresa pelo país são resultado da busca por clientes mal informados, segundo médicos ouvidos pelo Bastidor sob condição de anonimato. Eles afirmaram que os interessados procuram o plano de saúde em busca de mensalidades menores, mas após perceberem que o atendimento oferecido não é entregue, são impedidos de voltar aos antigos convênios médicos porque os valores cobrados passam a ser muito altos.

A lei impõe limite para reajustes de planos de saúde, mas nada diz sobre novos clientes. É assim que são tratadas essas pessoas que vão para a MedSênior e depois tentam voltar para seus antigos planos de saúde.

E essa tática de preços baixos está se aprofundando neste mês, por conta da Black Friday, com a MedSênior anunciando (como na foto acima) desconto de 60% na mensalidade para novos clientes. Mas nem toda essa presença, ou dinheiro investido, impediram que o plano de saúde tivesse reveses pelo país.

Um deles foi em Minas Gerais, onde um senhor morreu após receber, numa única sessão de quimioterapia, a dose destinada para os 30 dias seguintes. O caso aconteceu em agosto deste ano e está sendo investigado pela polícia civil.

O Bastidor questionou a ANS sobre as licenças necessárias para a MedSênior operar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar afirmou que a empresa está em dia com todas as exigências burocráticas.

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