Rede predatória
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica deve aplicar, em breve, uma multa expressiva ao Itaú e a Redecard por práticas anticoncorrenciais desleais que beneficiaram ilegalmente a empresa de pagamentos do banco, segundo fontes a par do caso. Caso seja confirmada, trata-se de uma reviravolta num processo aberto há cinco anos, cujo desfecho tendia a favorecer, como é a regra em Brasília, o maior banco privado do Brasil. Na capital federal, o Itaú de Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles nunca perde. Ou perdia.
Quando o processo começou, em 2019, a Rede era relativamente pequena no mercado bilionário de meios de pagamento, mais conhecido pelas chamadas maquininhas. Hoje, graças, em larga parte, ao poderio do Itaú e à falta de medidas regulatórias que minimizem a concentração bancária, a Rede é a líder do setor.
Sem a ação efetiva do Banco Central e de órgãos como o Cade, o mercado de meios de pagamento avança para espelhar o domínio dos bancos. Além de Rede, do Itaú, estão entre as líderes do setor a Getnet (Santander) e a Cielo (Bradesco e Banco do Brasil). Somam 80% desse mercado. É um processo chamado de "verticalização" - a união de grandes bancos, por meio de suas linhas de crédito e forte oferta de serviços, com as empresas de meios de pagamento como ponta do processo de captação de clientes.
O Bastidor teve acesso ao processo no Cade contra o Itaú e a Rede. Ele tramita desde 2019, após ambos serem acusados por rivais de práticas anticoncorrenciais e predatórias. O caso expõe como o dinheiro, a influência e a leniência do estado perante um grupo privado pode ajudar a redefinir um mercado.
Em maio daquele ano, o Itaú e a Redecard colocaram na praça uma promoção que garantia a lojistas com faturamento anual de até 30 milhões de reais taxa zero sobre a antecipação, para dois dias, do prazo para recebimento de valores cobrados no crédito à vista. A benesse, porém, exigia que a empresa depositasse esses montantes em contas do Itaú - quem não tinha, teria que abrir uma. Normalmente, esse dinheiro é pago sem ônus, ou qualquer exigência, somente 30 dias depois de realizada a venda.
A investida da maquininha do Itaú foi rechaçada pelos concorrentes. Acusaram o rival de concorrência desleal por meio de venda casada e financiamento cruzado graças à verticalização dos riscos do negócio. Os grandes bancos, a princípio, e as empresas que atuam nos meios de pagamento disseram que o Itaú suportaria os prejuízos causados pela tática da Redecard para ganhar mercado. Foram para cima do banco Safrapay, Cielo, PayPal, PagSeguro, Global Payments, Getnet, First Data e Stone.
A First Data estimou que a prática da Redecard, se replicada pela concorrência, resultaria em 1 trilhão de reais anuais em pagamentos adiantados, impactando “aproximadamente 400 milhões de reais ao ano” nos balanços dessas companhias.
O Itaú respondeu que não fez nada além do que já existia no mercado, só que de maneira mais “agressiva” por estar perdendo clientes ao longo dos anos - a participação do banco nesse mercado desde 2018 nunca ficou abaixo dos 30%, segundo dados do BC. Também negou que a Redecard perderia tanto dinheiro quanto diziam. A receita seria compensada com o credenciamento de novos clientes.
O começo da investigação
Diante dos fatos, o atual presidente do órgão, Alexandre Cordeiro, à época superintendente-geral, instaurou investigação sobre as ações do Itaú e da Rede. Suspendeu a campanha das empresas no fim de outubro de 2019, sob multa diária de 500 mil reais. Os conselheiros chancelaram a decisão.
O Itaú recorreu. Disse que o conselho, “sem fundamentação econômica verossímil” nem amparo legal, calcado apenas em “ilações” da concorrência, suspendeu sua campanha promocional de forma “leviana e inconsequente”. Perdeu novamente.
O banco correu ao Judiciário. Ainda em novembro de 2019, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu as multas impostas pelo Cade ao Itaú até o fim do processo administrativo no órgão. A decisão irritou técnicos e conselheiros do Cade.
Albergado nessa liminar, o Itaú ampliou a campanha no mês seguinte. Incluiu nela todos os empresários com faturamento anual de até 30 milhões de reais, independentemente de onde tivessem conta bancária.
A promoção ajudou no crescimento significativo da base de clientes da Rede em 2019 - houve um aumento de quase 20% naquele ano, segundo informações do BC apresentadas no processo. Dados do próprio Itaú apontam que, apenas no primeiro mês da campanha do banco com a Redecard, o grupo aumentou em 112% a indicação da instituição financeira como domicílio bancário e em 73% o credenciamento de novos clientes. Tudo na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Retomada do julgamento
A investigação tramitou lentamente no Cade, como tem sido comum no órgão. Enquanto isso, a Rede crescia e o mercado de meios de pagamento avançava no processo de consolidação, com presença mais forte dos bancões. Com o passar do tempo e a mudança de quadros, a Superintendência-Geral do Cade mudou de posição. Em 2022, opinou pelo arquivamento.
"Não há clareza quanto ao fato de que as receitas obtidas pela Rede no mercado de credenciamento tenham sido menores do que os custos ou de que a prática tenha resultado em prejuízos”, disse Alexandre Barreto, então superintendente. As mesmas conclusões foram adotadas pela Secretaria Nacional do Consumidor, além da procuradoria federal e dos representantes do Ministério Público Federal que atuam no Cade.
Com a posição da Rede consolidada e a postura cada vez mais agressiva do Itaú em Brasília e contra seus concorrentes, muitos esperavam que o Cade deixasse o caso morrer por inanição - e aparente medo. Não foi o que aconteceu.
Recentemente, os conselheiros do Cade resolveram retomar o julgamento. Votaram os conselheiros Gustavo Augusto Freitas de Lima, relator do processo, e Victor Fernandes. Ainda faltam quatro votos.
Freitas de Lima entendeu que houve conduta ilegal de empacotamento. É o que acontece quando um ator dominante no mercado usa de sua posição verticalizada para oferecer uma promoção em troca da contratação de outro serviço. Afirmou não ter enxergado efeitos danosos no mercado. Diante disso, o conselheiro sugeriu livrar Itaú e Rede da multa. Mas sugeriu que as empresas sejam proibidas de adotarem condutas similares pelos próximos cinco anos, período em que seriam fiscalizadas pelo Cade.
O conselheiro Victor Fernandes, por sua vez, defendeu o arquivamento do processo com o alerta de que condutas similares, se replicadas no futuro, serão punidas com multas.
O Cade deve retomar o julgamento neste mês, com o voto da conselheira Camila Alves. Ela havia pedido vista em agosto. A conselheira se reuniu com integrantes do Banco Central no mês passado para obter mais informações sobre os possíveis impactos da promoção da Rede. Ela e outros três conselheiros ainda precisam votar no caso. De acordo com fontes a par do julgamento, é provável que Setubal e Moreira Salles não tenham mais razões para rir tanto.
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