O Refis das empreiteiras
Após sete meses de renegociações dos acordos de leniência da Lava Jato, a discussão entre empreiteiras e órgãos públicos ainda se limita à questão financeira. Não se menciona a efetividade das colaborações - ou seja, se os acordos ajudaram a fechar investigações de corrupção e a abrir frentes de apuração acerca de crimes até então desconhecidos das autoridades.
Nos moldes atuais, as empreiteiras, o governo, por meio da AGU e da CGU, e o ministro André Mendonça, responsável no Supremo pela tentativa de conciliação, agem como se os acordos não pudessem ser rescindidos. Debate-se apenas a melhor forma para que as empresas tenham descontos nas promessas de pagamentos de multas e ressarcimentos.
Está em curso, portanto, uma espécie de Refis das empreiteiras. A questão não é se o governo aceitará novos termos financeiros - a questão é apenas quais serão esses termos. Ao abdicar da possibilidade concreta de rescindir um acordo, o governo perde o poder de barganha. Isso causa um desequilíbrio, que é agravado pelo sigilo das negociações. Não há como avaliar o interesse público nas renegociações.
As empreiteiras, evidentemente, sabem muito bem disso. E, da posição delas, agem com inteligência. Tentam arrancar o máximo possível de concessões. Daí a permanência de um impasse. Tanto que a Advocacia-Geral da União precisou pedir mais 30 dias para finalmente - será? - chegar a um acordo. A petição, protocolada na semana passada, está sob sigilo.
O clube das sete
Ao todo, sete construtoras tentam a repactuação das dívidas. Não há negociações quanto aos benefícios que as empresas tiveram acesso ao fecharem os acordos de leniência. As conversas se restringem somente às condições de quitação dos débitos.
Nos últimos dias, o Bastidor conversou com advogados envolvidos nas tratativas para entender quais são os empecilhos que travam o anúncio de acordo e adia, desde fevereiro, um desfecho. A reportagem constatou que questões amplamente discutidas sobre a capacidade de pagamento das empreiteiras voltaram à mesa como se fossem novas. São duas as principais: a correção do saldo das dívidas e as garantias.
O problema não é novo. Desde novembro do ano passado, o Bastidor noticia as articulações do cartel das construtoras para obter descontos vantajosos com os órgãos públicos. Em boa medida, com membros do governo. As empresas pediram ajuda à velha-guarda petista e planejam uma ofensiva sobre o Congresso.
As renegociações hoje envolvem a Novonor (antiga Odebrecht), Andrade Gutierrez, Braskem, Camargo Correa, Nova Participações (antiga Engevix), Metha/Coesa (antiga OAS) e UTC. As dívidas superam os 10 bilhões de reais. Nem todas devem aceitar as condições da CGU (Controladoria-Geral da União). A expectativa é que ao menos quatro firme o acordo.
Os advogados da maioria das empreiteiras alegam que o desconto de 50% dado pela CGU foi feito sobre uma base de cálculo das dívidas que causa distorção. Acrescentam que, pelo modelo proposto, a Odebrecht seria a mais beneficiada. A empresa da família de Marcelo Odebrecht, até o momento, foi uma das que menos pagaram.
Outro ponto ainda discutido diz respeito às garantias da dívida. As defesas das empreiteiras dizem que a maioria está quebrada e não tem ativos suficientes. Muitas delas afirmaram ainda que buscaram bancos privados para firmaram seguros-garantia, mas as taxas cobradas eram exorbitantes. Esperam maior flexibilidade da CGU e da AGU nesse ponto antes de firmarem o acordo.
As empresas planejam ainda uma ofensiva no Congresso Nacional para se mudar a lei que estabelece que a correção da dívida seja feita por juros compostos, pela Selic do Banco Central. Ao governo, já foi dito que esse ponto precisa mudar futuramente. Defendem que a correção use o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que tornaria os débitos menos onerosos.
O movimento das construtoras começou em janeiro de 2023, sem alarde, logo após o presidente Lula tomar posse. A primeira a pedir a revisão foi a Camargo. Em abril, foi a vez da Engevix - a empresa comunicou a CGU que interromperia os pagamentos dez dias antes do vencimento da parcela. Em setembro, a OAS fez o mesmo. No mês seguinte, a Odebrecht. As empresas viram uma oportunidade de aliviar os encargos.
As construtoras argumentam que os débitos se tornaram impagáveis porque o mercado ainda não reagiu à Lava Jato, à pandemia de covid-19 e à instabilidade do mercado global diante das guerras.
De modo geral, as empreiteiras pagaram pouco até agora - sobretudo as que pediram recentemente revisão dos acordos. A OAS, que devia 1,9 bilhão, quitou 4 milhões. A Andrade Gutierrez, com um débito de 1,4 bilhão, pagou 446 milhões. A Camargo Corrêa, que devia 1,3 bilhão, pagou 496 milhões. Já a UTC quitou 39 milhões dos 574 milhões de dívidas e a Engevix (hoje Nova Participações), dos 516 milhões, pagou 6 milhões.
A Odebrecht, hoje Novonor, é um caso à parte. Só quitou 6% dos 2,7 bilhões de reais que se comprometeu a pagar em 22 parcelas anuais. A construtora firmou seu acordo de leniência com a CGU (Controladoria-Geral da União) em 2018. Começou a pagar somente em 2020 - apenas 2,2 milhões de reais. Voltou a cumprir as obrigações em outubro e novembro de 2022. Logo parou novamente. Não gastou um centavo desde o começo do governo Lula. Ao todo, desembolsou pouco mais de 171 milhões de reais.
Apesar do histórico de inadimplência, a Odebrecht, se fechar o novo acordo, terá proporcionalmente um desconto maior do que as colegas. Na proposta apresentada, a CGU considerou que as empreiteiras usassem o prejuízo fiscal para abater até 50% das dívidas. Como o saldo devedor da Odebrecht supera a de outras construtoras que pagaram com alguma regularidade as multas, ela ganhará uma redução do passivo superior às demais.
Na petição apresentada sigilosamente ao ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, diz que esse será o último pedido de prorrogação. Afirma ainda que o tema é complexo e que são questões que precisam ser melhor compreendidas e traduzidas para um acordo formal.
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