Delfim Netto, o fim
Poucos são os personagens públicos difíceis de definir, de encaixar em uma fôrma para fácil compreensão. O economista Antônio Delfim Netto é desses seres raros. Morto nesta segunda-feira (12), aos 96 anos, foi um dos maiores conhecedores da economia, do poder e do Brasil da década de 1960 à atual.
Como economista, Delfim escreveu um trabalho fundamental sobre a economia cafeeira, foi secretário de Fazenda em São Paulo e três vezes ministro de Estado; como político, foi deputado federal por 20 anos; foi um intelectual, dono da provavelmente maior biblioteca sobre economia do Brasil (cerca de 250 mil volumes), doada à Faculdade de Economia e Administração da USP, onde estudou e lecionou; foi um frasista difícil de superar.
Delfim foi poderoso e influente no Brasil por mais de 50 anos. Era o último dos signatários do Ato Institucional número 5, que enterrou em 1968 os resquícios de democracia que sobreviviam na ditadura militar desde 1964. “Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria. Eu não só assinei o AI-5, como assinei a Constituição de 1988”, disse em 2013.
Delfim Netto foi isso: alguém que teve muito poder e esteve no poder durante algumas das décadas que produziram as maiores transformações no Brasil em sua história recente.
Encarou momentos históricos radicalmente opostos no governo. Foi durante sua gestão como ministro da Fazenda dos governos Costa e Silva e Médici, entre 1967 e 74, que o Brasil viveu o período conhecido como “milagre econômico, quando o PIB cresceu 11% ao ano, a taxa de investimento atingiu 20% e a inflação era a mais baixa em uma década.
Cinco anos depois, como ministro do Planejamento do governo João Figueiredo (1979-85), enfrentou o oposto, a crise da dívida externa causada pela alta dos juros nos Estados Unidos. O Brasil estava quebrado, sem dinheiro para pagar nem seus gastos correntes em dólar, sem capacidade para investir e com a inflação acima de 100% ao ano, firme no caminho à hiperinflação das décadas de 1980 e 90.
Com o fim da ditadura, Delfim elegeu-se deputado federal. Ajudou a redigir a Constituição de 1988. Aproximou-se depois de 2003 do presidente Lula, a quem conhecera décadas antes como líder sindical. Tornaram-se próximos.
Nesta segunda, em nota de pesar, Lula disse: “Durante 30 anos eu fiz críticas ao Delfim Netto. Na minha campanha em 2006, pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos. Delfim participou muito da elaboração das políticas econômicas daquele período. Quando o adversário político é inteligente, nos faz trabalhar para sermos mais inteligentes e competentes”.
Delfim era mais conhecido pelo que dizia sobre economia. Pouquíssimos eram os sortudos que recebiam suas informações e ouviam seus conhecimentos sobre o que acontecia nos bastidores da política. Entre os anos 1970 e os 2020, Delfim foi das pessoas mais bem informadas sobre o que acontecia em Brasília e ao redor de Brasília.
Sua longevidade no poder foi acompanhada de acusações de corrupção. Em 2018 foram divulgados telegramas secretos das décadas de 1960 e 70, nas quais funcionários de inteligência da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília mencionavam que Delfim era suspeito de receber propina na negociação de dívidas da Polônia (o escândalo das polonetas) e para intermediar negócios de bancos estrangeiros com estatais brasileiras (o relatório Saraiva).
“As polonetas o governo da Polônia pagou, em um momento de grande dificuldade para o Brasil, US$ 3 bilhões. O relatório Saraiva foi arquivado pelo SNI porque não havia nada de concreto. Esses funcionários vinham para o Brasil e fingiam trabalhar enviando a Washington informações que já estavam em todos os jornais”, disse na ocasião.
No mesmo ano, Delfim foi acusado de receber R$ 15 milhões de propina em negociação relacionada à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O Ministério Público Federal conseguiu o bloqueio de R$ 4 milhões de suas contas. Delfim negou as acusações: disse que se tratava de pagamento de serviços de consultoria para a criação do consórcio que venceu o leilão da usina.
Na entrada de sua sala no escritório de sua consultoria, em São Paulo, Delfim tinha nas paredes vários quadros com charges publicadas em jornais que o desancavam. Costumava levar críticas na esportiva. Aceitou tirar fotos segurando uma cesta de abacaxis com o humorista Jô Soares caracterizado como o personagem Doutor Sardinha, que o ridicularizava semanalmente na TV na década de 1980.
Delfim foi um frasista difícil de superar, comparável a um de seus contemporâneos de Brasília, o senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007). Algumas delas:
“Nada é mais educativo que o fracasso”
“Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos".
"O Lula é um diamante bruto. É um gênio. As pessoas que subestimam o Lula são idiotas. Ele realmente tem uma grande capacidade, não só de se comunicar, que é visível, mas de organizar as coisas. Ele fez um bom governo",
“O Lula é que está do meu lado. Estou onde sempre estive, eles é que mudaram”
“Infelizmente, o presidente Bolsonaro administra a pátria com os piores preconceitos identitários e religiosos, além de revelar horror às evidências empíricas. Continua a negar o desaparecimento anual de parte da floresta amazônica”
“O Brasil é o país do futuro e sempre será”
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